(in. Soteriology; fr. Soteriologie; al. Soteriologie; it. Soteriologià).
Doutrina religiosa da salvação. Sobre o aparecimento de tendências soteriológicas no ocidente, v. a obra de F. Cumont, Les religions orientales dans le paganisme romain, 1906, 2- ed., 1909. [Abbagnano]
Podemos agora indagar, em termos puramente filosóficos e especulativos: existiriam outras eternidades além daquela que nos foi oferecida pela tradição ocidental cristã? Cada deus ou cada perspectiva mundial constitui uma cena de desempenhos, atualizações e cumprimentos, um teatro de fruições e bem-aventuranças que se abre como uma forma da eternidade. Na medida em que nos atualizamos na direção do sugerido por um campo fascinante-divino, nos imortalizamos nos valores e realizações dessa diacosmese. O realizável, o atualizável, como participação na eternidade, é em cada caso diverso; a ordem de possibilidades eternas é função da experiência idiomática do divino. Se na vertente da tradição ocidental-cristã e em sua abertura singular só as virtudes espirituais e o cogito imaterial, como variedade de um transcender, nos implantam, nos instalam num além eterno e na vida eterna de Deus, mutatis mutandis, outras perspectivas mundiais-divinas poderiam transportar-nos para outros espaços soteriológicos, para outras dimensões do salvável e salvado no homem. Os deuses, portanto, abrem campo a efetuações existenciais eternizantes, que pertencem ao seu âmbito interno de possibilidades atualizáveis. “Os deuses”, afirma Walter Otto, “manifestam-se não só nos fenômenos naturais e nos acontecimentos históricos, mas também enquanto promovem a interioridade humana e determinam sua atitude e ação”. Os deuses são a própria orientação do nosso transcender. Desde o momento, portanto, em que pomos entre parêntesis o nosso tipo inconfundível de transcender noocêntrico, isto é, desde o momento em que des-materializamos o nosso corpo, o nosso ser se desdobra como uma árvore de gestos. O nosso corpo e o nosso ser-fenomênico ainda não-materializado e corporificado pelo ir-além do kyrion [186] espiritual, é um puro campo virtual expressivo, organizável segundo diversas hierarquizações cósmico-divinas. Eis que esse nosso ser interpretável ou pré-mundano pode traduzir, em sua dramática vital, diversas dominações expressivas, ou ainda diversas delegações significativas. O aspecto hegemônico de nossa conduta e as virtudes ou operações prestigiosas são modalidades do transcender, oferecidas em cada caso pelas potências projetivas instauradoras. A orientação do nosso coração e da nossa mente já representam o alto-relevo tangível da consignação de desempenhos próprios do campo fascinante. Ora, outros desempenhos culminantes “mais divinos e preciosos” que as operações noomórficas podem representar o nosso coração e a nossa mente, abrindo-nos domínios imortais e imortalizantes. As cenas eternas do mundo, que constituem o universo prototípico dos deuses, surgem, convocando-nos e convidando-nos para as diversas moradas indestrutíveis. Em cada caso, a relação entre o efêmero, o mortal, o acidental e o substancial e eterno no homem alternam-se decisivamente, de acordo com a orientação da transcendência. Entretanto, são os vórtices de Eternidade que se abrem como teatros da transcendência. O essencial em nós, o kyrion de um grupo de desempenhos é que se patenteia como forma eterna de vida no céu de uma epifania divina. Internamo-nos numa floresta universal de gestos e advertimos a nossa radicação no imemorial e indestrutível de um Weltaspekt; estamos junto a Deus, vivemos a vida eterna. O que efetuamos na linha de uma dada perfectio, inspirados por um deus, pertence de direito à bem-aventurança eterna suscitada pela sua proximidade. O nosso coração revela-se, então, em sua totalidade, como uma chispa do coração selvagem do divino e nele estamos e permanecemos para sempre.
Evidentemente que uma compreensão exaustiva das ideias que estamos desenvolvendo supõe uma superação das representações monopolizadoras do homem como alma e corpo ou como espírito e matéria. Devemos aprender a desmaterializar o nosso próprio corpo. Devemos convencer-nos precisamente que as categorias [187] físicas e metafísicas que empolgaram o pensamento ocidental-cristão são em última instância constituídas e “desenhadas”, em seu ser, por um poder projetivo-desvelante e são portanto tributárias de uma gênese transcendental. Isso, quanto ao que diz respeito aos primeiros princípios, às formas informantes dos seres e, em consequência, à própria Razão. Aristóteles, pelo contrário, identificou a noção essencial do divino com o ente inteligível, com o Logos, com a enteléquia dos astros, acrescentando que só assim poderia ser interpretada a tradição mitológica. Lemos com efeito no Livro XII da Metafísica: “Nossos antepassados, desde as mais remotas idades, transmitiram uma tradição em forma mítica, segundo a qual os corpos celestes eram deuses e que o divino abrangia a totalidade da natureza. Se separamos esse ponto das adições posteriores e tomando-o isoladamente, isto é, supondo que afirmavam que as substâncias primeiras eram deuses, devemos reconhecer nisso um enunciado inspirado”. Desde o momento em que as representações inteligíveis dos astros, as formas primeiras dos corpos celestes são equiparadas equivocadamente com o momento “aparente” dos deuses, com o Imaginatio Divina, o princípio hegemônico do homem está selado na atualização única de sua forma inteligível. A eternidade é a eternidade dessa escala entis e da supremacia da essência imaterial do Logos. Acreditamos, pelo contrário, que os deuses são origens, poderes desvelantes primordiais que comandam a irrupção de um teatro de significados, representações e desempenhos. A primazia do Mito sobre Logos implica a precedência da Abertura do Ser sobre a esfera total do inteligível, do cognoscível sobre o conhecer. O Logos nos ata ao já-oferecido, o Mito nos transporta para o domínio desvelante primordial. Unicamente superando a hipostasiação do ente humano, na consuetudinária representação de espírito–matéria, podemos vislumbrar uma nova experiência, um novo sentido da imortalidade para os homens. [VFSTM:186-188]