tirania

(gr. tyrannis; lat. Tyrannis; in. Tyranny fr. Tyrannie; al. Tyrannei; it. Tirannide).

Forma de governo em que o arbítrio de uma ou várias pessoas representa a lei. O conceito de tirania foi elaborado pelos gregos, juntamente com o de constituição livre. A definição de tirano já se encontra nos versos de Eurípides.- “Não há pior inimigo que um tirano numa cidade, sob o qual desaparecem todas as leis comuns, e só uma pessoa comanda, tendo a lei em suas mãos” (Suppl, II, 429-32). Segundo Platão, a tirania é consequência da excessiva liberdade em que às vezes incidem as democracias. “Ao fugir da fumaça — como se diz — da servidão sob um governo de homens livres, o povo acaba caindo, com a tirania, no fogo da servidão sob o despotismo de servos e, em troca daquela liberdade excessiva e inoportuna, é obrigado a vestir a túnica do escravo e a sujeitar-se à mais triste e amarga das servidões, a de ser servo dos servos” (República, VIII, 569 b-c). Aristóteles diz que a tirania acumula os males da democracia e os da oligarquia. Da oligarquia extrai a finalidade, que é a riqueza (única condição para se manter o poder e o luxo), bem como a falta de confiança no povo, que é privado de armas, e a agressão à população, que é afastada das cidades e espalhada pelo campo. Da democracia toma a luta contra os notáveis, sua destruição pública ou oculta, o seu exílio (Pol, V 1, 1311 a 8 ss.). Na Idade Média, ao mesmo tempo em que Tomás de Aquino acha que “quando a monarquia se transforma em tirania o mal é menor do que quando um governo de maioria se corrompe” (De regimine principum, I, 5) e condena o tiranicídio, recomendando paciência aos súditos para suportar a tirania ou confiando num poder superior para eliminá-la (Ibid., I, 6), João de Salisbury defende explicitamente o tiranicídio por considerar que o tirano é um rebelde contra a lei à qual os reis, tanto quanto todos os cidadãos, estão vinculados (Policraticus, IV, 7). Essas ideias depois foram frequentemente repetidas pelos adversários irredutíveis da monarquia e pelos jusnaturalistas do séc. XVI e XVII. Bodin dizia: “A maior diferença entre o rei e o tirano é que o rei se conforma às leis da natureza e o tirano as esmaga; um cultiva a piedade, a justiça e a ; o outro não tem Deus, ou lei” (De la republique, 1576, II, 4, 246). Locke afirmava: “Onde acaba a lei começa a tirania, quando a lei é transgredida em prejuízo de outros; e todo aquele que, no exercício da autoridade, exceder o poder que lhe foi conferido pela lei e usar a força para realizar em relação aos súditos o que a lei não lhe permite, está deixando de ser magistrado e, por estar deliberando sem autoridade, pode sofrer oposição tanto quanto sofre oposição qualquer outro que viole pela força os direitos alheios” (Two Treatises of Govemement, II, § 202). Hobbes, ao contrário, afirmara que “quem se opõe a uma monarquia dá-lhe o nome de tirania” (Leviath., II, 19, 2).

O conceito de tirania acompanhou a formação do liberalismo político porque serviu de pedra de toque ou de símbolo para tudo o que o liberalismo condenava. Como tal, também constitui um dos temas da retórica revolucionária e liberal a partir do séc. XVI. Hoje esse termo é bem menos usado, não porque os regimes tirânicos tenham desaparecido ou porque não haja mais o perigo de que estes se instaurem mesmo onde vigore certo grau de liberdade, mas apenas porque ele parece pertencer a uma espécie de retórica fora de moda. Absolutismo ou totalitarismo são os termos que substituíram tirania, mas o conceito não mudou, e estas mesmas palavras significam ainda: regime no qual o arbítrio individual ocupa o lugar da lei; escravidão imposta por escravos; governo que não pode ser mudado nem corrigir a não ser pela violência. [Abbagnano]