médio platonismo

Os sucessores de Platão na Antiga Academia deram a sua filosofia uma orientação claramente matemática: Espeusipo, acadêmico entre 348-339 AC, rejeitou a teoria das Ideias e a substituiu a Ideia de Bem pela do Uno, enquanto Xenócrates identificou as Ideias aos números matemáticos. O platonismo da Nova Academia se aliou ao ceticismo para combater o dogmatismo dos estoicos. Arcesilaus (316-242 AC) e Carneades (214-129 AC) recorreram ao elenchus socrático para sustentar sua teoria da épochè ou suspensão do juízo. O médio platonismo será marcado pelo retorno ao dogmatismo com Antiochus (130-68 AC) e Posidonius de Apaméia (135 -51 AC) que tentaram harmonizar as filosofias de Platão, de Aristóteles e dos estoicos. (Les Notions Philsophiques, PUF, 1990).


O termo “médio-platonismo” é uma convenção dos historiadores modernos, que tem simplesmente por função distinguir entre eles três “platonismos” sucessivos: aquele da Antiga e da Nova Academia (da qual se encontra uma apresentação no estudo de C. Lévy, Les Philosophes hellénistiques), aquele do “médio-platonismo” e aquele enfim do “neoplatonismo” que inaugura Plotino e que conclui em 529 sob o golpe do funesto édito de Justiniano. A obra de referência, tratando-se do médio-platonismo, permanece aquele de J.Dillon, The Middle Platonists. O conjuntos dos textos antigos é reagrupado tematicamente por M. Baltes, em sua imensa antologia: Der Platonismus in der Antike, Stuttgart, Bad Cannstatt, Frommann-Holzboog, 5 volumes aparecidos até agora 1987-1998.

Entre as disposições religiosas que caracterizam o médio-platonismo do século II, destaca-se a teurgia, os ensinamentos astrológicos, assim como as práticas rituais irracionais. O médio-platonismo sustenta também uma hipótese extremamente ambígua de uma dualidade principial divina: no princípio de todas as coisas um deus confundido com seu intelecto, um Intelecto divino pensando nele mesmo as Formas inteligíveis que são as realidades e os paradigmas de todas as coisas, e deixando ao intelecto celeste (o intelecto da alma do mundo) o cuidado de produzir todas as coisas sensíveis após ele. [Luc Brisson e Jean-François Pradeau]


a) O traço mais típico do medioplatonismo, vale dizer, o mínimo denominador comum do pensamento de todos os seus expoentes, quase sem exceção, consiste naquilo que, retomando a conhecida imagem platônica, podemos chamar de reinício da “segunda navegação”, com a recuperação de seus resultados essenciais e das principais consequências que deles brotaram. Em resumo, o medioplatonismo recupera o supra-sensível, o imaterial e o transcendente, rompendo claramente as pontes com o materialismo há muito tempo dominante.

b) A consequência lógica dessa retomada foi a reproposição da teoria das Ideias. Alguns medioplatônicos, aliás, a repensaram a fundo, procurando integrar a posição assumida por Platão com a posição aristotélica. Albino e seu círculo consideraram as Ideias, em seu aspecto transcendente, como “pensamentos de Deus” ( sendo o mundo do Inteligível identificado com a atividade e com o conteúdo da Inteligência suprema) e, em seu aspecto imanente, como “formas” das coisas. A transformação da teoria das Ideias foi acompanhada, como consequência lógica, por uma transformação paralela da concepção de toda a estrutura do mundo do incorpóreo, com resultados que constituem claramente um prelúdio ao neoplatonismo.

c) O texto que os medioplatônicos consideraram como ponto de referência e do qual extraíram o próprio esquema para o repensamento da doutrina platônica foi o Timeu. Com efeito, na difícil tarefa de reduzir a filosofia platônica a sistema e tentar uma síntese dela, o Timeu era o diálogo que oferecia de longe a trama mais sólida.

d) A “doutrina dos princípios” do Platão esotérico, ou seja, a doutrina das mónadas e das díades, foi retomada em parte, mas permaneceu decididamente como pano de fundo. Ela teve uma importância muito maior no âmbito do movimento neopitagórico, que ocorria paralelamente. E isso era inevitável, de vez que o fundamento teorético do Timeu e a redução das Ideias a pensamentos de Deus não deixavam espaço para a doutrina das mónadas e das díades.

e) Para os medioplatônicos, assim como para os filósofos da época anterior, o problema ético continuou proeminente, sendo, porém, reproposto e fundamentado de modo novo. A palavra-de-ordem de todas as escolas helenísticas havia sido “segue a natureza (physis)”, entendida de modo materialista-imanentista. Ao contrário, a nova palavra-de-ordem dos medioplatônicos foi: “segue Deus”, “assimila-te a Deus”, “imita Deus”. Logicamente, a descoberta da transcendência iria modificar, pouco a pouco, toda a visão de vida proposta pela época helenística. Unanimemente, os medioplatônicos reconheceram precisamente na assimilação ao divino transcendente e incorpóreo a marca autêntica da vida moral. [Giovanni Reale]