filosofia árabe

Desde o fim da Antiguidade até o Renascimento, de S. Agostinho (séc. IV d.C.) até Averroes (séc. XII) e Ibn Khaldun (séc. XIX — XV), a filosofia árabe marcou profundamente o Ocidente. Em seu conjunto, ela procurou uma síntese racional entre a Antiguidade grega (Platão e sobretudo Aristóteles) e a religião muçulmana e cristã. A filosofia árabe, obra de médicos, juristas, matemáticos, eruditos, compreende enorme variedade e dá testemunho de uma cultura profundamente humanista. O Renascimento foi árabe antes de ser europeu. [Larousse]


(in. Arabic philosophy; fr. Philosophie árabe; al. Arabische Philosophie; it. Filosofia arabe).

Por esse nome entende-se a filosofia dos árabes do séc. VIII ao XII, que tem seus representantes principais em Al Kindi (séc. IX), Alfarabi (séc. IX), Avicena (séc. XI), Al Gazali (séc. XI), Averróis (séc. XII). Assim como a filosofia do mundo cristão na mesma época, a filosofia árabe é uma escolástica, isto é, a utilização da filosofia grega, em especial a aristotélica, com o fim de entender ou de demonstrar as verdades religiosas do Corão. A filosofia grega tornou-se conhecida entre os árabes a partir do califado de Haroun-el-Raschid, durante o qual começaram a ser traduzidas para o árabe as obras de Aristóteles e de outros autores gregos, já traduzidas para o siríaco. Entre as obras que exerceram maior influência no pensamento árabe, além dos textos de Aristóteles, houve uma Teologia atribuída a Aristóteles, que é uma miscelânea de trechos extraídos das Enéades de Plotino, e o Liber de causis, que é a tradução dos Elementos de teologia de Proclo. Foram também traduzidas para o árabe as obras de Euclides, Ptolomeu e Galeno, os comentários aristotélicos de Alexandre de Afrodisia e alguns Diálogos de Platão. Os fundamentos filosóficos que os árabes elaboraram e que, de certo modo, representam as características da sua filosofia, são os seguintes:

1) A noção de Deus como o “Ser necessário”, isto é, tal que não pode não existir, e do mundo como algo cuja necessidade deriva de Deus. Uma vez produzidos por uma Causa primeira necessária, todos os eventos do mundo são, por sua vez, necessários. Os árabes admitem uma cadeia causal ininterrupta que vai de Deus, como Primeiro Motor, às Inteligências celestes e aos céus e, enfim, aos acontecimentos terrestres e ao homem. Justificam, por isso, a astrologia, explicando suas deficiências pelo imperfeito grau de observação.

2) Doutrina do intelecto agente ou ativo como substância de natureza divina, separada da alma humana; doutrina que Averróis modificou no sentido de considerar separado do homem e divino também o intelecto passivo ou potencial que Al Kindi e Alfarabi consideravam próprio do homem. Ao homem pertence, segundo Averróis, só uma espécie de reprodução ou de imagem do verdadeiro intelecto. O único intelecto divino multiplica-se nas várias almas humanas como a luz do sol se multiplica distribuindo-se nos vários objetos que ilumina. Essa doutrina, que punha em dúvida a imortalidade da alma humana, na medida em que separava dela e atribuía a Deus a sua parte mais elevada e imaterial, foi chamada de doutrina da unidade do intelecto.

3) Tendência própria do aristotelismo e, em particular, de Averróis a pôr a filosofia acima da religião, atribuindo-lhe o fim da contemplação e reservando à religião o domínio da ação. Essa tendência foi interpretada pelos escolásticos latinos como a “doutrina das duas verdades”, isto é, da independência entre verdade filosófica e verdade religiosa, que poderiam ser até mesmo contrastantes. Obviamente, esse ponto de vista era a negação da própria escolástica ocidental, que visava justificar filosoficamente as verdades religiosas.

4) Com Al Gazali (séc. XI), a filosofia árabe apresenta a reação do espírito religioso contra a filosofia: Al Gazali afirma, contra Alfarabi e Avicena, a liberdade da natureza divina e o caráter arbitrário da criação. À sua obra Destruição dos filósofos, Averróis respondeu com Destruição das destruições de Al Gazali.

A filosofia árabe, além de ter importância por si mesma, ao acompanhar o auge do florescimento do império árabe no Mediterrâneo, exerceu notável influência sobre a escolástica latina. Em primeiro lugar, forneceu a essa escolástica boa parte de seu material, que lhe chegou através das traduções latinas das traduções árabes das traduções siríacas das obras de autores gregos. Em segundo lugar, ofereceu-lhe um constante ponto de referência polêmico, levando-a a organizar-se como filosofia da liberdade em face da filosofia da necessidade do mundo muçulmano. O próprio aristotelismo, na sua primeira manifestação ao mundo ocidental, foi identificado com a sua interpretação árabe; e só por obra de Alberto Magno e de Tomás de Aquino foi depois adotado às exigências da escolástica cristã (v. escolástica). [Abbagnano]