a) Etimologicamente é a transmissão.
b) Na vida social diz-se de qualquer parte da história ou de um conjunto de costumes sociais, que são transmitidos oralmente ou por aprendizagem direta dos indivíduos.
c) Em sentido mais lato, todos os costumes, que se transmitem oralmente ou por escrito, às gerações. [MFSDIC]
(gr. paradosis; in. Tradition; fr. Tradition; al. Überlieferung; it. Tradizioné).
Herança cultural, transmissão de crenças ou técnicas de uma geração para outra. No domínio da filosofia, o recurso à tradição implica o reconhecimento da verdade da tradição, que, desse ponto de vista, se torna garantia de verdade e, às vezes, a única garantia possível. Foi entendida nesse sentido pelo próprio Aristóteles, que, em suas investigações, recorre frequentemente à tradição, considerando-a garantia de verdade: “Nossos antepassados, das mais remotas idades, transmitiram à posteridade tradições em forma mítica, segundo as quais os corpos celestes são divindades e o divino abrange a natureza inteira. Outras tradição foram acrescentadas em forma de mito, para persuadir a maioria e como objetivo de reforçar as leis e promover a utilidade pública; elas dizem que os deuses têm forma de homens ou de outros animais, dando sobre eles outros pormenores semelhantes. Mas, se considerarmos apenas o essencial em separado do resto, ou seja, que as primeiras substâncias são tradicionalmente consideradas divindades, poderemos reconhecer que isso foi divinamente dito e que estes e outros mitos, ainda que explorados, aperfeiçoados e novamente perdidos pelas artes e pela filosofia, foram conservados até hoje como antigas relíquias. É só desse modo que podemos tornar claras as opiniões dos nossos antepassados e predecessores” (Met., XII, 8, 1074 b). Para Aristóteles, sua própria filosofia consiste em libertar a tradição de seus elementos míticos, portanto em descobrir a tradição autêntica ao mesmo tempo em que se funda na garantia oferecida por essa mesma tradição Esse foi o ponto de vista que predominou no último período da filosofia grega, especialmente na corrente neoplatônica. Plotino dizia: “É preciso crer sem dúvida que a verdade foi descoberta por antigos e santos filósofos; a nós convém examinar quem as encontrou e como poderemos chegar a compreendê-la” (Enn., III, 7, 1). Foi graças a essa ideia que, com base numa suposta tradição, se tornou possível fabricar documentos fictícios quando os autênticos faltavam; e as obras de falsas atribuições — as mais famosas foram as de Hermes Trismegisto — obedecem à exigência de remeter ao passado a doutrina em que se acredita e de atribuir-lhe, embora fraudulentamente, o prestígio e a garantia da tradição.
Desde então, o conceito de tradição não mudou, conservando a aparência ou a promessa dessa garantia. O grande retorno da ideia de tradição está no Romantismo. Em Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menschheit (1783-1791), J. G. Herder exaltara a tradição como “cadeia sagrada que liga os homens ao passado, conserva e transmite tudo que foi feito pelos que os precederam”. Hegel exaltou explicitamente ale insistiu no seu caráter providencial: “A tradição não é uma estátua imóvel, mas vive e mana como um rio impetuoso que mais cresce quanto mais se afasta da origem. (…) O que cada geração produziu no campo da ciência e do espírito é uma herança para a qual todo o mundo anterior contribuiu com sua economia, é um santuário em cujas paredes os homens de todas as estirpes, gratos e felizes, afixaram tudo o que os auxiliou na vida, o que eles hauriram das profundezas da natureza e do espírito. E esse herdar é, ao mesmo tempo, receber a herança e fazê-la fortificar” (Geschichte der Philosophie, ed. Glockner, I, p. 29). Nesse sentido, obviamente, a tradição é apenas outro nome para designar o plano providencial da história (v. HISTÓRIA).
Foi esse o ponto de vista dominante em todo o Romantismo, sendo o chamado tradicionalismo apenas uma de suas manifestações.
A antítese dessa valorização da tradição é a concepção segundo a qual: 1) nem todos os resultados, nem os melhores produtos da atividade humana foram infalivelmente conservados e incrementados ao longo do desenvolvimento histórico, 2) o que esse desenvolvimento conservou nem por isso tem garantia de verdade ou de valor. Concepção desse tipo foi assumida pelo Iluminismo (por isso mesmo frequentemente definido como anti-historicista por quem vê a história como ordem providencial ou tradicional). O Iluminismo erigiu-se contra a tradição, afirmando que sua herança, na maioria das vezes, é erro, preconceito ou superstição, e recorrendo ao juízo da razão crítica para contestá-la.
Como se vê, as discussões filosóficas sobre o significado e a importância da tradição na realidade são discussões sobre história. No campo da sociologia, porém, analisar a tradição é o mesmo que analisar determinada atitude, ou melhor, um tipo e espécie de atitude, mais precisamente a que consiste na aquisição inconsciente (não deliberada) de crenças e técnicas. Na atitude tradicionalista, o indivíduo considera como seus os modos de ser e de comportar-se que recebeu ou continua recebendo do ambiente social, sem perceber que são modos de ser do grupo social. Na tradição, não há distinção entre presente e passado, entre “mim” e os outros, sendo por isso uma forma de comunicação primitiva e imprópria (ABBAGNANO, Problemi di sociologia, 1959, XI, 3). Segundo esse ponto de vista, a atitude tradicionalista opõe-se à atitude crítica, graças à qual o indivíduo tem certa liberdade de juízo (que no entanto nunca é absoluta ou infalível) em relação às crenças e técnicas que hauriu da tradição. A atitude crítica tem condições antitéticas em relação às da tradição: alteridade entre presente e passado e entre os indivíduos. [Abbagnano]