qualidade do que é único. — O termo se distingue do conceito de unidade. Relaciona-se mais especificamente à personalidade individual de um homem: a unicidade designa o caráter “insubstituível” de toda individualidade. (Sin. individualidade.) (V. personalidade.) (Larousse)
Diz mais que individualidade. Por isso, tudo o que é único é também indivíduo, mas não vice-versa. A individualidade convém ao portador concreto de uma essência em sua peculiaridade incomunicável, p. ex., a este carvalho, a este homem chamado Paulo. A unicidade acrescenta, além disso, que um indivíduo não tem outro igual a si, que, portanto, fora dele, não há outro portador da essência em questão (unicidade de fato) ou que mesmo não os pode haver essencialmente (unicidade metafísica). Esta não se verifica no âmbito terrestre, mas tão só uma unicidade de fato. Ela é pouco saliente na natureza extra-humana, onde os indivíduos existem só em vista da espécie; por isso apresentam um cunho individual pouco vincado, parecem-se muito entre si e podem substituir-se reciprocamente, embora também falemos, p. ex., da beleza única de uma paisagem, ou da fidelidade sem par de um animal. Pelo contrário, o homem individual surge como pessoa não ao serviço de sua espécie, mas com seu fim eterno inteiramente pessoal, o que lhe dá um caráter de ser algo absolutamente irreiterável e insubstituível. Isto se revela na profunda marca individual dos homens, a qual pode vincar-se ao ponto de fazer deles figuras únicas, incomparáveis, grandiosas, como p. ex., um Platão, um S. Agostinho, um S. Francisco de Assis, um Goethe. Todavia, só os seres espirituais puros ostentam a verdadeira unicidade metafísica. Enquanto no domínio terrestre nenhum indivíduo exaure a plenitude ontológica de sua espécie, outro tanto não acontece (segundo S. Tomás de Aquino) no caso do anjo; pois que, nesta esfera, cada indivíduo é necessariamente único em sua espécie. Todavia, como uma só espécie nunca realiza plenamente a riqueza do espírito puro, há neste grau do ser muitas espécies que coincidem no gênero. Só a unicidade de Deus é absoluta, porque, possuindo Ele em si de maneira exaustiva, como indivíduo, a infinita plenitude do ser, é impossível a existência de outro igual a Ele. — Lötz. (Brugger)
Excertos do prefácio de Roberto Ahmad Cattani, de sua tradução da ALQUIMIA DA FELICIDADE PERFEITA
A escola chamada wahdat al-wujud, da “UNICIDADE da Realidade”, fundada por Ibn Arabi, afirma a unidade transcendente do Ser. Escreve Ibn Arabi no Risâlat al-ahadiyah (Tratado da Unidade): “Ninguém O vê a não ser Ele mesmo — nem profeta, nem enviado, nem santo perfeito, nem anjo algum podem conhecê-Lo. Seu Profeta é Ele, e Seu Enviado é Ele, e Sua Palavra é Ele. Ele enviou Ele próprio com Si mesmo para Si”.
A escola wahdat al-wujud via na criação uma teofania (tajalli). Os arquétipos de todas as coisas são aspectos dos Nomes e das Qualidades de Deus e existem em estado latente no Intelecto divino. Deus lhes dá existência manifestando-os, mas o que vemos no mundo sensível não é nada mais do que a sombra dos arquétipos (note-se o paralelismo com as “sombras” da Caverna de Platão). A wahdat al-wujud classifica como fundamentais quatro Pilares (arkan) ou Atributos divinos: Vontade, Conhecimento, Poder e Fala; e acrescenta mais três (Vida, Generosidade e Equidade) para formar os “sete principais”, que se juntam para formar o nome Allah, o Nome Todo-Compreensivo (al-ism al-jâmi’) que representa a Essência divina. Destes sete derivam todos os demais Nomes e Atributos divinos.
Partindo da afirmação de unicidade de Deus, o La ilaha illa ‘Llah, não há divindade a não ser Deus, a escola afirma: “Não há realidade, não há beleza, não há poder, que não sejam a realidade, a beleza, o poder absolutos”. Esta fé “primordial”, fonte de toda metafísica muçulmana, proclama a inanidade dos seres criados perante o Infinito e integra o individual no universal. Para a escola de Ibn Arabi, o objetivo da metafísica é chegar ao conhecimento da unicidade divina, assim como o intento da cosmologia é afirmar a unicidade da existência.
Para Ibn Arabi, a criação e a existência do mundo e dos seres nascem da Compaixão (ar-rahmah) de Deus: a Compaixão é a base do Ser, o princípio da manifestação.1 No Futuhât al-makkiyah, Ibn Arabi afirma que o “sopro expirado pelo Compadecido” equivale à “concessão da existência”.2 “É por isto que os sufis dizem que cada átomo do universo é uma ‘teofania’ do Ser divino”, escreve S.H. Nasr. E cada ser, cada átomo, “cada espécie, tudo que está no mundo criado caminha para seu próprio fim, pois o objetivo de todas as coisas é a perfeição. A realização da viagem até Deus não é exclusividade do homem”.3 A viagem até Deus em vida é o tema central deste livro.
Ibn Arabi: Sabedoria dos Profetas
Toshihiko Izutsu: UNICIDADE DA EXISTÊNCIA
NOTAS: