Em sentido lato, a teoria do conhecimento (1), epistemologia ou gnoseolo-gia compreende tanto as investigações psicológicas sobre a produção e essência do conhecimento humano quanto as investigações crítico-cognitivas acerca da validade do mesmo; podemos até atribuir-lhe a metafísica do conhecimento, que estuda o conhecer humano no contexto global do ente. Como tal, é, de modo geral, a investigação filosófica da validade objetiva de nosso conhecimento. Em contraposição à lógica, não considera apenas as condições de validade fundamentadas nas relações mútuas dos conteúdos do pensamento, mas põe a questão última e decisiva acerca da validade “objetiva” de ditos conteúdos, isto é, de sua validade relativamente ao objeto; ou, no caso de só o pensamento válido se denominar “conhecimento”, a questão da possibilidade do conhecimento em geral. Dado que o desejo de saber do homem, cuja inteligência não tenha sido deformada, naturalmente se dirige ao ente, como objeto principal do conhecimento, e como, por outro lado, a validade do conhecimento do ente constitui a verdade, e o saber que versa sobre a verdade constitui a certeza, o problema pode antecipadamente ser posto, de modo mais determinado, como problema da verdade e da certeza de nosso conhecimento. Sendo assim, a teoria do conhecimento é a investigação filosófica da aptidão de nossa razão para a verdade e, ao mesmo tempo, dos limites do conhecimento: podemos nós, em geral, estar certos da verdade de nosso pensamento ? e até que ponto se estende essa possibilidade ?
Na evolução histórica da filosofia, tais problemas não foram postos desde o princípio, mas a inquirição filosófica, ingenuamente confiante na força da razão, voltou as atenções para o próprio ente, e, só quando a confusa oposição de opiniões tornou patente a dificuldade da empresa, surgiu no sujeito cognoscente a reflexão sobre as condições da verdade e da certeza. Não faltaram na Antiguidade e na Idade Média investigações isoladas desta natureza; baste recordar a doutrina aristotélica da abstração, a refutação que S. Agostinho, apelando para a autoconsciência, faz do ceticismo, e a controvérsia medieval sobre os universais. Mas só na Idade Moderna, nomeadamente desde Descartes, se vem tratando, de modo coerente, da totalidade dos problemas relativos a este assunto. Nos séculos XVII e XVIII, estas investigações são dominadas pela oposição entre racionalismo e empirismo. O criticismo de Kant procura conciliar numa unidade interna tais opiniões antitéticas, mas abandonando parcialmente a concepção realista fundamental. Desde então a tarefa da teoria do conhecimento tem sido determinada, acima de tudo, pelo contraste entre realismo e idealismo.
O método empregado na investigação epistemológica significa já frequentemente uma decisão prévia em favor de determinada direção. Se, p. ex., se escolhe o método puramente psicológico, isso significa, as mais das vezes, que a validade do conhecimento se faz depender, em última instância, da normal decorrência dos processos cognoscitivos; quer dizer, somos caídos no psicologismo e, consequentemente, no relativismo. Pelo contrário, um método puramente lógico (ou “transcendental”) que se propõe chegar a uma solução, mediante a simples separação do necessário e do acidental nos conteúdos conscienciais, coincide intimamente com uma concepção idealista do conhecimento. Se a verdade pode ser captada no sentido realista em geral, então compete à teoria do conhecimento empenhar-se em encontrar um caso em que a concordância de pensar e ser seja vivida de modo imediato, em que, por conseguinte, o próprio ente se manifeste diretamente. Muito antes de Descartes, já S. Agostinho viu que este caso singular se verificava em nosso conhecimento do próprio ser, pensar e amar ( Consciência). Nesta circunstância repousa a necessidade absoluta do “método introspectivo” para a teoria do conhecimento, ou seja, o método da observação interna.
A teoria do conhecimento é fundamental para todas as ciências e também para as demais partes da filosofia, porque investiga as condições de validade de todas elas. Não disputa à metafísica seu posto de ciência fundamental, uma vez que, ao menos em seus setores principais, outra coisa não é senão a metafísica fundamental levada à esfera da consciência reflexa. A teoria do conhecimento recebe igualmente os nomes de: gnoseologia ( = doutrina do conhecimento), noética (= doutrina do pensamento), epistemologia (= doutrina do saber) e criteriologia (= doutrina dos critérios, isto é, dos sinais característicos da verdade). — De Vries. [Brugger]
A teoria do conhecimento é uma parte da teoria da ciência. Podemos defini-la como teoria material da ciência ou como teoria dos princípios materiais do conhecimento humano. Enquanto a lógica investiga os princípios formais do conhecimento, as formas e leis gerais do pensamento humano, a teoria do conhecimento dirige-se aos pressupostos materiais mais gerais do conhecimento científico. Enquanto a primeira prescinde da referência do pensamento aos objetos e considera o pensamento puramente em si, a segunda tem os olhos fixos justamente na referência objetiva do pensamento, na sua relação com os objetos. Enquanto a lógica pergunta a respeito da correção formal do pensamento, sobre sua concordância consigo mesmo, com suas próprias formas e leis, a teoria do conhecimento pergunta sobre a verdade do pensamento, sobre sua concordância com o objeto. Também podemos, por isso, definir a teoria do conhecimento como a teoria do pensamento verdadeiro, por oposição à lógica, definida como a teoria do pensamento correto. Torna-se claro, assim, o significado fundamental da teoria do conhecimento para todo o campo da filosofia. É com todo o direito que ela será chamada de philosophia fundamentalis, ciência filosófica fundamental.
Costuma-se dividir a teoria do conhecimento em geral e especial. A primeira investiga a relação do pensamento com o objeto em geral. A segunda toma como objeto de uma investigação crítica os axiomas e conceitos fundamentais em que se exprime a referência de nosso pensamento aos objetos. Começaremos, naturalmente, com a apresentação da teoria geral do conhecimento. Antes, detenhamos brevemente nosso olhar sobre a história da teoria do conhecimento.
Como disciplina filosófica independente, não se pode falar de uma teoria do conhecimento nem na Antiguidade nem na Idade Média. Certamente, encontraremos numerosas reflexões epistemológicas na filosofia antiga, especialmente em Platão e em Aristóteles. São, porém, investigações epistemológicas que ainda estão completamente embutidas em contextos psicológicos e metafísicos. É só na Idade Moderna que a teoria do conhecimento aparece como disciplina independente. O filósofo inglês John Locke deve ser considerado seu fundador. Sua principal obra, An Essay concerning Human Understanding, publicada em 1690, trata de modo sistemático as questões referentes à origem, à essência e à certeza do conhecimento humano. No livro Nouveaux essais sur l’entendement humain, publicado postumamente em 1765, Leibniz tentou refutar o ponto de vista epistemológico de Locke. Na Inglaterra, George Berkeley, em sua obra A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge (1710), e David Hume, em sua obra principal, A Treatise on Human Nature (1739/40) e em outra de menor dimensão, o Enquiry concerning Human Understanding (1748), continuaram edificando sobre a base dos resultados obtidos por Locke.
Na filosofia continental, Immanuel Kant aparece como o verdadeiro fundador da teoria do conhecimento. Em sua principal obra epistemológica, a Crítica da razão pura (1781), tentou fornecer uma fundamentação crítica ao conhecimento das ciências naturais. O método que usou foi chamado por ele próprio de “método transcendental”.
Esse método não investiga a gênese psicológica do conhecimento, mas sua validade lógica. Não pergunta, à maneira do método psicológico, como surge o conhecimento, mas sim como é possível o conhecimento, sobre quais fundamentos, sobre quais pressupostos ele repousa. Em virtude desse método, a filosofia de Kant também é chamada abreviadamente de transcendentalismo ou, ainda, de criticismo.
Em Fichte, o sucessor imediato de Kant, a teoria do conhecimento aparece pela primeira vez intitulada “teoria da ciência”. Mas já apresenta aquele amálgama de teoria do conhecimento e metafísica que ganhará livre curso em Schelling e Hegel e que também estará inconfundivelmente presente em Schopenhauer e em Hartmann. Em contraposição a esses tratamentos metafísicos da teoria do conhecimento, o neokantismo, surgido na década de 1860, esforça-se por separar nitidamente o questionamento metafísico do epistemológico. No entanto, o problema epistemológico foi tão vigorosamente empurrado para o primeiro plano que a filosofia corria o perigo de reduzir-se à teoria do conhecimento. O neokantismo desenvolveu a teoria kantiana do conhecimento numa direção muito bem determinada. A unilateralidade de questionamento que isso provocou fez logo surgirem numerosas correntes epistemológicas contrárias. Vem daí estarmos hoje ante uma enorme quantidade de direcionamentos epistemológicos, de que os mais importantes serão apresentados a seguir em conexão sistemática. [HESSEN]