DESENCANTAMENTO DO MUNDO

No escrito "A Ciência como Profissão", depois de afirmar que "ser superados no plano científico é (...) não somente o nosso destino, de todos nós, mas também o nosso objetivo", Max Weber se propõe o problema do significado da ciência. Trata-se do problema do significado de uma atividade que "não alcança e jamais poderá alcançar seu fim": qual a obra possuidora de sentido que o homem de ciência acredita produzir "com essas criações sempre destinadas a envelhecer e deixando-se absorver por essa atividade dividida em setores especializados e que se projetam para o infinito"?

Para Weber, "o progresso científico é fração, sem dúvida a mais importante, daquele processo de intelectualização ao qual estamos sujeitos há séculos". E o significado profundo dessa intelectualização e racionalização progressivas segundo Weber, está "na consciência ou na de que basta querer para poder: em princípio, qualquer coisa pode ser dominada pela razão. O que significa o desencantamento do mundo. Não é mais preciso recorrer à magia para dominar ou para obter as graças dos espíritos, como faz o selvagem para quem existem tais potências. Isso é suprido pela razão e os meios técnicos. É sobretudo esse o significado da intelectualização como tal".

Admitido esse desencantamento do mundo, Weber então se pergunta qual será o significado da "ciência como vocação". E escreve que a resposta mais simples a essa interpretação a oferece Tolstoi: a ciência "é absurda, porque não responde à única pergunta importante para nós: o que devemos fazer, como devemos viver?" Além de pressupor a validade das normas da lógica e do método, a ciência também deve pressupor que "o resultado do trabalho científico é importante no sentido de ser ‘digno de ser conhecido’ (wissenswert)".

Mas é evidente que, por seu turno, "esse pressuposto não pode ser demonstrado com os meios da ciência" e "menos ainda se pode demonstrar se o mundo por elas (as ciências) descrito é digno de existir: se tem ‘significado’ ou se tem sentido existir nele". Com isso, as ciências naturais "não se preocupam". Apenas para exemplificar, a "ciência médica não se propõe a questão de se e quando a vida vale à pena ser vivida. Todas as ciências naturais dão resposta a esta pergunta: o que devemos fazer se quisermos dominar tecnicamente a vida? Mas a questão de se queremos e devemos dominá-la tecnicamente e se isso, em última instância, tem verdadeiramente significado é questão que elas deixam inteiramente suspensa ou então a pressupõem para os seus fins".

Da mesma forma, as ciências históricas "nos ensinam a entender os fenômenos da civilização (Kulturerscheinungen) — políticos, artísticos, literários ou sociais — nas condições do seu surgimento. Elas pressupõem que haja interesse em participar, através de tal procedimento, na comunidade dos ‘homens civis’ (Kulturmenschen). Mas elas não estão em condições de demonstrar ‘cientificamente’ que as coisas são assim e o fato de elas o pressuporem não demonstra de modo algum que isso seja evidente. E, com efeito, não o é em absoluto".

Essencialmente, a ciência pressupõe a escolha da razão científica. E essa escolha não pode ser justificada cientificamente. A afirmação de que "a verdade científica é um bem" não é afirmação científica. Nem pode sê-lo, já que a ciência, embora pressupondo valores, não pode fundamentar os valores. A ciência não pode fundamentar valores, mas também não pode rejeitá-los: "Quem, vai querer experimentar ‘refutar cientificamente’ a ética do Sermão da montanha ou, por exemplo, a máxima ‘não resista ao mal’ ou então a imagem de dar a outra face? E, no entanto, está claro que, do ponto de vista mundano, prega-se ali uma ética da falta de dignidade. É preciso escolher entre a dignidade religiosa, que é o fundamento dessa ética, e a dignidade viril, que prega algo bem diferente: ‘Deves resistir ao mal, caso contrário também serás responsável se ele prevalecer’. Que alguém seja o diabo e outro o deus é algo que depende do próprio comportamento em relação ao fim último. Cabe ao indivíduo decidir quem é deus e quem é diabo para ele. E assim ocorre em todos os ordenamentos da vida".

O mestre não é chefe e a ética não é ciência: "A vida (...) só conhece a impossibilidade de conciliar e resolver o antagonismo entre as posições últimas geralmente em relação à vida, vale dizer, a necessidade de decidir por uma ou por outra. Se, nessas condições, vale à pena fazer da ciência ‘profissão’ e se ela própria constitui ‘profissão’ dotada de valor objetivo — eis outro juízo de valor sobre o qual não é dado pronunciar-se na sala de aula".

Então, a qual dos valores em luta devemos servir? Ou talvez a algum outro, quem sabe? Bem, é preciso dizer, sentencia Weber, que a resposta a essa pergunta "cabe a um profeta ou a um redentor". Mas, neste nosso mundo desencantado, não existe o invocado profeta ou redentor. E "os falsos profetas das cátedras", com seus sucedâneos, não bastam para cancelar o fato fundamental que o destino nos impõe de viver em época sem Deus e sem profetas.

Para ele, "é o destino de nossa época, com a sua racionalização e intelectualização característica e, sobretudo, com o seu desencantamento do mundo, que precisamente os valores supremos e sublimes tenham se tornado estranhos ao grande público para se refugiarem no reino extramundano da vida mística ou na fraternidade das relações imediatas e diretas entre os indivíduos". Para quem não está em condições de enfrentar firmemente esse destino da nossa época, Weber aconselha que volte em silêncio, sem a costumeira conversão publicitária, mas sim pura e simplesmente, aos braços das antigas Igrejas, que estão ampla e misericordiosamente abertos, não lhe dificultando a vida. "Entretanto, é preciso cumprir — é inevitável — o ‘sacrifício do intelecto’, de um modo ou de outro. Se ele for realmente capaz, não o censuraremos por isso".

Em toda teologia "positiva", o crente chega a um ponto em que é válida a famosa máxima: "Credo non quod, sed quia absurdum". Para Weber, aí está o "sacrifício do intelecto": isso "leva o discípulo ao profeta e o crente à Igreja". E, sendo assim, Weber sustenta que "está claro que (...) a tensão entre a esfera dos valores da ‘ciência’ e a esfera da salvação religiosa é insanável".

O mundo da razão científica é mundo desencantado. E a simples probidade intelectual, diz Weber, nos impõe deixar claro que, hoje, todos os que vivem à espera de novos profetas e novos redentores encontram-se na mesma situação descrita no belíssimo canto da guarda idumeia durante o período do exílio, que se lê no oráculo de Isaías:

De Seir chamam por mim: "Guarda, que resta da noite? Guarda, que resta da noite?" O guarda responde: "A manhã vem chegando, mas ainda é noite. Se quereis perguntar, perguntai! Vinde de novo!"

Sendo assim, diz ainda Weber, nós "nos voltaremos para o nosso trabalho e cumpriremos a nossa ‘tarefa cotidiana’, em nossa qualidade de homens e na nossa atividade profissional. Isso é simples e fácil quando cada qual encontra e segue o demônio que puxa os fios da sua vida". [Reale]