Tertuliano (160-225)
Quinto Septimio Florencio Tertuliano nasceu em Cartago, de pais pagãos. Teve uma educação esmerada e, provavelmente, exerceu a profissão de advogado em Roma. Sua conversão ao cristianismo deu-se entre 193-197, recebendo a seguir a ordenação sacerdotal. A partir daí desenvolveu uma intensa atividade polêmica em favor de sua nova fé. No meio de sua vida, passou à seita dos montanhistas e começou a polemizar contra a Igreja Católica com uma violência não menor à utilizada anteriormente contra os hereges. Seu caráter polêmico levou-o a fundar sua própria seita, os “tertulianistas”. Morreu muito velho, sem que se possa determinar uma data.
A atividade literária de Tertuliano é muito ampla e de caráter exclusivamente polêmico. Costumam-se distinguir três grupos de obras:
a) apologéticas, em defesa do cristianismo;
b) dogmáticas, em refutação das heresias; c) prá-tico-ascéticas, sobre questões de moral prática e de disciplina eclesiástica. Ao primeiro grupo pertence seu livro mais conhecido, Apologéticas, dirigido no ano de 197 aos governadores das províncias do Império. É importante também neste grupo seu De testimonio animae, destinado a fundamentar a fé no testemunho da alma “naturaliter Christiana”. Entre as obras dogmáticas está De praescriptione haereticorum, filosoficamente um dos mais significativos. Adversus Marcio-nem, Adversus Hermogenem e Adversus Valentinianos dirigiram-se contra os gnósticos. Dentro deste mesmo caráter dogmático, encontramos De baptismo, que declara inválido o batismo dos hereges; De carne Christi, afirmando a realidade do Corpo de Cristo, e De resurrectione, em defesa da ressurreição da carne. Seu tratado De anima é o primeiro escrito de psicologia cristã.
Entre os tratados prático-ascéticos estão: De patientia; De oratione; De paenitentia; De pudicitia; De exhortatione castitatis; De monogamia; De spectaculis; De idololatria; De corona; De cultu feminarum etc. Como se pode ver, uma série de obras destinadas a dirigir e a educar os cristãos do Império em temas de caráter prático.
O traço característico de Tertuliano é a inquietude. “Pobre de mim que ardo sempre na febre da impaciência.” Não era para ele o trabalho paciente e rigoroso da pesquisa diante da fé. Tinha, no entanto, uma habilidade polêmica excepcional e uma fluente oratória pouco comum. Toma as posições mais simples e extremistas, indiferente diante de toda crítica e de toda exigência de método.
Sua doutrina ou sua atitude doutrinal pode resumir-se nestes pontos:
— O ponto de partida de Tertuliano é a condenação da filosofia. Da filosofia nascem somente as heresias. “Não há nada comum entre o filósofo e Cristo, entre o discípulo da Grécia e o dos céus” (Apol., 46).
— A verdade do cristianismo tem seu único fundamento na tradição. Somente a Igreja tem o direito de interpretar as Sagradas Escrituras.
— Junto à tradição, o testemunho da alma, como testemunho da linguagem ou do sentido comum, testemunha a favor da fé. Mas a alma não é para ele o princípio da interioridade, o canto íntimo onde ressoa do alto a voz da verdade divina. E a voz do sentido comum, a crença que manifesta o homem da rua na linguagem ordinária.
Toma dos estoicos a corporeidade dos seres. Não há nada incorpóreo; apenas o que não existe. A alma é também corpo. Não há mais diferença senão a que existe entre um corpo e outro. Deus é um corpo sui generis; também se transmite a alma de pai para filho junto com o corpo, através da geração (traducianismo).
— Afirma a imortalidade da alma e a ressurreição da carne. O testemunho do sentido comum é a prova da imortalidade da alma. E a Ressurreição de Cristo é a garantia da ressurreição do homem.
Sua atitude mental — “credo quia absurdum”, expressão que não se encontra em seus escritos — deve ser entendida como “que a fé é mais certa quanto mais repugna aos valores naturais do homem: é acreditável que o Filho de Deus morresse, ressuscitasse, porque é inconcebível.
Por tudo o mais e por seus erros, Tertuliano continua sendo o principal apologeta, que escreveu num latim perfeito, que constrói frases lapidares, que forja uma terminologia que servirá para construir a teologia posterior. Seu rigorismo e sua heresia não o impediram de ser reconhecido como um dos grandes defensores do cristianismo.
BIBLIOGRAFIA: Obras: PL 1 e 2; Pellicer de Ossau Sales e Tobar, Obras de Quinto Septimio Florente Tertuliano. Barcelona 1639; G. Prado, El Apologético de Tertuliano (Coleção Excelsa, 7). Madrid 1943; Padres apologetas griegos. Edição bilíngue (BAC); J. Quasten, Patrologia, I, 530s. [Santidrián]