potências da alma

Pode-se, antes de tudo, distinguir na alma diversas potências? É preciso evidentemente responder pela afirmativa. A multiplicidade e a diversidade das operações encontradas nos viventes, sobretudo nos mais elevados, não se explicariam sem isso.

Mas como se distinguem estas potências? Tomás de Aquino (cf. De Anima II, l. 6; Ia Pa, q. 77, a. 3; Quest. Disp. De Anima, a. 13) fundando-se sobre os princípios gerais de sua metafísica, sustenta que é pelos seus atos e pelos seus objetos:

“Potentiae animae distinguuntur per actus et objecta”.

De si, com efeito, uma potência ordena-se a um ato; de onde se evidencia que as potências diversificam-se segundo os atos com os quais se relacionam. Mas, por sua parte, os atos são especificados pelos seus objetos, o que se verifica ao mesmo tempo para as potências passivas e para as potências ativas, sendo as primeiras movidas por seu objeto, enquanto as segundas tendem para o seu objeto como para um fim. Assim, pois, em qualquer hipótese, dever-se-á reconhecer que, por meio de seus atos, as potências são especificadas pelos seus objetos. Precisemos que as diferenças de objetos, que aqui devem ser relevadas, são aquelas para as quais as potências são orientadas segundo sua natureza própria. Os sentidos, por exemplo, serão diversificados pelas qualidades do objeto sensível considerado como tal, cor, sonoridade etc., e não pelo que lhe advém acidentalmente, como para o colorido, que é objeto da vista, a qualidade de gramático; com efeito, é acidental, para este objeto branco que percebo, ser um gramático.

Esta doutrina da especificação das potências pelos seus atos e seus objetos terá, em Tomás de Aquino, uma importância de primeiríssima ordem: toda a ordenação da psicologia e, explicando-se pelo mesmo princípio a distinção dos hábitos ou das virtudes, toda a ordenação da moral, dela dependerão. As cuidadosas análises do tratado das virtudes da Secunda Secundae, em particular, não serão mais que uma aplicação contínua desta verdade.

Divisão das potências e divisões da alma.

Esta questão foi tratada um certo número de vezes por Tomás de Aquino (cf. De Anima, I, 1. 14 – II, 1. 3 e 5; Ia Pa, q. 78, a. 1; Quaest. disp. De Anima, a. 13) . Contentar-nos-emos aqui com uma visão de conjunto da bela exposição sintética da Summa que agrupa a divisão das potências, a das almas, e a dos gêneros de vida.

– Há três almas.

Esta primeira divisão refere-se ao mais profundo princípio da atividade psíquica, o qual vê-se diversificado conforme seja sua operação mais ou menos independente do corpo e de suas atividades.

Assim encontramos de maneira sucessiva: a alma racional, cuja operação não requer o exercício de nenhum órgão corporal; a alma sensitiva que só age por meio de órgãos, mas sem que precisem intervir as propriedades dos elementos físicos; a alma vegetativa, enfim, que, além da atividade de órgãos apropriados, supõe a dos elementos. Nos seres de grau mais elevado, a alma superior assume as funções que de si provêm de almas inferiores; assim no homem a única alma racional é ao mesmo tempo princípio de vida intelectiva, de vida sensitiva e de vida vegetativa.

– Há cinco gêneros de potências.

Esta segunda divisão baseia-se na universalidade do conhecimento: quanto mais uma potência é elevada, tanto mais o objeto que considera é universal. Deste ponto de vista somos levados a distinguir três grandes gêneros de objetos: o corpo particular que é unido à alma, o conjunto dos corpos sensíveis, e o ser considerado universalmente; e, paralelamente, seguindo uma ordem de perfeição crescente: as potências vegetativas e, relativamente aos dois outros gêneros de objetos, dois outros gêneros de potências, devendo-se distinguir ainda estes gêneros, segundo se trate de conhecimento ou de apetência, em sentido e inteligência, de um lado, e em apetite e potência motora, de outro. Ao todo, existem para o homem, cinco gêneros de faculdades, denominadas aqui por Tomás de Aquino:

vegetativum, sensitivum, intellectivum, appetitivum, motivum secundum locum,

operando-se ulteriormente subdivisões em espécie.

– Há quatro modos de vida.

Esta última distinção funda-se sobre a hierarquia de perfeição dos viventes, originando-se esta da crescente complexidade dos sistemas correspondentes de faculdades. Encontram-se assim seres que só têm as faculdades vegetativas : as plantas; outros que têm, a mais, a faculdade sensitiva, mas sem ser dotados de motricidade: os animais inferiores; outros ainda que, a mais, têm a faculdade de se mover: os animais superiores que vão por si à busca do que lhes é necessário para viver; outros enfim que possuem, a mais, a inteligência: os homens. Quanto ao apetite, não é característico de nenhum gênero particular de vida visto encontrar-se analogicamente em todo ser. [Gardeil]