Aristóteles distinguia três modos de vida (bioi) que os homens podiam escolher livremente, isto é, em inteira independência das necessidades da vida e das relações delas decorrentes. Esta condição prévia de liberdade eliminava qualquer modo de vida dedicado basicamente à sobrevivência do indivíduo — não apenas o labor, que era o modo de vida do escravo, coagido pela necessidade de permanecer vivo e pela tirania do senhor, mas também a vida de trabalho dos artesãos livres e a vida aquisitiva do mercador. Em uma palavra, excluía todos aqueles que, involuntária ou voluntariamente, permanente ou temporariamente, já não podiam dispor em liberdade dos seus movimentos e ações (Nota abaixo). Os três modos de vida restantes têm em comum o fato de se ocuparem do «belo», isto é, de coisas que não eram necessárias nem meramente úteis: a vida voltada para os prazeres do corpo, na qual o belo é consumido tal como é dado; a vida dedicada aos assuntos da polis, na qual a excelência produz belos feitos; e a vida do filósofo, dedicada à investigação e à contemplação das coisas eternas, cuja beleza perene não pode ser causada pela interferência produtiva do homem nem alterada através do consumo humano (oposição entre belo e necessário e útil, Política 1333a30 ff., 1332b32)
A principal diferença entre o emprego aristotélico e o posterior emprego medieval da expressão é que o bios politikos denotava explicitamente somente a esfera dos assuntos humanos, com ênfase na ação, praxis, necessária para estabelecê-la e mantê-la. Nem o labor nem o trabalho eram tidos como suficientemente dignos para constituir um bios, um modo de vida autônomo e autenticamente humano; uma vez que serviam e produziam o que era necessário e útil, não podiam ser livres e independentes das necessidades e privações humanas (oposição entre livre e necessário e útil, Política 1332b2). Se o modo de vida político escapou a este veredicto, isto se deve ao conceito grego de vida na polis que, para eles, denotava uma forma de organização política muito especial e livremente escolhida, bem mais que mera forma de ação necessária para manter os homens unidos e ordeiros. Não que os gregos ou Aristóteles ignorassem o fato de que a vida humana sempre exige alguma forma de organização política, e que o governo dos súditos pode constituir um modo de vida à parte; mas o modo de vida do déspota, pelo fato de ser «meramente» uma necessidade, não podia ser considerado livre e nada tinha a ver com o bios politikos.
(NOTA) William L. Westermann («Between Slavery and Freedom», American Historical Review. Vol. L (1945)) afirma que o «enunciado de Aristóteles… de que os artífices vivem numa condição de escravidão limitada, significa que o artífice, ao fazer um contrato de trabalho, dispunha de dois dos quatro elementos de seu status de homem livre (viz., liberdade de atividade econômica e direito de ir e vir), mas por vontade própria e temporariamente»; fatos citados por Westermann demonstram que a liberdade, na época, era concebida como consistindo em «status, inviolabilidade pessoal, liberdade de atividade econômica e direito de ir e vir» e que, consequentemente, a escravidão «era a ausência destes quatro atributos». Aristóteles, ao enumerar os «modos de vida» na Ética a Nicômaco (i.5) e na Ética a Eudemo (1215a35 ff.), nem chega a mencionar o modo de vida do artífice; para ele, é óbvio que um banausos não é livre (cf. Política 1337b5). Menciona, porém, o modo de vida do «ganhador de dinheiro» para rejeitá-lo, uma vez que também é «adotado sob compulsão» (Ét. a Nic. 1096a5). Na Ética a Eudemo, fica salientado que o critério é a liberdade: ele enumera somente aqueles modos de vida escolhidos ep’ exousian. [ArendtCH]