VIDE universais
(gr. katholon; lat. universalis; in. Universal; fr. Universel; al. Allgemein; it. Universale).
Esse termo teve dois significados principais: 1) significado objetivo, em virtude do qual indica uma determinação qualquer, que pode pertencer ou ser atribuída a várias coisas; 2) significado subjetivo, em virtude do qual indica a possibilidade de um juízo (que diga respeito ao verdadeiro e ao falso, ao belo e ao feio, ao bem e ao mal, etc.) ser válido para todos os seres racionais.
1) O primeiro significado é o clássico; Aristóteles diz que Sócrates foi o descobridor do universal (Met., XIII, 4, 1078 b 28). Nesse sentido, o universal pode ser considerado no duplo aspecto ontológico e lógico. Ontologicamente, o universal é a forma, a ideia ou a essência que pode ser partilhada por várias coisas e que confere às coisas a natureza ou o caráter que têm em comum. O universal ontológico é a forma ou a espécie de Platão (v., p. ex., Parm., 132 a) ou a forma ou substância de Aristóteles: por isso, este afirmava que só existe ciência do universal (Dean., II, 5, 417 b 23). Logicamente, o universal é, segundo Aristóteles, “o que, por sua natureza, pode ser predicado de muitas coisas” (De int., 7, 17 a 39): definição que foi quase universalmente aceita na história da filosofia. Foi o universal nesse sentido que os lógicos medievais atribuíram o caráter de signo e a função de suposição. Era este o universal que M. Nizolio interpretava como um todo coletivo ou multitudo rerum singularium, de modo que a preposição “o homem é animal” ou significaria “todos os homens são animais” (De verisprincipiis, I, 6); a isso Leibniz contestava que, ao contrário, se trata de um todo distributivo, e assim a proposição significa que este ou aquele homem, seja ele qual for, é animal (Op., ed. Erdmann, p. 70). Desse modo, nesse aspecto Leibniz reproduzia substancialmente a doutrina nominalista da suposição do universal (Occam, Summa log, I, 70). Está claro que universal, nesse sentido, não é senão outro nome para conceito, signo ou significado: por isso, os problemas a ele relacionados devem ser considerados sob esses verbetes.
Por outro lado, o status ontológico do universal dava ensejo à chamada disputa sobre os universal, que ocupou boa parte da filosofia medieval e de algum modo continuou e continua na filosofia moderna (v. disputa dos universais). Como dissemos, o universal no significado ontológico é a forma ou a substância das coisas: conceito que não é somente aristotélico e medieval. Locke também observada que o fundamento da universalidade das proposições só pode ser a substância, com o nexo necessário que ela implica entre suas determinações, e que onde falta o conhecimento da substância a universalidade não é rigorosa (Ensaio, IV, 6, 7). Analogamente, Kant observava que a universalidade empírica nunca é rigorosa ou verdadeira, e que a universalidade autêntica precisa estar fundada nas formas a priori do conhecimento, ou seja, nas formas que constituem as coisas como fenômenos (Crítica da Razão Pura, Intr., II ). Hegel, por sua vez, insistia na unidade do universal e do particular, que éoíí concreto, Ideia ou Conceito Real. Portanto, ao universal abstrato, que é contraposto ao particular e ao indivíduo, ele contrapunha o universal concreto, que é a essência ou a natureza positiva do particular (WissenschaftderLogik, II, livro III, seç. I, cap. I, A; trad. it., III, pp. 42 ss.), e considerava ser tarefa da filosofia conhecer o universal concreto: “E tarefa da filosofia demonstrar, contra o intelecto, que o verdadeiro, a Ideia, não consiste em generalidades vazias, mas em um universal que, em si mesmo, é o particular, o determinado” (Geschichte der Philosophie, ed. Glockner, I, p. 58). No mesmo sentido, Croce escrevia: “Se o conceito é universal transcendente em relação à representação singular, tomada na sua singularidade abstrata, por outro lado é imanente em todas as representações, portanto também na singular”, identificando assim conceito com razão ou ideia (Lógica, 1920, p. 28). A “concreção do universal” de que falam os escritores idealistas nada mais é que o status ontológico atribuído ao universal pela metafísica tradicional.
Ao universal ontológico ligam-se também alguns outros usos do termo universal. Assim, “história universal” é a história que tem por objeto a forma ou a ordem global do mundo humano. A “gravitação universal” é uma força ou um princípio que rege a totalidade do mundo, e assim por diante. Nestes usos do termo o seu significado objetivo está unido ao seu alcance ontológico.
2) No segundo significa, universal é o que é ou deve ser válido para todos. O conceito de universal nesse sentido nasceu no domínio da análise dos sentimentos, especialmente dos sentimentos estéticos (v. gosto). Já Hume se propunha procurar uma regra do gosto, “por meio da qual possam ser harmonizados os vários sentimentos dos homens” (Essays, I, pp. 268 ss.), mas foi Kant que, além de usar esse tipo de universalidade no domínio da estética, estendeu-o para o domínio moral e elucidou suas características específicas, definindo-o como validade comum ou universalidade subjetiva. No que diz respeito à esfera estética, Kant via no juízo de gosto simplesmente “a necessidade objetiva de concordância do sentimento de cada um com o nosso próprio sentimento”, e nesse sentido definia o belo como “um prazer necessário”, no sentido de ser um prazer que todos devem sentir do mesmo modo (Crít. do Juízo, § 22). No domínio da ética, Kant afirmava que uma lei só é prática se for “válida para a vontade de todos os seres racionais” (Crít. R. Prática, § I), e considerava a universalidade subjetiva (possibilidade de uma máxima valer como lei para todos os seres racionais) o critério para julgar se uma máxima é ou não uma lei moral (Grundlegung der Metaphysik der Sitten, II). Mas ele também evidenciava a diferença entre essa universalidade subjetiva e a universalidade objetiva. Dizia: “Cada juízo objetivamente universal é sempre subjetivo; isso significa que, quando o juízo é válido para tudo que está compreendido em dado conceito, também é válido para qualquer um que represente um objeto segundo esse conceito”. Todavia, o inverso nem sempre é verdadeiro, isto é, nem todo juízo que tem universalidade subjetiva ou validade comum também é objetivamente universal; esse é o caso da universalidade estética, que possui universalidade subjetiva, mas não objetiva (Crít. do Juízo, § 8). A partir de Kant, a universalidade subjetiva tornou-se lugar-comum em filosofia, tanto quanto a noção de validade.
Talvez com mais exatidão, essa espécie de universal é hoje indicada pelo termo intersubjetivo. A referência à intersubjetividade constitui o significado desse termo em muitas expressões correntes, como “linguagem universal”, “educação universal”, “consenso universal”, “amor universal”, etc. Em outras expressões, esse termo pode ter tanto o significado subjetivo quanto o objetivo e lógico: p. ex., “gênio universal”, que pode ser entendido como o gênio que todos devem reconhecer ou reconhecem, ou como o gênio que é gênio em relação a qualquer ramo do conhecimento. [Abbagnano]
O que se estende a tudo. — Um princípio universal, que vale a priori (isto é, antes de qualquer experiência) para todo o conhecimento, distingue-se de um princípio simplesmente geral, obtido através da indução a partir da experiência e dos casos particulares. Por exemplo, o dever moral, segundo Kant, é um princípio universal, válido para todos os homens em todas as circunstâncias. Uma instituição social (o direito ao divórcio, por exemplo) é somente um princípio genérico: seu fundamento não está na consciência pura, constatamo-lo simplesmente como um fato social frequentemente comum. Kant opõe igualmente (na Crítica da razão pura) a universalidade das formas, ou “categorias” do espírito (que são descobertas por uma pura análise da razão), à generalidade das leis, que são tiradas da experiência. O conceito universal é tirado da razão; a ideia geral é induzida da experiência. (V. a priori.) [Larousse]
O universal, segundo Aristóteles, o universal, enquanto geral, distingue-se do individual; enquanto se refere a uma quantidade plural de objetos, opõe-se ao particular. Os juízos universais são os juízos de quantidade nos quais se dá a forma “todos os s são p”; nos particulares a forma “alguns s são p”; nos singulares a forma “este s é p”. Na lógica clássica, os juízos universais definem-se como aqueles em que o sujeito é tomado em toada a sua extensão.
O termo universal é usado em teoria do conhecimento quando se fala dos juízos universais e necessários. Kant referiu-se com frequência à universalidade e necessidade dos juízos que constituem parte das ciências naturais (especialmente da física) e indicou que se não se pode fundamentar tal universalidade e necessidade se cai no cepticismo e no relativismo.
Na tradição filosófica considerou-se sempre que o universal é abstrato, diferentemente do particular, que é concreto. Hegel inovou radicalmente esta ideia e propôs que o universal podia ser abstrato e concreto; quer dizer, admitiu que podia falar-se de um “universal concreto”. O universal abstrato é, simplesmente, o comum a vários particulares; neste caso o universal é negado pelo particular. Mas se negamos também o particular obtemos um universal que em vez de estar separado do particular é a própria realidade do particular da sua rica concreção.. Este universal representa a totalidade do conceito. A universalidade concreta é “precisão absoluta”; por conseguinte, “longe de estar vazia, possui, graças ao seu conceito, um conteúdo no qual não só se conserva, como lhe é próprio e imanente”. Quando se faz a abstração do conteúdo obtém-se o conceito abstrato. Este é um momento isolado e imperfeito do conceito, e não corresponde à verdade. Mas quando se inclui o conteúdo no conceito, não é já um momento isolado, mas a própria verdade.
O universal abstrato é o produto do pensamento; o universal concreto é o próprio pensamento na sua marcha para a realidade. O universal concreto é, portanto, “o universal verdadeiro”, que é o universal da razão e não do mero entendimento. O universal concreto pode ser entendido como o modo no qual o universal se realiza efetivamente em cada um dos particulares, de tal maneira que o universal é diferente em cada um deles. Pode ser entendido também como a atividade pensante que, como tal, pensa o particular e concreto na sua razão e não na sua pobreza ontológica. Em qualquer destes casos o universal concreto parece como a síntese do geral e do particular. Por síntese, supera o geral no seu caráter abstrato e o particular no seu caráter concreto. [Ferrater]