(gr. theoretikos bios; lat. vita contemplativa; in. theoretical life, fr. vie théorétique, al. Theoretisches Leben; it. vita contemplativa).
Ideal da vida dedicada exclusivamente ao conhecimento. Segundo W. Jaeger (Genesi e ricorso deli’ideale filosófico delia vita, 1928, em Aristóteles, trad. it., p. 363 ss.), a atribuição de uma vida puramente contemplativa aos filósofos pré-socráticos, por meio de anedotas (como a de Tales que, por andar olhando para as estrelas, cai num poço, enquanto a criadinha de Trácias ri dele) é a projeção, no passado, do ponto de vista platônico-aristotélico, que exaltou a vida contemplativa acima da prática e a considerou a única digna do filósofo e, em geral, do homem. Pode-se duvidar da exatidão dessa tese no que concerne à filosofia platônica, que dificilmente poderia ser chamada de contemplativa, pois tinha deliberadas finalidades políticas. Mas certamente é exata no que diz respeito a Aristóteles (v. “filosofia”; sabedoria). Uma das consequências do ideal contemplativo de vida foi o desprezo pela “banausia” (grego), isto é, pelo trabalho manual; outra consequência foi a reconhecida superioridade das ciências chamadas teoréticas sobre as chamadas práticas e, em geral, da atividade teorética. “Essa atividade”, diz Aristóteles, “é por si mesma a mais elevada, já que a inteligência é o que há de mais elevado em nós; entre as coisas cognoscíveis, as mais elevadas são aquelas de que se ocupa a inteligência”. Portanto, a vida teorética é superior à humana. “O homem não deve, como dizem alguns, conhecer as coisas humanas, como homem, conhecer as coisas mortais, como mortal, mas tornar-se o mais imortal possível e fazer de tudo para viver segundo o que nele há de mais elevado: embora isso seja pouco em quantidade, supera em potência e calor todas as outras coisas” (Et. Nic, X, 7, 1177 b 31). Aristóteles contrapunha explicitamente, no capítulo citado da Ética, a vida teorética, a do político e a do guerreiro que, segundo os antigos, eram as mais elevadas. Sobre essa noção deveria basear-se toda a filosofia pós-aristotélica, dos epicuristas aos neoplatônicos, destinada a exaltar a figura do “sábio”, do homem cuja vida se resume ou se esgota na contemplação. A filosofia medieval continua essa tradição. Se o misticismo vê na vida contemplativa a finalidade do homem e no caminho que leva a ela a única atividade de valor, para a escolástica, com S. Tomás (S. To., II, 1, q. 3, a. 5), a vida contemplativa é não só a bem-aventurança última e perfeita a ser obtida na outra vida, como também a bem-aventurança menor e imperfeita que se pode alcançar nesta. Uma das características do humanismo e do Renascimento é a ruptura dessa tradição e o reconhecimento do valor da vida prática ou ativa, do trabalho e da atividade mundana. E a Reforma, ao menos nesse ponto, coincide com o Renascimento. Bacon afirmava, nessa linha, o caráter prático e ativo do próprio conhecimento (scire est posse, Nov. Org., I, 3), no sentido de que este visa a estabelecer o domínio humano sobre a natureza. As análises dos empiristas ingleses nos sécs. XVII e XVIII mostravam a conexão entre o conhecimento e a experiência vivida do homem e, com Hume, a subordinação da primeira à segunda. No séc. XVIII, o Iluminismo vê no conhecimento essencialmente um instrumento de ação, um meio para agir sobre o mundo e melhorá-lo: o ideal da vida contemplativa parece abandonado. Contudo, retorna e prevalece no Romantismo, para o qual o conhecimento é o ponto final de chegada; portanto, a vida C. é ápice do processo cósmico, aquele no qual esse processo alcança a realidade última por meio da consciência, (entendida no sentido 1 de consciência 1). Hegel assim concluía sua Enciclopédia: “A Ideia, eterna em si e por si, atualiza-se, produz-se e compraz-se em si mesma eternamente, como Espírito Absoluto”; e acrescentava, como um selo de sua obra, o trecho de Aristóteles (Met., XI, 7), em que se fala da vida divina como “pensamento do pensamento”. Esse renascimento do espírito contemplativo, que se manifestou em todas as direções nas quais o Romantismo agiu, começou a ser duramente atacado a partir de meados do séc. XIX. Marx contrapôs à filosofia contemplativa a não-filosofia da práxis, empenhada em transformar, mais do que em conhecer, a realidade (Teses sobre Feuerbach, 1845, § 3, 11). Nietzsche insistiu no caráter de renúncia e de enfraquecimento vital da vida contemplativa e do desinteresse teórico (Die Froeliche Wissenschaft, § 345). As filosofias da ação e o pragmatismo insistiram na subordinação do conhecimento à ação e às suas exigências. Por fim, o existencialismo considerou as situações chamadas de cognitivas como modos de ser do homem no mundo, tornando sem sentido a distinção entre vida contemplativa e vida prática. O reconhecimento da ilegitimidade dessa distinção talvez seja o traço mais característico da filosofia contemporânea. Por um lado o conhecimento, em todos os seus graus e formas, implica a aplicação de métodos, técnicas ou instrumentos inerentes à situação humana no mundo, podendo ser considerados de natureza prática. Por outro, a própria vida contemplativa não passa de delimitação dos interesses a certa esfera de problemas e não a outra; portanto é uma diretriz de vida prática, escolhida e deliberada. Desse ponto de vista, a exaltação da vida contemplativa aparece sobretudo como distorção profissional do filósofo, que privilegia sua atividade, considerando-a superior a todas as outras. [Abbagnano]