gr. onoma
A linguagem é qualquer meio de comunicação dos pensamentos ou dos sentimentos. — Distingue-se a noção de “linguagem”, que implica no emprego da palavra, da de “língua” (a língua portuguesa, francesa), que designa mais exatamente o sistema de sinais que constitui a base objetiva da linguagem. Quando se fala de uma linguagem animal (K. von Frisch mostrou, em 1923, que a abelha saqueadora, voltando à colmeia, efetua uma mudança em forma de 8, indicando a orientação, a distância e a concentração do néctar que pôde encontrar em um local), trata-se de uma linguagem de ação, imediatamente ligada a uma necessidade. Contrapõe-se à linguagem humana, que pode ser intencional e que implica na imaginação e na representação do futuro. A linguagem é uma aquisição social, e mesmo a ideia de uma “linguagem natural”, de expressões espontâneas parece problemática: os gestos variam segundo as culturas; o sorriso pode exprimir a cólera num japonês. [Larousse]
significa 1. a atividade universal humana dirigida no sentido de se servir de um sistema de sinais entre si entrosados segundo determinadas regras que se pressupõe serem aceitas em toda a parte; 2. as formas histórica e socialmente condicionadas da função geral humana da linguagem, que são as línguas particulares ou idiomas. Dentro de cada língua particular, importa distinguir: a) a totalidade de sinais e formas, de que pode servir-se a pessoa que fala (o “falável”); b) a realização somático-psíquica do ato de falar; c) a palavra produzida e ouvida (o “falado”). A linguagem, no sentido originário, é a representação de pensamentos por meio de sons. Sujeito da linguagem é o homem, o único entre todos os seres visíveis que tem pensamentos, que pode comunicá-los a outrem, e o único dos seres espirituais capaz de os expressar por sons articulados. Portanto, a linguagem reflete o ser psíquico-corpóreo do homem e segue as leis do mesmo. Existe como som somente no ato de ser produzida. Embora o falar, mesmo prescindindo da transmissão das ideias, seja sempre uma certa expressão da alma de quem fala, contudo seu intuito principal, ao contrário de outros movimentos expressivos, não é esse, mas sim a representação e comunicação de pensamentos. Enquanto a representação figurativa imita o objeto significado em sua forma sensível e, por conseguinte, é imediatamente compreendida por qualquer espectador, a linguagem faz presente, não o objeto, mas o pensamento e este (em sua forma evoluída), não por meio de cópia, senão mediante um sinal que o substitui. Consequentemente, só é compreendido por; quem conhece o sentido e, com ele, o significado dos sinais. Não resta dúvida que a linguagem, em suas origens, operou também com meios de representação imediatamente compreensíveis, figurativos. A união de sons sensíveis, em si não possuidores de significado peculiar, com determinadas significações, ou seja, com a indicação de um sentido, é possível, porque no homem não existe radical separação entre intuição sensorial e pensamento espiritual; antes, este se obtém a partir daquela por abstração e conserva sempre uma certa união com o esquema sensível. A mencionada função indicadora permite ao homem estabelecer, entre o som articulado e o esquema sensível, uma conexão perceptível também para outros e fixá-la pelo uso reiterado. A pressuposição para que os interlocutores se compreendam é a sua comum natureza somático-espiritual e, mais que tudo, a identidade de conteúdo, por eles pensado ou por pensar.
A questão da origem da linguagem pode referir-se à capacidade de falar ou à prática evoluída da mesma. A capacidade de falar está implicada na essência do homem. A prática ou manejo da língua compreende a descoberta e primeira aplicação de sinais sensíveis como representantes dos conceitos e o ulterior desenvolvimento do sistema de sinais. Como o homem tenha chegado originariamente a esta prática da linguagem, é coisa que só podemos conjeturar pela maneira como ainda hoje a adquire. — De linguagem animal só nos é dado falar em sentido impróprio, uma vez que os animais não logram exteriorizar pensamento algum, nem manifestar por meio de conceitos suas sensações e apetites. Sobre a linguagem prelógica, Psicologia social.
O homem pode substituir os sinais fonéticos da linguagem por outros; assim, p. ex., na escrita, que substitui os fonemas passageiros pelos caracteres gráficos mais duradouros. Contudo, a representação das ideias pode também efetuar-se mediante sinais gráficos ou de outra espécie, sem recorrer ao som, como acontece, por exemplo, na escrita conceptual dos Chineses.—A primeira forma fonética fundamental é a sílaba; a primeira forma fundamental de sinal linguístico dotado de significação é a palavra; a primeira forma fundamental da própria linguagem, é a proposição. Só nesta se exprime um pensamento completo. A situação da linguagem e o conjunto da proposição é que conferem às palavras o significado definido. Isto se aplica também, em certa medida, à proposição enquanto membro do discurso.
A linguagem (1) apresenta-se-nos numa variada profusão de idiomas [= linguagem (2)], que tanto no léxico quanto na construção mostram notáveis diferenças entre si. Em princípio, existe sempre a possibilidade de que é representado noutra (tradução); todavia, tal possibilidade é limitada, sob diversos aspectos, sobretudo no que tange ao valor sentimental que se desprende das palavras. — Para complexos enunciativos exatamente definidos estabelecem-se línguas universais de grande precisão, como aconteceu, por exemplo, na matemática e na logística, as quais linguagens servem exclusivamente para representar conteúdos conceptuais, independentemente de qualquer expressão psíquica. — Embora a linguagem não constitua elemento indispensável do conhecimento intelectual, contribui no entanto em larga escala para a precisão e clareza do pensamento. — Visto a linguagem se haver originado na necessidade do indivíduo como membro da comunidade, segue-se que nem ela é a descoberta de um indivíduo nem sua conservação e evolução é concebível fora da comunidade. A comunidade linguística orgânica e natural, formadora da língua na maioria dos casos, é a nação, e, inversamente, a língua desempenha importante papel na formação daquela. Sem a linguagem, não seria possível nem a comunidade humana, nem um certo grau superior de cultura. Da importância da linguagem, para a comunidade redunda também para o indivíduo a especial obrigação de não utilizá-la contra sua essência, que é ser expressão do pensamento. — Brugger.
O fenômeno complexo que constitui a existência de linguagens pode ser recortado de diferentes maneiras. Linguisticamente pode-se distinguir, por exemplo, fonética e gramática, e no interior desta: categorias, estruturas e funções. Semioticamente – ou seja, quando ampliamos o conceito de linguagem para englobar os sistemas de signo em geral – pode-se dividir a linguagem em sintaxe, semântica e pragmática. De um ponto de vista filosófico, enfim, se é conduzido a distinguir de uma maneira ou de outra entre uma abordagem formal e uma abordagem comunicacional. A primeira visa à linguagem como sistema, enquanto a segunda acentua sobre o uso da linguagem, concebida como fenômeno social, ação humana. Esta distinção não cobre exatamente a tripartição semiótica. Por um lado, não é seguro que a divisão sintaxe/semântica possui uma evidência filosófica suficiente. A fronteira semiótica entre as duas é sempre relativamente arbitrária, o que é cientificamente legítimo. Por outro lado a definição filosófica do uso da linguagem é sem dúvida é sem dúvida maior mais ampla que a definição pragmática: filosoficamente não se pode separar comunicação e pensar. A filosofia sobretudo faz passar uma linha divisória entre linguagem natural e linguagens artificiais, em especial lógicas, e se diferencia da neutralidade semiótica que consiste precisamente a recusar privilegiar a linguagem natural. A semiótica se interessa pelos sistemas de signos em geral e à linguagem em geral como sub-classe do sistema de signos. Claro que as diferenças de abordagem entre linguística geral, semiótica e filosofia da linguagem têm tendência a se limitarem, mas manteremos aqui uma separação relativamente precisa, e consideraremos sucessivamente: a linguagem como sistema; a linguagem como ação; as relações entre descrição e reforma da linguagem; as tarefas de uma filosofia da linguagem. (Noções filosóficas. Dir Sylvain Auroux. PUF, 1990)
Desde os pré-socráticos, muitos pensadores gregos equipararam linguagem e razão: ser um “animal racional” significava, em grande parte, ser “um ente capaz de falar” e, ao falar, refletir o universo. Deste modo, o universo podia falar, por assim dizer, de si mesmo, através do homem. A linguagem equivalia à estrutura inteligível da realidade. Desde os começos da “filosofia da linguagem”, vemos até que ponto estão estreitamente unidas a questão da linguagem e a questão da realidade enquanto realidade. Não obstante as diferenças entre Heraclito e Parmênides, ambos concordavam, pelo menos, em considerar a linguagem como um aspecto da realidade: A “realidade falante”. Em suma, a linguagem é, para muitos pré-socráticos “a linguagem do ser”. Os sofistas examinaram a linguagem quer do ponto de vista gramatical quer do ponto de vista retórico e humano. Um dos seus grandes problema foi o de examinar em que medida, e até que ponto, os nomes da linguagem são ou não convencionais. Embora as suas teorias não possam reduzir-se a uma só fórmula, era muito comum, entre muitos pensadores, propugnar uma doutrina segundo a qual os nomes são convenções estabelecidas pelos homens para se entenderem. Este problema foi tratado por Platão no seu diálogo Crátilo. Nesta obra aparecem Crátilo (que representa Heráclito e defende a doutrina de que os nomes estão naturalmente relacionados com as coisas) e Hermógenes (que representa Demócrito ou Protágoras e defende a doutrina de que os nomes são convenções). Cada uma das posições tem as suas dificuldades, que podemos esquematizar assim:
1) Suponhamos que “os nomes o são por natureza”. Isto não se refere somente à origem mas também à índole dos nomes. Significa que: a) cada nome designa uma coisa; nem mais nem menos que essa coisa. A isto pode opor-se que a linguagem se compõe de partículas como as proposições, as conjunções, etc, que não são nomes. b) Qualquer modificação introduzida num nome faz dele outro nome que designa outra coisa, ou nenhum nome, o qual não designa nada. A isto pode replicar-se a que a maior parte dos nomes tem significados que vão mudando com o tempo. c) Tem de haver tantos nomes quantas as coisas; os sinônimos são, em princípio, impossíveis. Mas todos os nomes têm amiúde um significado vago: o nome não reproduz a realidade tal como a imagem não reproduz a realidade, pois, nesse caso, não seria um nome ou imagem, mas a própria realidade. d) Pronunciar ou escrever um nome falso é o mesmo que pronunciar ou escrever uma série de sons ou signos sem significação. Pode, contudo, fazer-se notar que há proposições falsas que têm significação, pois esta última surge no âmbito de uma linguagem e não no das coisas.
2) Suponhamos, pelo contrário, que os nomes são convencionais. Isto significa que: a) podem mudar-se os nomes à vontade.
Contudo, não se pode ignorar que a linguagem não é composta por uma série de nomes independentes entre si, mas que aparece num contexto. b) cada nome pode designar qualquer coisa. Mas não se deve confundir a significação com a denotação. c) Há um número, em princípio infinito, de nomes para cada coisa. Isto talvez possa acontecer numa linguagem formalizada por convenção mas não numa linguagem não formalizada, isto é, natural.
Formulamos as ideias fundamentais do Crátilo numa terminologia moderna para mostrar também que os problemas levantados por Platão são igualmente problemas atuais passíveis de discussão. Aristóteles e os estoicos fizeram muitas considerações sobre a linguagem. Exceptuando as diferenças, foi comum a ambas as doutrinas a introdução de outro elemento além da linguagem e da realidade: é o conceito ou noção que pode ser entendido como um conceito mental ou lógico. Os problemas da linguagem complicam-se desde então com a questão da relação entre a expressão linguística e o conceito formal e cada um destes conceitos, enquanto expressos linguisticamente, e a realidade. Tudo isso fez com que os problemas da linguagem não fossem estritamente gramaticais, mas também lógicos. Isso aconteceu, ao longo da idade média, durante a qual a posição assumida na doutrina dos universais teve grande repercussão na concepção da linguagem. Mas ocuparam-se mais diretamente da natureza e da forma da linguagem os autores que examinaram o problema da significação.
Só na idade moderna aparece uma “filosofia da linguagem”. Os filósofos modernos assumiram duas atitudes gerais relativamente à linguagem: uma atitude de confiança na linguagem e no seu poder lógico (representada sobretudo pelos racionalistas) e uma atitude de desconfiança para com a linguagem (representada sobretudo pelos empiristas). Foram estes últimos que puseram em relevo que a linguagem é um instrumento capital para o pensamento mas que, ao mesmo tempo, se deve submeter a linguagem a crítica para não cair nas armadilhas que “o abuso da linguagem” nos pode fazer. Durante o século vinte, a filosofia da linguagem alcançou o seu maior florescimento:. chegou-se até a considerar a análise da linguagem como a ocupação principal da filosofia. As tendências ditas analíticas, bem como as neopositivistas, sobressaíram no interesse pela questões relativas à estrutura da linguagem ou das linguagens. Para Wittgenstein, a linguagem aparece primeiro como uma espécie de impedimento para conseguir a “linguagem ideal” onde a estrutura da linguagem corresponde á realidade. Ao abandonar esta noção de linguagem ideal, Wittgenstein lançou a investigação da linguagem por outras vias. No seu livro Investigações Filosóficas, afirma que o mais importante na linguagem não é a significação mas o uso. Para entender uma linguagem deve-se compreender como funciona. Ora, pode comparar– se a linguagem a um jogo; há tantas linguagens quantos os jogos de linguagem. Portanto, entender uma palavra numa linguagem não é primeiramente compreender a sua significação, mas saber como funciona, ou como se usa dentro de um desses jogos. Mas não foi só a filosofia analítica que deu esta importância capital à linguagem. Em Heidegger, a linguagem aparece, primeiro, sob a forma da tagarelice como um dos modos como se manifesta a degradação ou inautenticidade do homem. Perante este modo inautêntico, a autenticidade parece consistir não na fala ou em alguma linguagem, mas no apelo da consciência. É mister uma linguagem na qual o ser não seja forçado a aparecer. Portanto não é a linguagem científica (que constitui a realidade como objeto) nem técnica (que modifica a realidade para se aproveitar dela). Resta apenas um tipo de linguagem que não é descritivo, nem explicativo, nem interpretativo, mas “comemorativo”. A linguagem como um poetizar primeiro é o modo como pode efetuar- se “a irrupção do ser”, de tal modo que a linguagem pode converter-se então num “modo verbal do ser”. [Ferrater]
Do ponto de vista da linguística atual, uma linguagem pode ser considerada como o conjunto (virtualmente infinito) de frases bem formadas, podendo ser produzidas através de uma determinada gramática, isto é, de um conjunto finito de regras de produção que possibilitam a formação de unidades complexas, suscetíveis de revestir um sentido completo (as frases), por meio de um certo número de elementos (que, podendo ser de natureza abstrata, geralmente não são apreensíveis como tais ao nível perceptivo).
É possível também apresentar o conceito de linguagem de modo um pouco diferente, inspirando-se no modelo cibernético e propondo-a como uma estrutura ideal com suporte físico (gráfico, acústico, elétrico, etc.), que acarreta a comunicação de informações através de um sistema de codificação, de transmissão e de descodificação (L. Apostel, “Epistémologie de la linguistique”, in Logique et connaissance identifique, sob a direção de Jean Piaget, Paris, Gallimard, 1967, pp. 1056-1096).
Estes modos de considerar a linguagem localizam-se, é claro, na perspectiva de objetivação própria à ciência. Tal aproximação objetivante revelou-se muito fecunda e é imposta, sem dúvida, pela natureza da linguagem que se apresenta como uma estrutura objetiva. Isto não impede que outra aproximação, a especulativa, possua também sua legitimidade, e que a linguagem possa ser considerada quer como uma possibilidade fundamental do homem, quer como uma modalidade ontológica. [Ladrière]