Na quarta parte do capítulo primeiro de O capital, que se intitula “O caráter fetichista da mercadoria e o seu segredo”, Marx ocupa-se explicitamente dessa transformação dos produtos do trabalho humano em “aparências de coisas”, em uma “fantasmagoria… que recai e ao mesmo tempo não recai sob os sentidos”:
Uma mercadoria – afirma ele – à primeira vista parece algo trivial e perfeitamente compreensível… Como valor de uso, nela nada há de misterioso, seja que satisfaça as necessidades humanas com as suas propriedades naturais, seja que tais propriedades tenham sido produzidas pelo trabalho humano. É evidente que a atividade do homem transforma as matérias-primas fornecidas pela natureza de modo a torná-las úteis. A forma da madeira, por exemplo, muda quando se faz dela uma mesa. Contudo, a mesa continua sendo madeira, ou seja, um objeto comum que recai sob os sentidos. Mas ao se apresentar como mercadoria, a questão é totalmente diferente. Ao mesmo tempo apreensível e inapreensível, já não lhe basta pousar os pés em terra; ela se endireita, por assim dizer, sobre sua cabeça de madeira diante das outras mercadorias e se abandona aos caprichos mais estranhos como se se pusesse a dançar.
Esse “caráter místico”, que o produto do trabalho adquire logo depois que assume a forma de mercadoria, depende, segundo Marx, de um desdobramento essencial na relação com o objeto, pelo qual ele já não representa apenas um valor de uso (ou seja, a sua aptidão para satisfazer uma determinada necessidade humana), mas tal valor de uso é, ao mesmo tempo, o suporte material de algo diferente que é seu valor de troca. Enquanto se apresenta sob essa dupla forma de objeto de uso e de porta-valor, a mercadoria é um bem essencialmente imaterial e abstrato, cujo gozo concreto só é possível através da acumulação e da troca:
Em um contraste evidente – escreve Marx — com a materialidade do corpo da mercadoria, não há nela um só átomo [67] de matéria que penetre no seu valor… Metamorfoseados em sublimados idênticos, mostras de um mesmo trabalho indeterminado, todos os objetos já não manifestam mais do que uma coisa, a saber, de que na sua produção foi consumida uma certa força de trabalho. Como cristais dessa substância social comum, eles são considerados valores. [AgambenE:67-68]
Em 1889, por ocasião da quinta Exposição Universal, a construção da Torre Eiffel, cujo perfil elegante parece hoje inseparável de Paris, suscitou os protestos de um significativo número de artistas, entre os quais se achavam personalidades como Zola, Meissonier, Maupassant e Bonnat. Provavelmente eles haviam intuído o que o fato consumado hoje nos impede de perceber, a saber, que a torre, além de desferir um tiro mortal no caráter labiríntico da velha Paris, estabelecendo um ponto de referência visível em todos os lugares, transformava, em um lance de olhos, a cidade inteira em mercadoria consumível. A mercadoria mais preciosa em mostra na Exposição de 1889 era a própria cidade. [AgambenE:72]