Molinos

Molinos, Miguel de (1628-1696)

A pessoa e a obra de Miguel de Molinos vêm sendo conhecidas paulatina, porém progressivamente, ao longo deste século. Sua obra, que teve uma enorme influência antes de ser proibida pelo Santo Ofício (1688), caiu no esquecimento praticamente até nossos dias.

Esse original aragonês nasceu em Muniesa (Saragoça). Depois de realizados seus estudos no colégio de São Paulo dos jesuítas, ordenou-se presbítero e foi enviado a Roma na qualidade de procurador da causa de beatificação do padre Rojas (1665). Na cidade santa, passou praticamente o restante de seus dias até a sua morte no cárcere da Inquisição.

A direção espiritual a pessoas particulares, a grupos de leigos e religiosos é a atividade fundamental deste sacerdote em Roma, atividade que realizou de viva voz, no contato direto de alma a alma, através de cartas, e posteriormente através dos livros. Fruto desta atividade são suas inumeráveis cartas — no processo contra ele foram examinadas mais de 20.000 — e suas obras escritas. Em 1675 publicou em Roma o Guia espiritual que livra a alma e a conduz pelo caminho interior para alcançar a perfeita contemplação e o rico tesouro da paz interior. Nesse mesmo ano publicou o Breve tratado da comunhão cotidiana. E no ano seguinte (1676), Cartas a um cavaleiro espanhol para animá-lo a fazer oração mental, oferecendo-lhe modos para exercitá-la. E enorme a popularidade e a influência que desde esse momento adquiriu Molinos. De 1676 a 1782 surgiram as polêmicas em torno do quietismo. Em 1678 apareceu a primeira refutação do Guia por Bell’Huomo e, em 1680, a Concórdia de Segneri contra Molinos. Instâncias maiores como a do cardeal César de Estrées denunciaram o Guia diante da Inquisição. Em 1585, quando se encontrava no auge da popularidade e da influência, e sendo papa o seu amigo Inocêncio XI, Molinos foi preso. Acusaram-no de difundir o quietismo em círculos secretos, de defender a licitude dos atos carnais — “o espiritual não peca” — e de induzir a desprezar os crucifixos e os demais símbolos religiosos. Molinos reconheceu a segunda acusação, confessando atos sexuais próprios e alheios. Nesse mesmo ano começou o processo contra Molinos, em que foi acusado de heresia. Pronunciaram-se mais de 70 testemunhas e foram encarceradas na Itália (1686) mais de 200 pessoas acusadas de quietismo. Em 1687, encerrou-se o processo, sendo Molinos condenado à prisão perpétua. Veio em seguida a abjuração solene de Molinos, que se viu condenado a não se confessar mais do que quatro vezes por ano, a rezar diariamente o Credo e uma parte do rosário, e a usar continuamente um hábito de penitente. Em 1688, Inocêncio XI condenou o molinismo na bula Coelestis Pastor, coletando as 68 proposições que resumiram a acusação contra Molinos. Depois de nove anos de cárcere, Molinos morreu, prisioneiro da Inquisição. O sumário de seu processo está na Biblioteca Vallicelliana, e suas cartas nos arquivos da Congregação para a Doutrina da .

— Pode-se resumir a doutrina de Molinos? Num esquema muito breve, podemos fazê-lo nos seguintes pontos: a) A perfeição consiste na completa aniquilação de si mesmo, b) A isto se chega pela contemplação passiva, na qual a alma pode perseverar por tempo indefinido, estando totalmente passiva e renunciando a toda atividade própria e natural, c) Neste estado consegue-se uma indiferença total e não há que se preocupar com atos exteriores de ascética, d) Como consequência, a parte superior, unida a Deus na contemplação, não é responsável por tudo o que ocorre na parte inferior, e) O espiritual não peca; os pecados da carne são permitidos passivamente para aprofundar mais na quietude de Deus.

— “São João da Cruz e Molinos parecem ter tomado por modelo de sua experiência mística as experiências terrenas do amor e da fome… Para São João da Cruz, o tempo da vida terrena tem a forma de tormento de amor, de sofrimento da separação e de sofrimento do não poder amar cada vez mais, até atingir a medida infinita do amor. Para Molinos, o tormento de estar separado de Deus apresenta-se como fidelidade total ao objeto eterno e desprezo absoluto pela existência terrena” (S. González-Noriega).

BIBLIOGRAFIA: M. Marcelino Menendez y Pelayo, Historia de los heterodoxos españoles, II (BAC); H. Hatzfeld, Estudios literarios sobre mística española. Gredos, Madrid 1968; J.-R. Armogathe, Le quietisme. Paris 1973; Guia espiritual. Ed. de S. Sanchez Noriega, EN, 1977. {Santidrián)