melancolia

(gr. melas kole; in. Melancholia; fr. Mélancolie, al. Melancholie; it. Melancollià).

Propriamente, humor negro (v. temperamento). Em linguagem comum, tristeza sem motivo. [Abbagnano]


A tristeza vaga. — A melancolia, com todas as aspirações que traz em si, designava o sentimento autêntico da existência humana como desejo de infinito (Sehnsucht), entre os filósofos românticos alemães (Schelling, Schlegel). Em psicologia, a melancolia designa um estado mórbido de tristeza e depressão, próprio aos caracteres ciclotímicos; atingiria aproximadamente 1 p. 100 da população, o que torna o caso frequente; atinge o indivíduo entre trinta e quarenta anos, e se acha ligada a uma perturbação da região do centro do encéfalo, cuja origem é frequentemente hereditária. O doente sente-se então indigno, culpado de todas as faltas, e exige um castigo severo. A evolução da doença estende-se de quatro a oito meses; o elevado risco de suicídio requer um tratamento rápido, que pode ir da análise psicológica à intervenção da cirurgia (consistindo esta num seccionamento das fibras nervosas que unem o tálamo à crosta cerebral do lóbulo frontal, ou lobotomia frontal), passando pelo uso de estimulantes químicos. [Larousse]


A melancolia [A investigação mais ampla sobre a melancolia continua sendo a de KLIBANSKY, PANOFSKY e SAXL. Saturn and Melancholy (London, 1964), a respeito da qual estão aqui assinaladas, em cada caso, as lacunas e os pontos duvidosos.], ou bílis negra (μέλαινα χόλη), é aquela cuja desordem pode provocar as consequências mais nefastas. Na cosmologia humoral medieval, aparece associada tradicionalmente à terra, ao outono (ou ao inverno), ao elemento seco, ao frio, à tramontana, à cor preta, à velhice (ou à maturidade), e o seu planeta é Saturno, entre cujos filhos o melancólico encontra lugar ao lado do enforcado, do coxo, do camponês, do jogador de azar, do religioso e do porqueiro. A síndrome fisiológica da abbundantia melancholiae inclui o enegrecimento da pele, do sangue [33] e da urina, o enrijecimento do pulso, a ardência do estômago, a flatulentia, o arroto ácido, o zumbido na orelha esquerda [É provavelmente a esse sintoma (e não à sonolência acidiosa, conforme parece pensar Panofsky, ainda mais que a autoridade de Aristóteles — De somno et vigilia, 457a — afirmava que os melancólicos não são amantes do sono) que se deve a atitude de se apoiar a cabeça com a mão esquerda, tão característica das representações do temperamento melancólico (nas representações mais antigas, o melancólico aparece frequentemente em pé, no ato de comprimir-se a orelha esquerda com a mão). Provavelmente tal atitude pôde ser posteriormente entendida erradamente como sinal de sonolência e aproximada às representações da acídia; o trâmite para esta convergência pode ser encontrado na teoria médica dos efeitos nocivos do somnus meridianus, relacionado com o demônio meridiano da acídia.], a prisão de ventre ou o excesso de fezes, os sonhos macabros e, entre as enfermidades que podem provocar, figuram a histeria, a demência, a epilepsia, a lepra, as hemorroidas, a sarna e a mania suicida. Consequentemente, o temperamento que deriva da sua prevalência no corpo humano é apresentado sob uma luz sinistra: o melancólico é pexime complexionatus, triste, invejoso, mau, ávido, fraudulento, temeroso e terroso.

Contudo, uma antiga tradição associava exatamente ao humor mais miserável o exercício da poesia, da filosofia e das artes. “Por que” — conforme reza um dos mais extravagantes problemata aristotélicos — “todos os homens que foram excepcionais na filosofia, na vida publica, na poesia e nas artes são melancólicos, alguns a ponto de serem tomados pelas enfermidades oriundas da bílis negra?” A resposta que Aristóteles deu a essa interrogação marca o ponto de partida de um processo dialético no transcurso do qual a doutrina do gênio se costura indissoluvelmente com a do humor melancólico na fascinação de um conjunto simbólico, cujo emblema foi plasmado ambiguamente na figura do anjo alado da Melencolia de Dürer:

Aqueles nos quais a bílis é abundante e fria tornam-se torpes e estranhos; outros, nos quais ela é abundante e quente, tornam-se maníacos e alegres, muito amorosos e facilmente dados à paixão… E muitos, porque o calor da bílis está perto [34] da sede da inteligência, são tomados pelo furor ou pelo entusiasmo, como acontece com as Sibilas e as Bacantes, e com todos os que são inspirados pelos deuses, que são feitos assim não por uma enfermidade, mas por uma mistura natural. Por isso Marakós, o Siracusano, nunca era tão poeta como quando estava fora de si. E aqueles nos quais o calor aflui para o meio, também eles são melancólicos, porém mais sensatos e menos excêntricos, e se destacam em relação aos outros homens em muitas coisas, uns nas letras, outros nas artes, outros na vida pública. [Uma atualização da lista de melancólicos, citados por Aristóteles no Problema XXX (Héracles, Belerofonte, Heráclito, Demócrito, Marakós), correría o risco de ser muito extensa. Após um primeiro reaparecimento entre os poetas de amor do século XIII, o grande retorno da melancolia inicia-se a partir do Humanismo. Entre os artistas, são exemplares os casos de Miguel Ângelo, Dürer, Pontorno. Uma segunda epidemia acontece na Inglaterra elisabetiana (cf. L. BABB. The Elizabethan Malady. Lansing, 1951): exemplar é o caso de J. Donne. A terceira idade da melancolia acontece no século XIX. Entre as vítimas aparecem Baudelaire, Nerval, De Quincey, Coleridge, Strindberg, Huysmans. Em todas as três épocas, a melancolia, com uma polarização audaz, foi interpretada como algo ao mesmo tempo positivo e negativo.] [AgambenE:33-35]