gr. aisthesis: a escola de «semelhante conhece semelhante», aisthesis 6-12; semelhante conhece dissemelhante, 13-14; teoria platônica, 15-18, psyche 19; aristotélica, aisthesis 19-21; epicurista, 22-23; estoica, 24-25; Plotino, 26-27; natureza relativa de, doxa 2; denegrição de, episteme 1, noesis 1-7; antecedente necessário para o verdadeiro conhecimento em Aristóteles, episteme 3; distinta da intelecção, noesis, passim; papel do corpo em, noesis 8, psyche 17; como movimento, psyche 27, aisthesis 23, holon 10; como uma afecção, psyche 17; terra dotada de, sympatheia 3 [FEPeters]
(gr. aisthesis; lat. sensus, sensia; in. Sensation; fr. Sensation; al. Empfindung; it. Sensazionè).
Este termo tem dois significados fundamentais: 1) um significado generalíssimo, em virtude do qual designa a totalidade do conhecimento sensível, ou seja, todos e cada um de seus elementos; 2) um significado específico, em virtude do qual designa os elementos do conhecimento sensível, ou seja, as partes últimas, indivisíveis, de que supostamente é constituído. Este segundo significado aparece somente na filosofia moderna.
1) Para Aristóteles esse termo significa: a) as qualidades elementares, como branco, preto, doce, etc. (Dean., III, 2 passim); b) a percepção do objeto real, chamada de sensação em ato, que coincide com a realidade do objeto: pelo que uma sensação auditiva em ato é idêntica ao som em ato (Md., III, 2, 425 b 26); c) a faculdade de sentir, em geral, ou senso comum, ao qual atribui a função de perceber tudo o que é sensível e as próprias sensação (ou seja, sentir o sentir) (De somno, 2, 445 a 17; De an., III, 2, 246 b 11; 415 b 12); d) o sentido específico, como a audição, a visão, etc. (De somno, 2, 445 a 14; De an., III, 2, passini); e) o órgão do sentido, chamado mais frequentemente de sensório (De pari. an., II, 10, 657 a 3; IV, 10, 686 a 8; De sensu, 3, 440 a 19). Esta terminologia mantém-se por muito tempo na história do pensamento ocidental, até que, com Descartes, o conceito de sensação começa a ser distinguido nitidamente do de percepção.
2) Descartes especificou mais o significado de sensação, entendendo por sensação o simples advertir “movimentos provenientes das coisas”; distinguiu-a de percepção, que é a referência à coisa externa (Pass. de l’âme, I, 23). A partir desta distinção, que se consolidou cada vez mais depois de Descartes, especialmente graças à escola escocesa, a sensação foi reduzida a unidade elementar do conhecimento sensível, o que Locke chamou de “ideia simples”; era considerada material de conhecimento, ao passo que a função cognitiva propriamente dita, vale dizer, a referência ao objeto, cabia à. percepção. Foi esse o conceito aceito e difundido por Kant, que diz: “A sensação é o elemento puramente subjetivo da nossa representação das coisas que estão fora de nós, mas é propriamente o elemento material dessa representação, o real, aquilo com que é dado algo de existente” (Crít. do Juízo, Intr., § VII; cf. Crítica da Razão Pura, § I; Dialética transcendental, livro I, seç. I: “Uma percepção que se refira unicamente ao sujeito, como modificação de seu estado, é sensação”). O caráter primordial ou elementar da sensação também era acentuado por Hegel, embora de maneira arbitrária e fantasiosa: “A sensação é a forma da agitação obtusa do espírito em sua individualidade destituída de consciência e de intelecto.” Em certo sentido, é verdadeira, segundo Hegel, a asserção de que “tudo está na sensação”, com o sentido de que ela é fonte e origem de tudo; mas fonte e origem significam apenas a primeira e mais imediata maneira como algo aparece, e a sensação não se justifica por si (Enc., § 400).
O conceito de sensação como elemento simples e último do conhecimento foi primeiramente aceito e ilustrado por filósofos, sendo depois utilizado como fundamento da psicologia nascente pelos primeiros estudiosos que cultivaram esta ciência. Condillac foi o primeiro a dar-se conta do alcance desse conceito. Se a sensação é o elemento último do conhecimento, deve ser possível reconstituir, a partir dela, todo o mundo do conhecimento ou da atividade espiritual humana. Foi essa a demonstração que ele tentou dar no Tratado das sensação (1754), em que adotou como fundamento o princípio de que “o juízo, as reflexões, as paixões e, numa palavra, todas as operações da alma não passam da própria sensação que se transforma de várias maneiras” (Traité des sensations, Compêndio da primeira parte). Mesmo polemizando contra o sensacionismo, Maine de Biran reconhece o caráter simples e elementar da sensação (OEuvres, ed. Navine, II, p. 115); esse mesmo caráter da sensação é reconhecido por Herbart (Allgemeine Metaphysik, 1828, II, p. 90).
O conceito de caráter elementar da sensação foi tomado como base da psicologia por H. Spencer, que afirmava: “as sensação são estados de consciência primariamente indecomponíveis” (Principles of Psychology, 1855, § 211). Esse princípio era consagrado por G. Fechner em Elemente der Psychophysik (1860) e por Wundt, que definia as sensação explicitamente como “os estados de consciência que não podem ser divididos em partes mais simples” (Grundzuge der physiologischen Psychologie, 1893, 4a ed., p. 281). Tornou-se lugar-comum em psicologia, que em sua primeira fase foi atomista e associacionista (v. psicologia).
Por outro lado, o modo como os filósofos interpretaram a sensação quase sempre pressupôs um caráter elementar ou atômico. Helmholtz eliminou dela o caráter representativo, considerando-a simples sinal das coisas, mas reconheceu seu caráter elementar (Vorträge und Reden, I, 1884, p. 393). Husserl considerava as sensação como componentes elementares das experiências representativas (Logische Untersuchungen, II, p. 714), e Mach valeu-se de seu caráter elementar para considerá-las neutras (nem objetivas, nem subjetivas), portanto como componentes simples de qualquer objeto físico ou psíquico (Analyse der Empfindungen, 1903, 4a ed., pp. 14, 17, etc). As experiências elementares de que R. Carnap falava em Visão lógica do mundosão, mais uma vez, as sensação (Die Logische Aufbau der Welt, 1928, § 67).
Quando o gestaltismo (v. psicologia) eliminou o atomismo e o associacionismo da antiga psicologia, o conceito de sensação tornou-se praticamente inútil. A psicologia fala ainda de sensação para indicar sons, cores, etc, mas como esse material é dado ao homem somente em relação com o objeto externo, ou seja, na percepção, é esta última que passa a interessar à psicologia, tornando-se inútil o conceito de sensação como unidade psicológica elementar. [Abbagnano]
Significa, na linguagem corrente, qualquer vivência imediata, “dar-se conta”. A psicologia atual entende por sensação o elemento último da percepção sensorial, p. ex., azul, doce: sensação em sentido estrito. Esta faz sempre parte de um complexo maior; aqui, de uma percepção, p. ex., de uma casa que estou vendo. — Condições da sensação: A visão de uma casa pressupõe, como fundamentos, estímulos ou excitantes do mundo exterior, a saber, ondulações do éter, que da casa são irregularmente refletidas e produzem uma imagem na retina. A esta excitação segue-se outra, correspondente, no nervo ótico e, por último, no córtex cerebral. A imagem psíquica consciente da casa com sua forma, côr e tamanho está exclusivamente vinculada a esta pequena imagem somática. Estas condições corpóreas denominam-se excitantes, dos quais uns são exteriores ao organismo e de várias espécies: mecânicos, acústicos, óticos, etc, e outros, interiores, que se encontram nos órgãos dos sentidos e nos nervos. Aos diversos sentidos correspondem, no cérebro, diversas regiões: esfera visual, esfera auditiva, etc. A atividade nervosa e o ato consciente paralelo a ela chamam-se atividade psicofísica.
A sensação, psicologicamente considerada, apresenta várias propriedades: qualidade (espécie), intensidade (força), propriedades espaciais (figura, grandeza) e temporais (momento, duração). Quando se trata da sensação em sentido estrito, temos em mente as duas primeiras. Estas propriedades não são reais, mas intencionais (intencional), pois que só convêm à imagem da percepção enquanto tal. Portanto, não é o ato consciente como tal que é verde, ou quadrado, mas sim o objeto conhecido. Temos a sensação “do” verde, “do” extenso desta ou daquela maneira, etc. — Nenhuma particularidade peculiar de um sentido pode desaparecer, sem que se desvaneça a sensação. Não há nenhum som de intensidade zero ou de duração zero. Contudo, nem todas as propriedades apontadas competem a todos os sentidos, p. ex., a extensão compete só à vista e ao tato. Sensibilidade diferencial é a capacidade de perceber diferenças na qualidade, intensidade, etc. Esta capacidade é tanto maior, quanto menores forem as diferenças que todavia possam ser notadas. Nos sons chegam a distinguir-se décimas de vibração, mas nunca milésimas. — Intensidade da sensação: dá-se o nome de limiar do excitante ao excitante mais fraco capaz todavia de produzir uma sensação: para que se ouça um som, é preciso que as vibrações do ar ultrapassem determinada intensidade. A sensibilidade absoluta de um sentido é inversamente proporcional ao limiar do excitante: quanto mais fraco for o excitante audível, tanto mais fino será o som ouvido. Ao limiar diferencial aplica-se a lei de Weber. Segundo ela, esse limiar é, dentro de certos limites, proporcional à força do excitante; portanto, o limiar diferencial relativo (ou seja o limiar diferencial dividido pelo excitante) é constante: p. ex., se um excitante de força 10 exige a adição de 1 para que se note o aumento, um excitante de força 30 exigirá a adição de 3. — A sede da sensação é constituída pelo processo somático orgânico, ao qual se vincula a sensação consciente. Encontra-se no cérebro. Interceptando-se a comunicação com este ou destruindo se nele a correspondente esfera, sensorial, desapareceu a sensação, embora permaneça ileso o órgão sensitivo. Isto mesmo corrobora a doutrina hoje admitida de que psicologicamente as percepções sensíveis externas e as representações da fantasia são essencialmente o mesmo processo. — Fröbes. [Brugger]
A multiplicidade de significados de sensação não é devida apenas à ambiguidade dos referido termo, mas ao fato da amplitude do seu significado variar com as diferentes épocas. Há autores que consideram a sensação como um modo inferior do conhecimento, e até negaram que fosse propriamente conhecimento. Assim, por exemplo, Platão afirmava, face aos sofistas, que a sensação – a percepção sensível; – não proporciona verdadeiro conhecimento nem sequer das coisas sensíveis. Com efeito, a sensação, a pode apreender uma cor, mas não pode dizer se a cor apreendida é semelhante ou não à percepção sensível de outra cor. Mas se a sensação não é conhecimento em Platão tem um alcance maior do que o que nós costumamos dar à sensação, pois abarca o que chamamos percepção e, em geral, toda a apreensão que não seja de natureza intelectual.. Esta amplitude do significado de sensação é ainda mais patente em Aristóteles. Aristóteles e quase todos os autores empiristas partem da sensação pelo menos na medida em que mantêm o princípio “nada há no entendimento que antes não tenha estado nos sentidos”. Isto não significa que tais autores sem excepção concebam a inteligência como mero prolongamento da sensação, inclusivamente compreendendo esta num sentido muito amplo.
A este respeito encontram-se no curso da história da filosofia posições muito diversas.
Mesmo que admitamos que há um significado bastante comum de sensação nos autores gregos, há diferenças nos modos como se precisa o conceito. Assim, por exemplo, Diógenes Laércio indica que os estoicos falavam de sensação em três sentidos: como uma corrente que vai da parte principal da alma aos sentidos; como uma apreensão por intermédio dos sentidos ou apreensão sensível; como órgãos dos sentidos. Além disso, chamam sensação à atividade destes órgãos. Mas o fundamental na noção estoica de sensação é a apreensão mediante incidência sensível ou contato com as coisas sensíveis, no decurso de cuja a atividade se apreendem semelhanças, diferenças, etc. Em grande medida a noção estoica e a aristotélica caminham a par. Por outro lado, os neoplatônicos e, especialmente, Plotino, entendiam por sensação a percepção de coisas exteriores à alma; as sensações produzem ilusões, mas permitem, com a ajuda da inteligência, o juízo. As sensações, diz Plotino, não são o guia de que falam e exaltam os estoicos, visto que são, em última análise, obscuros pensamentos. Há, no entanto, uma forma da sensação que procede do sujeito sentidor e do sentido de modo que nem tudo é indeterminado e caótico na sensação.
Entre as questões que se têm levantado em relação à sensação figuram a relação entre a sensação e em geral chamadas potências sensíveis ou sensitivas – e outras operações ou faculdades; e o objeto próprio da sensação.
Durante a idade média houve pelo menos duas grandes doutrinas sobre a questão: uma destas doutrinas pode chamar-se platônico-agostiniana e consiste em considerar a sensação como um dos modos como a alma usa o corpo. Isto não quer dizer que as sensações tenham exclusivamente a sua origem na alma; as sensações são apreensões de coisas sensíveis. Mas tais apreensões não seriam possíveis se fossem independentes da alma. Assim, as sensações surgem porque as coisas exteriores sensíveis atuam sobre os órgãos dos sentidos. Mas as sensações não são simplesmente sensíveis; em todo o caso, são sensíveis na medida em que são apreendidas e, portanto, conhecidas. Por estes motivos, na tradição platônico-agostiniana a sensação, embora de origem corporal, ou tornada possível por intermédio de órgãos corporais é também anímica. A sensação é, em última análise, sensação da alma. A outra doutrina pode chamar-se aristotélico- tomista e consiste em incluir na sensação ou potências sensíveis todo o conhecimento proporcionado tanto pelos sentidos externos (como os dos órgãos dos sentidos, mas também os que experimentam prazer, dor, bem–estar, mal–estar, etc), como pelos sentidos internos (como a imaginação, a memória e o sentido do mundo). A sensação não é aqui um dos modos como a alma a usa o corpo, mas é o ponto de partida para o exercício das chamadas potências intelectuais, as quais precedem as operações da abstração. Fala-se de alma sensitiva, mas trata-se então da alma como uma das potências.
A questão do objeto próprio da sensação foi claramente posta por Demócrito ao indicar que as sensações são por convenção. Isto quer dizer, em seu entender, que nos próprios objetos não há qualidades sensíveis – só existem as chamadas qualidades primárias -, de modo que são os sentidos que formam as sensações. Outros autores, em contrapartida, admitiram que os sentidos apreendem diretamente as qualidades sensíveis.
Grande parte dos problemas relativos à sensação tal como foram tratados pelos filósofos modernos partem destas questões. Os modos como vários autores definiram a sensação correspondem a uma noção de sensação como atenuação das potências intelectuais. Tal sucede com as concepções de Descartes – a sensação é “um modo confuso de pensar” – e de Leibniz – a sensação é “uma representação confusa”. Em geral, foi típico dos racionalistas outorgar um lugar subordinado à sensação na estrutura do conhecimento. Os empiristas, em compensação, destacaram a importância do sensível. Adverte-se nas correntes empiristas uma definida tendência para o que se chamou sensacionalismo e também sensualismo. Kant acolheu uma parte desta tendência ao assinalar que, no sentido, o real é o que corresponde às condições da sensação. Tem sido corrente distinguir entre sensação e percepção, considerando esta como um reflexo de sensações ou como a coincidência da sensação. No entanto, esta distinção oferece muitas dificuldades, pois a sensação pode ser concebida também como uma percepção de qualidades sensíveis. [Ferrater]