O problema da alma é colocado pelo problema mesmo da vida e os mais primitivos espíritos, ao que parece, disto tiveram consciência. Eis seres que, em meio a outros, distinguem-se por sua organização notavelmente unificada, bem como por seu comportamento inteiramente original: não se deve atribuir estas singularidades à existência neles de um princípio invisível, a alma, que aparece no momento da geração do indivíduo e cujo desaparecimento coincide com o instante de sua morte? Bastante ligada às questões religiosas e morais, esta crença na alma tomou formas extremamente variadas; o sábio Erwin Rohde historiou, para a Grécia, as diversas formas desta crença (cf. sua obra clássica: Psyché). É-nos necessário passar além, contentando-nos em reconhecer, no ponto de partida, que a alma se nos apresenta como princípio de vida.
Precisemos logo que de maneira comum se entende por alma o princípio primeiro e mais profundo da vida. Na procura dos princípios desta ordem, com efeito, poderíamos parar em termos mais imediatos, como os órgãos, ou em faculdades particulares, como a inteligência. Com a alma atinge-se o termo além do qual não se precisa ir na explicação do dinamismo dos viventes: “na procura da natureza da alma, convém pressupor que é o primeiro princípio da vida nas coisas que vivem entre nós (S. Th. Ia Pa, q. 75, a. 1) . Acrescentemos, para evitar todo equívoco, que a alma, da qual trataremos neste capítulo, é a alma comum a todos os viventes, vegetais, animais, bem como homens. Os problemas considerados serão os que concernem à alma em geral. Os da alma humana, como forma imaterial e princípio da vida superior, serão abordados só mais tarde.
Já sabemos que, sobre o problema que abordamos, Aristóteles havia sido levado, por suas reflexões pessoais, a evoluir de uma posição espiritualista, vizinha à de Platão, à posição mais animista que se tornaria característica de sua concepção do vivente. Seria extremamente interessante seguir de perto esta evolução tão reveladora do trabalho profundo de seu espírito. Ainda aqui precisamos nos contentar em nos referir aos estudos dos especialistas (cf. a obra citada de Nuyens). A presente exposição tomará a doutrina, pois, no estado de imaturidade que havia adquirido no momento em que foi consignada no De Anima.
A definição da alma é a peça essencial desta obra. Aristóteles começa, como havia feito no livro A da Metafísica na busca das causas, por expor e criticar as teorias antecedentes (I, c. 2-5) ; depois dá a sua própria solução (II, c. 1-2). Na parte histórica de sua exposição, o Estagirita, com seus predecessores, considera a alma sucessivamente como princípio de movimento e como princípio de sensação. Na discussão, a maior parte dos argumentos dirige-se contra as concepções materialistas da vida psíquica; mas o dualismo espiritualista de Platão é igualmente atacado.
Tomás de Aquino, em seu comentário ao De Anima, segue de perto o texto precedente. Mas tratou também a questão de maneira pessoal (cf. sobretudo: Cont. Gent. II, c. 56 s; 1ª Pª, q. 75 e 76; Quaest Disp. de An., a.1). Quanto ao fundamento, à parte o problema da imortalidade, sua doutrina reproduz fielmente a de seu mestre. Mas, convém não esquecer que, quando faz teologia, Tomás de Aquino situa-se em outra perspectiva: aparece então a alma espiritual criada por Deus e a questão principal é saber como ela pode se unir ao corpo. Além disso, a argumentação vê-se complicada, em Tomás de Aquino, pela discussão das opiniões dos comentadores antigos e árabes, Alexandre de Afrodíseas e Averróis notadamente.
Presentemente reter-se-á sobretudo que Aristóteles e seu discípulo tiveram principalmente que lidar, nesta questão, com dois conjuntos de doutrinas que igualmente rejeitaram, o mecanismo materialista e o dualismo absoluto, e que a partir daí foram levados a apresentar sua solução pessoal do animismo: é o que vamos relatar sucintamente. [Gardeil]