obrigação

(lat. Obligatia; in. Obligation; fr. Obligation; al. Verpflichtung; it. Obbligazioné).

1. Caráter coercitivo, conferido a uma relação interpessoal por lei jurídica ou por norma moral. Esse caráter é diferente da necessidade , segundo a qual é impossível que a coisa seja ou aconteça de modo diferente: a obrigação não impede que a relação de fato, por ela regida, se configure de modo diferente, mas implica, neste caso, a intervenção de uma sanção. Algumas vezes o caráter obrigatório da relação expressa-se com a noção de necessidade moral ou ideal, sem que com isto se pretenda reduzi-lo à necessidade propriamente dita. Bergson foi o único que procurou substancialmente reduzir obrigação a necessidade de fato, entendendo por obrigação os costumes sociais e por obrigação em geral “o costume de contrair costumes” (Deux sources, cap. I).

2. Na lógica terminista medieval, o compromisso em vista do qual um interlocutor admite na discussão algo que antes não admitia. Esta é a definição dada por Ockham (Summa log., III, 38), que admite seis espécies de obrigações: instituição, petição, posição, deposição, dubitação e o sit verum.

A instituição (institutio) consiste em atribuir a um vocábulo um significado novo durante a discussão, e não mais (Summa log., III, III, 38). A petição (petitio) consiste em obrigar o interlocutor a este ou aquele ato que diga respeito à sua função, como p. ex. a conceder uma proposição (Ibid., III, III, 39). A deposição (depositio) é a obrigação de sustentar uma proposição como falsa (Ibid., III, III, 42). A dubitação (dubitatio) é a obrigação de sustentar alguma coisa como dúbia (Ibid., III, III, 43). Quanto a posição e o sit verum, ver os verbetes respectivos. [Abbagnano]


O núcleo da moralidade é constituído pelos preceitos e proibições a que o homem está ligado pela obrigação. O dever da obrigação tem caráter absoluto, e seu cumprimento é exigido de todos os homens sempre e em toda parte. A constituição biológica e a estrutura espiritual, o ambiente e a tradição, o proveito e o dano, o prazer e o desprazer, não explicam a origem da obrigação; intervêm somente como estimulantes ou obstáculos de seu cumprimento. A fonte da obrigação moral é, antes de mais nada, a ordem do ser. Visto que o homem, como ser espiritual e livre, não está sujeito a nenhuma coação interna, nem também deve receber desde o exterior qualquer constrangimento, só se torna possível guiá-lo, fazendo que, mediante o (imperativo) “Tu deves” da consciência, ponha diante de sua decisão o espelho de seu próprio ser. O ser humano todo, considerado em sua peculiaridade, em sua conexão essencial e em seu desenvolvimento, é quem subministra as leis para a ação. A humana liberdade está atada pela obrigação, não de maneira hipotética (condicionada) mas categórica (incondicionada), aos deveres resultantes destes fundamentos, uma vez que as conexões essenciais permanecem constantes e a existência é alguma coisa com que o homem se encontra, dada de antemão.

No entanto, com isto não fica dito tudo. A conexão histórica entre moralidade e religião encontra seu fundamento na ordenação hierárquica e recíproca de ambos os domínios. Para uma reflexão, que tome como ponto de partida a religião e situe a vida inteira do homem à luz de Deus, a obrigação adquire também sua justificação última só em Deus. Encarados desde este fundamento transcendente, os deveres e exigências resultantes da humana natureza são preceitos e proibições de Deus, que se baseiam em Sua essência e vontade. Por outro lado o ponto de partida “ético” leva a ultrapassar o fenômeno moral e reclama uma fundamentação religiosa.

Esta necessidade aparece primeiramente, tão logo a configuração da vida conduz à questão da ‘’motivação”. Uma moral autônoma sem base transcendente só pode repousar em motivos intramundanos. Querer e praticar o bem, só porque é bom em si, pressupõe condições exteriores e interiores que, as mais das vezes, só interessam a grupos reduzidos. À totalidade dos homens só será possível o cumprimento exterior e interior da lei moral integral durante longo tempo e sobretudo em casos-limite que exigem sacrifícios muito duros e extremos, quando a união com Deus e o conhecimento de uma sanção ultramundana proporcionar novas energias psíquicas. A história da consciência moral e da ética autônoma mostra como, lenta mas seguramente, no decurso das gerações, o relaxamento de costumes e a dissolução das normas morais corre parelhas com a separação da moralidade da religião. Esta é a consequência psicológica e histórica de um isolamento que desliga o homem da conexão com a realidade inteira e põe em destaque, em ordem à motivação, só uma parte do mundo dos valores objetivos. Por conseguinte, logo que se propõe o problema dos motivos da ação moral, a moralidade, em atenção a si mesma, exige, via de regra, a vinculação à religião.

No entanto, a fundamentação transcendente da obrigação converte-se, em segundo lugar, numa exigência absoluta e universal, que não admite excepções, se se tomar em conta a “experiência da contingência”, ínsita no fenômeno moral. A contingência experimentada e conhecida conduz o homem desde o mundo a Deus; é, inclusive, o só caminho para chegar a Deus, afora a revelação. As provas da existência de Deus diferenciam-se apenas pela matéria variável em que se comprova a contingência. A distinção de ser e dever, bem como o desacordo entre ideal e realidade, são formas da contingência que, onde aproveitadas e pensadas até ao fim, conduzem o homem desde a finitude e limitação de sua existência moral ao âmbito religioso. autonomia, imperativo categórico. — Bolkovac. [Brugger]


O termo obrigação é usado frequentemente, em ética, como sinônimo de dever. Noutros casos, usa-se obrigação como uma das caraterísticas fundamentais do dever.

A noção ética de obrigação pode aplicar-se a uma só pessoa, já que nada impede de dizer que uma só pessoa, enquanto entidade moral, tem de cumprir o dever, isto é, está obrigada a cumpri-lo. Mas costuma aplicar-se a uma comunidade de pessoas, e até se afirma por vezes que a noção de obrigação é basicamente interpessoal. Em qualquer dos casos, distingue-se entre a necessidade da obrigação e outros tipos de necessidade; por exemplo, a chamada necessidade natural. Supondo que esta última existe, não pode dizer-se que seja propriamente obrigatória, porque a necessidade natural não pode deixar de se cumprir. Em contrapartida, a obrigação moral pode deixar de se cumprir sem deixar de ser forçosa. A obrigação moral é necessária noutro sentido.

Levantam-se, relativamente à obrigação moral, problemas muito semelhantes aos que se levantam relativamente ao dever, e especialmente dois problemas: o fundamento da obrigação e o do conhecimento e aceitação da obrigação. Relativamente ao fundamento da obrigação, propôs-se o mesmo tipo de doutrinas que relativamente ao fundamento do dever, isto ‘ e, doutrinas segundo as quais a obrigação tem um fundamento puramente subjectivo ou então um fundamento social, ou um fundamento teológico, ou um fundamento axiológico, etc. Quanto ao fundamento e aceitação da obrigação, propuseram-se várias teorias, tais como: conhece-se e aceita-se que algo é obrigatório, porque responde à chamada lei moral ou a certos princípios práticos intuitivamente evidentes, etc. Convém distinguir, em todo o caso, entre o chamado sentido (ou sentimento) da obrigação e o juízo de valor relativamente a se algo é ou não obrigatório. Com efeito, embora possa ter esse sentido por causa de um juízo de valor, pode também, em princípio, haver um juízo de valor que não esteja acompanhado do correspondente sentido ou sentimento da obrigação. [Ferrater]