epoché

VIDE epoche; epoché fenomenológica

No vocabulário filosófico é já frequente usar-se o termo “epojé” ou epoché como transcrição e tradução do vocábulo grego, que designa a suspensão do juízo, empregado pelos filósofos da Nova Academia, especialmente Arcesilau e Carnéades, e pelos próprios cépticos, especialmente Enesidemo e Sexto Empírico, para expressar a sua atitude perante o problema do conhecimento. epoché, na definição de Sexto Empírico, “é estado de repouso mental pelo qual nem afirmamos, nem negamos”, um estado que conduz à imperturbabilidade. Não se sabe exatamente quem foi o filósofo que introduziu a noção de epoché. Alguns afirmam que foi Pírron, que teria combinado a epoché com a possibilidade de aprender imediatamente a realidade do objeto. Outros, em contrapartida, inclinam-se por Arcesilau na sua polémica contra os estoicos. Estes tinham defendido na teoria do conhecimento a doutrina que defendia a possibilidade de obter representações compreensivas; Arcesilau argumentou que essas representações estão condicionadas pelo assentimento, e como não se pode dar assentimento às representações, as representações compreensivas são impossíveis. No mesmo sentido se pronunciou Carnéades, que distinguiu entre uma epoché generalizada e uma epoché particular, e afirmou que o sábio deve ater-se à primeira. Enesidemo e Sexto Empírico, por seu lado, afirmaram a epoché como resultado dos tropos, mas adoptaram diversas atitudes de suspensão que roçavam, por vezes, o probabilismo. Assim, Sexto, sobretudo, distinguia entre a pura e simples abstenção, o reconhecimento da possibilidade de que algo seja certo, o reconhecimento de que não é impossível que algo seja certo, a afirmação de que não pode haver decisão entre dois casos, etc. Note-se que a epoché tinha em todos estes filósofos não só um sentido teórico, mas também prático, pois dizia respeito quer ao conhecimento do objeto, quer ao conhecimento do bem, e especialmente do Bem supremo. Contudo os acadâmicos novos e os cépticos propugnaram uma epoché radical no aspecto teórico, enquanto, acerca do lado prático, defendiam uma atitude moderada relativamente aos juízos de caráter moral.

O termo epoché foi ressuscitado com sentido diferente do clássico na fenomenologia de Husserl. A epoché é capital na formação do método destinado a conseguir a chamada redução fenomenológica. Em sentido primário, a epoché não significa mais que o fato de que suspendemos o juízo perante o conteúdo doutrinal de qualquer dada filosofia e realizamos todas as nossas comprovações dentro dos limites dessa suspensão. Num sentido mais preciso, a epoché fenomenológica significa a mudança radical da “tese natural”. Na tese natural, a consciência está situada perante o mundo como realidade que existe sempre ou está sempre aí. Ao alterar-se esta tese, dá-se a suspensão ou a colocação entre parêntesis não só das doutrinas acerca da realidade, e da ação sobre a realidade, mas também da própria realidade. Ora, estas não ficam eliminadas, mas alteradas pela suspensão.

Portanto, o mundo natural não fica negado nem se duvida da sua existência. Assim a epoché fenomenológica não se compara nem com a dúvida cartesiana, nem com a suspensão céptica do juízo, nem com a negação da realidade por alguns sofistas, nem com a abstenção de explicações propugnada, em nome de uma atitude livre de teorias e supostos metafísicos, pelo positivismo de Comte. Só assim é, possível, segundo Husserl, constituir a consciência pura ou transcendental como resíduo fenomenológico. [Ferrater]


(gr. epoche).

Suspensão do juízo, que caracteriza a atitude dos céticos antigos, particularmente de Pirro; consiste em não aceitar nem refutar, em não afirmar nem negar. O contrário dessa atitude é o dogmatismo, em que se dá assentimento a alguma coisa obscura, que constitui objeto de pesquisa científica (Sexto Empírico, Pirr. hyp., I, 10, 13). Segundo o ceticismo, essa atitude era a única possível para se atingir a imperturbabilidade. Com efeito, “quem duvida de que algo seja bom ou mau por natureza não evita nem persegue coisa alguma com desejo: por isso, é imperturbável” (Ibid., I, 28). Na filosofia contemporânea, com Husserl e a filosofia fenomenológica em geral, a epoché tem finalidade diferente: a contemplação desinteressada, ou seja, uma atitude desvinculada de qualquer interesse natural ou psicológico na existência das coisas do mundo ou do próprio mundo na sua totalidade. Com a epoché, diz Husserl, “pomos fora de ação a tese geral própria da atitude natural e pomos entre parênteses tudo o que ela compreende; por isso, a totalidade do mundo natural que está sempre ‘aqui para nós’, ‘ao alcance da mão’ e que continuará a permanecer como ‘realidade’ para a consciência, ainda que nos agrade colocá-la entre parênteses. Fazendo isso, como é de minha plena liberdade fazê-lo, não nego o mundo, como se fosse um sofista, não ponho em dúvida o seu existir, como se fosse um cético, mas exerço a epoché fenomenológica, que me veta absolutamente qualquer juízo sobre o existente espácio-temporal” (Ideen, I, § 32). A epoché fenomenológica distingue nitidamente a filosofia de todas as outras ciências que estão interessadas na existência do mundo e dos objetos nele compreendidos; por isso, faz do filosofar uma atitude puramente contemplativa, à qual pode revelar-se, em sua genuinidade, a própria essência das coisas (Ibid., § 90; Cart. Med., § 8). Husserl vale-se da epoché em vários níveis da sua investigação: para efetuar a redução da experiência à “esfera de propriedade” que pertence ao meu eu e da qual é eliminada qualquer remissão às outras subjetividades (Cart. Med., § 44); para atingir o chamado “mundo da vida” com a suspensão da validade de todas as ciências objetivas (Krisis, § 35); para alcançar “o eu constitutivamente operante na intersubjetividade” (Ibid., § 50, ‘); enfim, para alcançar “o ego absoluto, o ego enquanto centro funcional último de qualquer constituição” (Ibid., § 55). Com este último ato ruma-se para o ponto final da epoché, pois com o ego absoluto se está “na esfera da evidência apoclítica” (Ibid., § 55). [Abbagnano]