ÉTICA (A) demonstrada pelo método geométrico, principal obra de Spinoza (1677). Esse difícil tratado, ordenado em definições, axiomas, demonstrações e corolários (como um tratado de geometria e diretamente inspirado, aliás, na "geometria genética" de Hobbes), parte do princípio de que a existência, em seu caráter absoluto, é um fato racional, penetrável à razão. Pela análise do pensamento humano, leva-nos a conceber essa existência absoluta, a realizá-la em nós, superando todas as nossas paixões e atingindo por isso mesmo a felicidade mais pura (ou beatitude). Sua diferenciação dos "três gêneros de conhecimento" em conhecimento sensível, conceituai e intuitivo (racionalidade superior) é célebre. A Ética é, com a Crítica de Kant, a obra que mais profundamente marcou e inspirou toda a metafísica alemã (Fichte, Schelling, Hegel), que determina, ela própria, a época filosófica atual. Na França, suscitou os comentários de J. Lagneau, L. Brunschvicg e principalmente de M. Guéroult. [Larousse]
Este sistema é um sistema da substância, o puro sistema da substância. Já vimos o que era a substância: o que resta após termos dissipado as aparências, separado as partes, afastado a qualidade ou o acidente. Para uma filosofia materialista, esse resto da operação não é nada, é o nada; para uma filosofia idealista, ao contrário, é tudo, é o todo, a razão e o princípio do ser, o próprio ser. O ser é pois a substância, e a substância das substâncias, o ser dos seres não pode ser senão uma substância primeira ou um ser primeiro isto é, Deus.
Posto isto, é impossível que essa realidade inicial, que essa realidade única seja de outra ordem que não a do pensamento. Nenhuma espécie de corpo, nenhum conglomerado de matéria, nenhuma matéria poderia convir a semelhante definição. Foi o que concluiu com acerto um historiador e um teórico da substância, Louis Prat: "Só do pensamento se pode dizer que é concebido em si e por si. Nele se identificam pensamento e atributo, sem o que a ideia da substância se confundiria com a ideia abstrata da coisa ou do ser e não exprimiria mais nada."
Portanto, só a substância pode existir essencialmente. Mas será ela que confere a si mesma esse ser, ou pelo contrário recebê-lo-á de fora? Confundir-se-á com ele ou não será senão um aspecto ou consequência dele? A resposta de Spinoza, dada logo nas primeiras linhas da Ética, é decisiva e arrasta consigo todo o resto: "Por causa de si entendo aquilo cuja essência envolve a existência, em outras palavras, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão como existente".
Esta questão da existência e da essência era clássica e Santo Tomás já a debatera no seu opúsculo De ente et essentia. Limitava-se, porém, a diferenciações formais e o seu tratado era antes um tratado de lógica. Com Spinoza mergulhamos no fundo e no vivo da questão, com todas as suas consequências.
A substância, conforme a terceira definição do primeiro livro da Ética, é "o que existe em si e é concebido por si, isto é, aquilo cujo conceito não necessita, para a sua formação, do conceito de outra coisa". A substância é o ser: mas donde possui ela esse ser, de si mesma ou de fora? Se não o possui de si mesma temos de remontar a uma outra, a uma primeira substância cuja essência se identificará com a existência, e essa primeira substância será Deus.
Observemo-lo desde logo: deste princípio deriva fatalmente toda a doutrina metafísica de Spinoza, que é um panteísmo integral. Se a substância é tal o mundo não poderá ser senão substância e o que dele se manifestar sob a forma corporal nada mais será do que manifestação ou derivação — aparência, em suma. E, se existe uma substância primeira, todas as outras só poderão ser variações ou "modificações" dela. E assim é, com efeito. Como poderia uma coisa infinitamente una e simples produzir algo que não estivesse nela, algo que não fosse ela própria?
Filosofia da substância, filosofia do ser, ontologia pura. Isto se vê ainda pela ideia de Deus que nela se encontra e por esta prova de Deus, que não passa de um desenvolvimento e de um aprofundamento da de Santo Anselmo... e de Descartes: Se Deus não existe, diz o teorema XI, "a sua essência não envolve a existência" — o que é absurdo. Acrescenta o escólio: "Pois, dado que poder existir é uma força, segue-se que quanto mais realidade comportar a natureza de uma coisa, tanto mais força terá essa coisa por si mesma para existir; portanto, o ser absolutamente infinito, ou Deus, tem absolutamente de si mesmo o poder infinito de existir, e por conseguinte existe absolutamente." Seja qual for o valor da demonstração, retenhamos o princípio: Deus como foco de toda realidade, Deus como única realidade. Nada pode existir que não venha de Deus e que, de algum modo, não seja Deus. Spinoza repete-o formalmente no teorema XXVIII: "Afora a substância e os modos não existe nada, e os modos nada mais são do que as afecções dos atributos de Deus."
A mesma fatalidade panteística é estendida à natureza, com igual precisão nas fórmulas: "todas as coisas são determinadas pela necessidade da natureza de Deus a existir e a agir de certo modo" (teorema XXIX); há uma natureza naturante, que é "o que existe em si e é concebido por si" — ou por outra, a substância; e há uma natureza naturada, que é "tudo o que resulta da própria natureza de Deus".
O mundo, pois, nada é senão Deus, uma vasta modificação de Deus. Vamos descobrir o mesmo quando passarmos aos corpos e às almas. Antes de lá chegar, notemos o caráter desse sistema que se edifica com uma espécie de fatalismo ou de necessidade implacável.
É um sistema acima de tudo lógico em que, conforme já verificamos, tudo se deduz de definições primeiras e dessa dupla concepção do que é "por si" e do que não é "por si", sendo portanto derivado ou produzido. O mundo se edifica na pura abstração, pois só no domínio do abstrato é que são possíveis tais construções.
Objetarão talvez que o ponto de partida é a onipotência e a bondade de Deus, que estas ideias são qualitativas e que Spinoza possuía a sua dose de piedade. Não o negamos. Mas também é verdade que a operação pertence à ordem da inteligência, que a inteligência se exerce aí com a sua máxima sutileza, de forma impecável, e que se trata em última análise de um jogo, um jogo que no panteísmo, e mormente no panteísmo spinozista, atinge o ápice do refinamento mas nem assim consegue satisfazer sozinho a alma, que necessita, para ser tocada, de outra espécie de valor. Sem falar em argumentações dessa mesma ordem, lógicas e próprias para contradizer esta, pois a inteligência ainda se presta a todas as causas e nada deixa subsistir do que ela própria edifica sem procurar uma base em outra parte. [Truc]