Kategorie, Kategorien, kategorialen
Tendo como fio condutor estes diversos enunciados, podemos seguir de perto o modo como a própria coisa é, em cada caso, determinada. Ao fazer isto, não prestamos agora atenção a esta coisa particular que tomamos como exemplo — a casa — mas àquilo que, em cada enunciado do mesmo gênero, caracteriza, em geral, qualquer coisa deste tipo, ou seja, prestamos atenção à coisalidade. «Vermelho» diz, de um determinado ponto de vista, a saber, relativamente à cor, o modo como a coisa é constituída. De um modo geral é atribuída à coisa uma característica, uma qualidade. No atributo «grande», é enunciada a grandeza, a extensão (quantidade); no «mais pequeno que», diz-se o que é a casa em comparação com outra (relação); «perto do ribeiro», atribui o lugar; «do século XVIII», atribui o tempo.
Característica, extensão, comparação, lugar, tempo, são determinações que, em geral, são ditas da coisa. Estas determinações indicam em que perspectiva as coisas se nos mostram, quando, no enunciado, nos dirigimos a elas e falamos delas, indicam os caminhos-do-olhar nos quais olhamos as coisas e a partir dos quais elas se nos mostram. Mas, na medida em que essas determinações são sempre colocadas sobre a coisa, a coisa é, de um modo geral e sempre, dita com elas, como aquilo que já está presente. Aquilo que, em geral, é dito sobre cada coisa, a este «dito em direção à coisa» e no qual a universalidade e a coisalidade da coisa se determinam, os Gregos chamam kategoria (kata-agoreuein). Mas o que é dito deste modo não visa senão o ser-de-um-certo-modo, o ser-extenso, o estar-em-relação, o estar-ali; o estar-agora, que é próprio das coisas enquanto entes. Não podemos trazer para diante do olhar, nem muitas vezes, nem com a penetração suficiente, este estado-de-coisas agora evidenciado, nomeadamente o fato de que as determinações que constituem o Ser<Ser do ente e, portanto, da própria coisa, retiram o seu nome do enunciado acerca da coisa. Este nome para as determinações-de-ser não é uma designação como qualquer outra, mas, nesta designação das determinações-de-ser como modos da enunciabilidade, reside uma interpretação particular do Ser. O fato de, desde há muito tempo, as determinações do Ser serem chamadas, no pensamento ocidental, «categorias» é a expressão mais nítida do que já acentuamos: o fato de a estrutura da coisa estar em relação com a estrutura do enunciado. O fato de outrora e ainda hoje a doutrina escolar acerca do Ser do ente, a «ontologia», colocar como objetivo próprio a fixação de uma «doutrina das categorias», exprime a interpretação originária do Ser do ente, quer dizer, da coisalidade da coisa, a partir do enunciado. (GA41CM:70-71)
No início dessa investigação não se pode discutir em detalhes os preconceitos que, sempre de novo, plantam e alimentam a dispensa de um questionamento do ser. Eles encontram suas raízes na própria ontologia antiga. Esta, por sua vez, pode apenas ser interpretada de modo suficiente – quanto ao fundamento de onde brotaram os conceitos e quanto à adequação das justificativas propostas para as CATEGORIAS e sua completude – esclarescendo-se e respondendo à questão do ser. Por isso nós só conduziremos a discussão dos preconceitos até onde se possa ver a necessidade de se repetir a questão sobre o sentido do ser. STMSC: §1
1. “Ser” {CH: o ente, a entidade} é o conceito “mais universal”: to on esti katholou malista panton. Illud, quod primo cadit sub apprehensione, est ens, cuius intellectus includitur in omnibus, quaecumque quis apprehendit. “Uma compreensão de ser já está sempre incluída em tudo que se apreende no ente”. A “universalidade” de “ser”, porém, não é a do gênero. “Ser” não delimita a região suprema do ente, pois esse se articula conceitualmente segundo gênero e espécie: oute to on genos. A “universalidade” do ser “transcende” toda universalidade genérica. Segundo a terminologia da ontologia medieval, “ser” é um “transcendens”. A unidade desse “universal” transcendental frente à multiplicidade dos conceitos reais mais elevados de gênero foi entendida já por Aristóteles como unidade da analogia. Com essa descoberta, Aristóteles apresentou em nova base o problema do ser, apesar de toda a dependência do questionamento ontológico de Platão. No entanto, ele também não esclareceu a obscuridade desses nexos categoriais. A ontologia medieval discutiu variadamente o problema, sobretudo nas escolas tomista e escotista, sem, no entanto, chegar a uma clareza de princípio. E quando, por fim, Hegel determina o “ser” como o “imediato indeterminado” e coloca essa determinação à base de todas as ulteriores explicações categoriais de sua Lógica, ele ainda permanece na mesma direção da antiga ontologia com a diferença de que abandona o problema já colocado por Aristóteles da unidade do ser face à multiplicidade das “CATEGORIAS” reais. Quando se diz, portanto: “ser” é o conceito mais universal, isso não pode significar que o conceito de ser seja o mais claro e que não necessite de qualquer discussão ulterior. Ao contrário, o conceito de “ser” é o mais obscuro. STMSC: §1
A questão do ser visa, portanto às condições a priori de possibilidade não apenas das ciências que pesquisam os entes em suas entidades e que, ao fazê-lo, sempre já se movem numa compreensão de ser. A questão do ser visa às condições de possibilidade das próprias ontologias que antecedem e fundam as ciências ônticas. Por mais rico e estruturado que possa ser o seu sistema de CATEGORIAS, toda ontologia permanece, no fundo, cega e uma distorção de seu propósito mais autêntico se, previamente, não houver esclarecido, de maneira suficiente, o sentido de ser e não tiver compreendido esse esclarecimento como sua tarefa fundamental. STMSC: §3
Uma analítica da presença (Dasein) constitui, portanto, o primeiro desafio no questionamento da questão do ser. Assim, torna-se premente o problema de como se deve alcançar e garantir a via de acesso à presença (Dasein). Negativamente: a esse ente não se deve aplicar, de maneira construtiva e dogmática, nenhuma ideia de ser e realidade por mais “evidente” que seja. Nem se devem impor à presença (Dasein) “CATEGORIAS” delineadas por tal ideia. Ao contrário, as modalidades de acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que esse ente possa mostrar-se em sisi mesmo e por si mesmo. Elas têm de mostrar a presença (Dasein) tal como ela é antes de tudo e na maioria das vezes, em sua cotidianidade mediana. Da cotidianidade não se devem extrair estruturas ocasionais e acidentais, mas estruturas essenciais. Essenciais são as estruturas que se mantêm ontologicamente determinantes em todo modo de ser da presença (Dasein) fática. Do ponto de vista da constituição fundamental da cotidianidade da presença (Dasein), poder-se-á, então, colocar em relevo o ser desse ente. STMSC: §5
A tradição assim predominante tende a tornar tão pouco acessível o que ela “lega” que, na maioria das vezes e numa primeira aproximação, ela o encobre e esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade da evidência, obstruindo, assim, a passagem para as “fontes” originais, de onde as CATEGORIAS e os conceitos tradicionais foram hauridos, em parte de maneira autêntica e legítima. A tradição até faz esquecer essa proveniência. Cria a convicção de que é inútil compreender simplesmente a necessidade do retorno às origens. A tradição desarraiga de tal modo a historicidade da presença (Dasein) que ela acaba se movendo apenas no interesse pela multiplicidade e complexidade dos possíveis tipos, correntes, pontos de vista da filosofia, no interior das culturas mais distantes e estranhas. Com esse interesse, ela procura encobrir seu próprio desarraigamento e ausência de solidez. A consequência é que, com todo o seu interesse pelos fatos historiográficos e em toda a sua avidez por uma interpretação filologicamente “objetiva”, a presença (Dasein) já não é capaz de compreender as condições mais elementares que possibilitam um retorno positivo ao passado, no sentido de sua apropriação produtiva. STMSC: §6
Todas as explicações resultantes da analítica da presença (Dasein) são conquistadas a partir de sua estrutura existencial. Denominamos os caracteres ontológicos da presença (Dasein) de existenciais porque eles se determinam a partir da existencialidade. Estes devem ser nitidamente diferenciados das determinações ontológicas dos entes que não têm o modo de ser da presença (Dasein), os quais chamamos de CATEGORIAS. Esta expressão é tomada aqui em seu significado ontológico primário. A antiga ontologia retirava dos entes, que vêm ao encontro dentro do mundo, a base exemplar de sua interpretação do ser. Considerava a via de acesso ao ser o noein e o logos. No logos, o ente vem ao encontro. Mas o ser deste ente só pode ser apreendido num logos (deixar e fazer ver) privilegiado, de tal maneira que este ser se torne compreensível antecipadamente como aquilo que ele é e já se dá sempre em todos os entes. kategoreisthai é dizer previamente o ser em toda discussão (logos) sobre o ente. A palavra kategoreisthai significa: acusar publicamente, dizer na cara de alguém, diante de todos. Numa perspectiva ontológica, a palavra significa: dizer na cara dos entes o que, como ente, cada um deles é, ou seja, deixar e fazer todos verem o ente em seu ser. O que se vê e se torna visível neste deixar ver são as kategoriai. Elas abarcam as determinações a priori dos entes ditos e discutidos no logos de várias maneiras. Existenciais e CATEGORIAS são as duas possibilidades fundamentais de caracteres ontológicos. O ente, que lhes corresponde, impõe, cada vez, um modo diferente de se interrogar primariamente: o ente é um quem (existência) ou um que (algo simplesmente dado no sentido mais amplo). Somente depois de se esclarecer o horizonte da questão do ser é que se poderá tratar da conexão entre esses dois modos de caracteres ontológicos. STMSC: §9
O “ser-junto” ao mundo, no sentido de empenhar-se no mundo, o que ainda deve ser interpretado mais precisamente, é um existencial fundado no ser-em. Nestas análises, trata-se de ver uma estrutura originária do ser da presença (Dasein), cujo conteúdo fenomenal deve ser articulado pelos conceitos de ser. Como, no entanto, esta estrutura não pode ser apreendida em princípio pelas CATEGORIAS ontológicas tradicionais, este “ser-junto-a” deve ser explicado mais de perto. Escolhemos, mais uma vez, a via em que se lhe contrapõe uma relação de ser ontologicamente diversa, ou seja, a relação categorial, que exprimimos com as mesmas formas verbais. Estas apresentações fenomenais de distinções ontológicas fundamentais que, no entanto, se podem facilmente confundir, devem ser realizadas explicitamente, mesmo correndo-se o perigo de se discutir “evidências”. O estado da análise ontológica mostra, porém, que de há muito não temos, suficientemente sob nossas “garras” estas evidências e só raramente as interpretamos de acordo com o sentido de seu ser e que, sobretudo, ainda não dispomos de conceitos adequados para uma cunhagem segura de sua estrutura. STMSC: §12
No âmbito do presente campo de investigação, as diferenças repetidas vezes marcadas entre as estruturas e dimensões da problemática ontológica devem-se manter fundamentalmente separadas: 1) o ser dos entes intramundanos, que primeiro vêm ao encontro (manualidade); 2) o ser dos entes (ser simplesmente dado) que se acham e se podem determinar num percurso autônomo de descoberta através dos entes que primeiro vêm ao encontro; 3) o ser da condição ôntica de possibilidade da descoberta de entes intramundanos em geral, a mundanidade {CH: melhor, a vigência do mundo} do mundo. Este último é uma determinação existencial do ser-no-mundo, ou seja, da presença (Dasein). Os outros dois conceitos de ser são CATEGORIAS e abrangem entes que não possuem o modo de ser da presença (Dasein). Pode-se apreender formalmente o conceito referencial que constitui o mundo como significância no sentido de um sistema de relações. Deve-se, porém, observar que tais formalizações nivelam de tal modo os fenômenos que, em remissões tão “simples” como as que a significância abriga, perdem o conteúdo propriamente fenomenal. Essas “relações” e “relatas” do ser-para, do ser em virtude de, do estar com de uma conjuntura, em seu conteúdo fenomenal, resistem a toda funcionalização matemática; também não são algo pensado, posto pela primeira vez pelo pensamento, mas remissões em que a circunvisão da ocupação sempre se detém como tal. Esse “sistema de relações” constitutivo da mundanidade dissolve tão pouco o ser do manual intramundano que, na verdade, é só com base na mundanidade do mundo que ele pode descobrir-se em seu “em-si substancial”. E somente quando o ente intramundano em geral puder vir ao encontro é que subsiste a possibilidade de se tornar acessível o que, no âmbito deste ente, é simplesmente dado. Com base neste ser simplesmente dado é que se podem determinar matematicamente “propriedades” desses entes em “conceitos de funções”. Conceitos de função dessa espécie só se tornam ontologicamente possíveis remetendo-se a um ente cujo ser possui o caráter de pura substancialidade. Conceitos de função não são outra coisa do que conceitos formalizados de substância. STMSC: §18
Porque a fala é constitutiva do ser do pre (das Da), isto é, da disposição e do compreender, a presença (Dasein) significa então: como ser-no-mundo, a presença (Dasein) se pronunciou como ser-em uma fala. A presença (Dasein) possui linguagem. Terá sido mero acaso que os gregos depositaram a sua existência cotidiana predominantemente no espaço aberto pela fala convivial, guardando ao mesmo tempo olhos para ver, tanto na interpretação filosófica como na pré-filosófica da presença (Dasein), a essência do homem determinada como zoon logon echon {CH: o homem como o que “colhe”, recolhendo-se no ser-vigente na abertura dos entes (mas estes em segundo plano)}? A interpretação posterior dessa caracterização do homem, no sentido de animal rationale, “animal racional”, não é, com efeito, “falsa”, mas encobre o solo fenomenal que deu origem a essa definição da presença (Dasein). O homem mostra-se como um ente que é na fala. Isso não significa que a possibilidade de articulação verbal seja apenas própria do homem, e sim que o homem se realiza no modo de descoberta de mundo e da própria presença (Dasein). Os gregos não dispunham de uma palavra própria para linguagem porque entendiam esse fenômeno “sobretudo” como fala. Por outro lado, porque na reflexão filosófica o logos foi visualizado, sobretudo como enunciado, a elaboração das estruturas básicas das formas e dos integrantes da fala se deu de acordo com este logos. A gramática buscou seus fundamentos na “lógica” deste logos. Esta, por sua vez, se funda na ontologia do simplesmente dado. O acervo das “CATEGORIAS semânticas”, herdado pela linguística posterior e ainda hoje decisivo em seus princípios, orienta-se pela fala entendida como enunciado. Tomando, porém, esse fenômeno em toda a originariedade fundamental e em todo o alcance de um existencial, será necessário transpor a linguística para fundamentos mais originários do ponto de vista ontológico. A tarefa de libertar a gramática da lógica necessita de uma compreensão preliminar e positiva da estrutura a priori da fala como existencial. Essa tarefa não pode ser cumprida subsidiariamente através de correções e complementações do que foi legado pela tradição. Nesse propósito, devem-se questionar as formas fundamentais em que se funda a possibilidade semântica de articulação do que é susceptível de compreensão e não apenas dos entes intramundanos conhecidos teoricamente e expressos em proposições. A semântica não se constitui por si mesma de uma comparação ampla do maior número possível de línguas e das línguas mais distantes entre si. Também não basta assumir o horizonte filosófico em que W.v. Humboldt problematizou a linguagem. A semântica tem suas raízes na ontologia da presença (Dasein). O seu florescimento ou fenecimento está atrelado ao destino da presença (Dasein). STMSC: §34
Na ordem dos nexos ontológicos fundamentais, das referências existenciais e CATEGORIAS possíveis, realidade remete ao fenômeno da cura. Que a realidade se funda ontologicamente no ser da presença (Dasein), isso não pode significar que o real só poderá ser em sisi mesmo aquilo que é se e enquanto existir a presença (Dasein). STMSC: §43
O interesse predominante das considerações seguintes voltase para as “variações” de fim e totalidade, as quais, em sendo determinações ontológicas da presença (Dasein), devem orientar uma interpretação originária desse ente. Sem perder de vista a constituição existencial já exposta da presença (Dasein), devemos tentar decidir em que medida os conceitos de fim e totalidade que, de início, se impõem, quer como CATEGORIAS quer de modo indeterminado, são ontologicamente inadequados à presença (Dasein). A recusa de tais conceitos deve, por fim, indicar positivamente as suas regiões específicas. Com isso, consolida-se a compreensão de fim e totalidade nas variações como existenciais, o que haverá de garantir a possibilidade de uma interpretação ontológica da morte. STMSC: §48
Como se deve conceber essa unidade? Como a presença (Dasein) pode existir, numa unidade, nos modos e possibilidades de seu ser? Manifestamente, só enquanto esse ser for ele mesmo em suas possibilidades essenciais, enquanto eu sempre {CH: a própria presença (Dasein) é esse ente} sou esse ente. Aparentemente, o “eu” “sustenta numa coesão”, a totalidade do todo estrutural. Na “ontologia” desse ente, o “eu” e o “si-mesmo” foram, desde sempre, concebidos como fundamento de sustentação (substância e sujeito). Já na caracterização preparatória da cotidianidade, a presente analítica deparou-se com a questão do quem da presença (Dasein). Mostrou-se que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença (Dasein) não é ela mesma mas perdeu-se {CH: o “eu” como o si-mesmo, em certo sentido, “o mais próximo”, em primeiro plano e, assim, aparente} no impessoalmente-si-mesmo. Este é uma modificação existenciária do si-mesmo em sentido próprio. A questão da constituição ontológica do si-mesmo ficou sem resposta. Os fios condutores do problema foram, sem dúvida, fixados em princípio. Se o si-mesmo pertence às determinações essenciais da presença (Dasein), cuja “essência” reside na existência, então tanto a estrutura do eu quanto a do si-mesmo devem ser concebidas existencialmente. Mostrou-se também de forma negativa que a caracterização ontológica do impessoal proíbe qualquer aplicação das CATEGORIAS de ser simplesmente dado (substância). Em princípio, esclareceu-se que: do ponto de vista ontológico, a cura não pode ser derivada da realidade e nem construída segundo as CATEGORIAS de realidade. A cura já abriga em si o fenômeno do si-mesmo e, caso esta tese se justifique, a expressão “cura de si mesmo” é uma tautologia, cunhada em correspondência à preocupação enquanto cuidado com os outros. Nesse caso, o problema da determinação ontológica do si-mesmo da presença (Dasein) torna-se uma questão aguda, isto é, a questão do “nexo” existencial entre cura e si-mesmo. STMSC: §64
O esclarecimento da existencialidade do si-mesmo tem como ponto de partida “natural” a auto-interpretação cotidiana da presença (Dasein) que, ao dizer-eu, pronuncia-se a respeito de “si-mesma”. Isso não implica necessariamente uma verbalização. Dizendo “eu”, esse a ente quer dizer si-mesmo {CH: esclarecer melhor: dizer-eu e ser-si-mesmo}. Considera-se o conteúdo desta expressão absolutamente simples. Cada vez, ele significa apenas eu e nada mais. Sendo simples, o “eu” também não é uma determinação de outras coisas. Não é, em si-mesmo, um predicado mas o “sujeito” absoluto. Aquilo que se pronuncia e endereça no dizer-eu é enfrentado como mantendo-se sempre o mesmo. Os caracteres de “simplicidade”, “substancialidade” e “personalidade” que Kant, por exemplo, colocou à base de sua doutrina “Dos paralogismos da Razão Pura” brotam de uma autêntica experiência pré-fenomenológica. A questão é se o que é experimentado onticamente pode ser ontologicamente interpretado através das chamadas “CATEGORIAS”. STMSC: §64
Com a questão dos predicamentos abordamos o próprio conteúdo do livro das Categorias de Aristóteles, texto contido no Organon. Este conteúdo se divide em três partes, das quais a última é de autenticidade discutida, mas geralmente reconhecida.
A primeira parte (c. 1-3) é uma espécie de introdução compreendendo diversas distinções das quais a mais importante é a do termo em homônimos, sinônimos e parônimos. Os escolásticos denominaram esta introdução: De ante-praedicamentis (ante-predicamentos).
A segunda parte (c. 4-9) , que constitui o corpo do livro, trata das categorias ou predicamentos.
A terceira parte (c. 10-15), os post-praedicamenta (pós-predicamentos) dos escolásticos, é consagrada às noções gerais que dominam a distinção dos predicamentos. (Gardeil)
gr. kategoriai platônicas, eidos 13; aristotélicas e plotinianas, genos; matéria não incluída em, hyle 1; listas aristotélicas, kategoriai; ser, uno, e bem definidos analogicamente através de todas as categorias, on 3 (FEPeters)
(gr. kategoria; lat. praedicamentum; in. Category; fr. Catégorie; al. Kategorie; it. Categoria).
Em geral, qualquer noção que sirva como regra para a investigação ou para a sua expressão linguística em qualquer campo. Historicamente, o primeiro significado atribuído às categorias é realista: elas são consideradas determinações da realidade e, em segundo lugar, noções que servem para indagar e para compreender a própria realidade. Foi essa a concepção de Platão, que as chamou de “gêneros supremos” e enumerou cinco desses gêneros, a saber: o ser, o movimento, o repouso, a identidade e a alteridade (Sof., 254 ss.). Assim como alguns desses gêneros estão interligados e outros não, também as partes do discurso, isto é, as palavras, se interligam, e quando essa mescla corresponde à real, o discurso é verdadeiro; caso contrário é falso (Ibid., 263 ss.). Essa correspondência entre a realidade e o discurso, através das determinações categoriais, é também a base da teoria da Aristóteles. Este, porém, parte de um ponto de vista linguístico: as categorias são os modos em que o ser se predica das coisas nas proposições, portanto os predicados fundamentais das coisas. Enumera dez categorias, exemplificando como segue: 1) substância, p. ex.: homem ou cavalo; 2) quantidade, p. ex.: dois côvados; 3) qualidade, p. ex. branco; 4) relação, p. ex.: maior; 5) lugar, p. ex.: no liceu; 6) tempo, p. ex.: ontem; 7) posição, p. ex.: está sentado; 8) ter, p. ex.: usa sapatos; 9) agir, p. ex.: cortar; 10) sofrer, p. ex.: ser cortado (Top., I, 9, 103 b 20 ss.; Cal, 1 b 25 ss.). A relação entre as categorias e o ser é assim explicada: “Porquanto a predicaçâo afirma às vezes o que uma coisa é, às vezes a sua qualidade, às vezes a sua quantidade, às vezes a sua relação, às vezes aquilo que faz ou o que sofre e às vezes o lugar onde está ou o tempo, segue-se que tudo isso são modos do ser” (Met., V, 7, 1017 a 23 ss.). Esse conceito de categoria como determinação pertencente ao próprio ser e do qual o pensamento deve servir-se para conhecê-lo e exprimi-lo em palavras durou muito tempo; e por muito tempo as escolas filosóficas ou os filósofos só discordaram quanto ao número ou a distinção das categorias. Assim, os estoicos reduziram-nas a quatro: substância, qualidade, modo de ser e relação (Simplício, In Cat., f. 16 d). Plotino retornou aos cinco gêneros supremos de Platão (Enn., VI, 1, 25). Na Idade Média, a única alternativa à doutrina do fundamento real das categorias é o seu caráter puramente verbal, defendido pelo nominalismo. Ockham afirma claramente que as categorias não passam de signos das coisas, signos simples com os quais podem ser constituídos “complexos” verdadeiros ou falsos (De corpore Christi, 15; In Sent., I, d. 30, q. 2,1). Portanto, a distinção das categorias não implica uma distinção paralela entre os objetos reais, já que nem sempre a conceitos ou a palavras distintas correspondem coisas distintas. As categorias de substância, qualidade e quantidade, embora distintas como conceitos, significam a mesma coisa (Quodl., V, q. 23). Essa negação radical da realidade das categorias deriva da negação total que o nominalismo medieval fazia de qualquer realidade universal. Esse ponto de vista equivale a considerar as categorias como simples nomes que se referem a classes de objetos.
A doutrina de Kant nada tem a ver com esse nominalismo, embora também negue o realismo da concepção clássica. Para Kant as categorias são os modos pelos quais se manifesta a atividade do intelecto, que consiste, essencialmente, “em ordenar diversas representações sob uma representação comum”, isto é, em julgar. Elas são, portanto, as formas do juízo, isto é, as formas em que o juízo se explica, independentemente do seu conteúdo empírico. Por isso, as categorias podem ser extraídas das classes do juízo, enumeradas pela lógica formal. “Desse modo”, diz Kant, “surgem tantos conceitos puros do intelecto, que se aplicam a priori ao objetos da intuição em geral, quantas eram as funções lógicas em todos os juízos possíveis no quadro precedente (isto é, na classificação dos juízos); porque as chamadas funções esgotam completamente o inelecto e põem à prova o seu poder” (Crít. R. Pura, Anal. dos conceitos, § 10). As categorias são os conceitos primitivos do intelecto puro e condicionam todo o conhecimento intelectual e a própria experiência; mas elas não se aplicam às coisas em si, e o conhecimento que delas se vale (isto é, todo o conhecimento humano) não pode estender-se, portanto, a tais “coisas em si” ou “númenos”. As categorias são, todavia, condições da validade objetiva do conhecimento, isto é, do juízo em que o conhecimento se concretiza. Com efeito, um juízo é uma conexão entre representações, mas tal conexão não é subjetiva, logo não vale só para o sujeito isolado que a efetua, mas é feita em conformidade com uma categoria, isto é, segundo um modo, uma regra que é igual para todos os sujeitos e que, portanto, confere necessidade e objetividade àquilo a que se ligou na percepção (Prol, § 22). A doutrina de Kant sobre as categorias pode, por isso, ser reduzida a dois pontos fundamentais: 1) as categorias dizem respeito à relação sujeito-objeto e, por isso, não se aplicam a uma eventual “coisa em si” que esteja fora dessa relação; 2) as categorias constituem as determinações dessa relação e são, portanto, válidas para qualquer ser pensante finito. Kant enumerava doze categorias, correspondentes às doze classes de juízos: 1) categoria de quantidade, unidade, multiplicidade, totalidade; 2) categoria de qualidade. realidade, negação, limitação; 3) categoria de relação-, inerência e subsistência (substância e acidente), causalidade e dependência (causa e efeito), comunhão (ação recíproca); 4) categoria de modalidade. possibilidade-impossibilidade, existência-inexistência, necessidade-contingência. O conceito kantiano das catewgorias continuou prevalecendo na filosofia moderna e contemporânea, se bem que mesmo os filósofos mais estritamente kantianos não tenham entrado num acordo sobre o “quadro” das categorias. Em geral, os neocriticistas procuraram simplificar e unificar esse quadro; Renouvier, p. ex., considerou fundamental a categoria relação (já que a consciência é relação) e considerou as outras (número, extensão, duração, qualidade, devir, força, finalidade, personalidade) como determinações e especificações dela (Essai de critique générale, I, 1854, pp. 86 ss.). E Cohen considerou como categoria fundamental a do sistema, porque a unidade do objeto, em que se funda a unidade da natureza, é uma unidade sistemática (Logik, p. 339). Mas, embora não tenha havido filósofo de inspiração kantiana que não tenha desejado criar seu quadro de categoria, o conceito kantiano permaneceu inalterado para toda a parcela da filosofia moderna que se inspira em Kant. Todavia, esse conceito não é o único na filosofia moderna e contemporânea. O conceito tradicional de categoria como “determinação do ser” foi retomado pelo idealismo romântico e, em especial, por Hegel. Este considera as categorias como “determinações do pensamento” e atribui a Fichte o mérito de haver afirmado a exigência da sua “dedução”, isto é, da demonstração da sua necessidade (Enc., § 43). Mas na verdade, para Hegel, as determinações do pensamento são, simultaneamente, as determinações da realidade (pela identidade, por ele formulada, entre realidade e razão) e, habitualmente, chama essas determinações de “momentos”, e não de categoria A única categoria que ele reconhece verdadeiramente como tal é a própria realidade-pensamento, isto é, a autoconsciência, o eu ou a razão. Em Fenomenologia (I, cap. V, § 2), diz: “O eu é a única essencialidade pura do ente ou a categoria simples. A categoria, que de outro modo tinha o significado de ser a essencialidade do ente, essencialidade indeterminada do ente em geral ou do ente contra a consciência, agora é essencialidade ou simples unidade do ente, considerado apenas como realidade pensante: ou seja, a categoria consiste no fato de autoconsciência e ser serem a mesma coisa”. Quer dizer: a categoria não deve ser considerada como uma determinação do ser em geral, mas como a consciência e, portanto, a própria realidade. Essa teoria do eu e da consciência ou do espírito como única categoria permaneceu lugar-comum de todas as formas de idealismo romântico. Simetricamente oposta à de Hegel é a doutrina de Heidegger, para quem a categoria não é a determinação da autoconsciência ou do eu, mas do ser das coisas. Heidegger faz a distinção entre os existenciais (Existentialen), que são as determinações do ser e da realidade humana, do ser-aí (Dasein), e as outras categorias, que são “determinações do ser dos entes não conformes ao ser-aí”: isto é, determinações do ser das coisas (Sein und Zeit, § 9).
Na filosofia contemporânea, encontra-se tanto a retomada da concepção clássica e da concepção kantiana da categoria, quanto novas generalizações sobre seu significado: 1- A concepção clássica da categoria como “determinação do ser” é retomada por N. Hartmann, que considera as categorias como as estruturas necessárias do ser em si. Tais estruturas produzem a estratificação do mundo numa série de planos. Existem as categorias fundamentais, que pertencem a todos os planos do ser, e que são as categorias modais; há as categorias bipolares (qualidade-quantidade; contínuo-descontínuo; forma-matéria, etc.) e, em terceiro lugar, as categorias do real, que determinam os caracteres da realidade efetiva e que se dividem em quatro grupos, correspondentes ao princípio do valor, ao princípio da crença, ao princípio da planificação e ao princípio da dependência (Aufbau der realen Welt, 1940). 2a A concepção kantiana de categoria como condição do objeto e o encaminhamento para a concepção instrumental da categoria unem-se na doutrina de Husserl. Para ele, a noção de categoria vincula-se à de região ontológica e designa o conceito que serve para definir uma região em geral ou o que entra na definição de uma região particular (p. ex., “a natureza física”). Os conceitos que entram na definição de uma região em geral — e por isso são empregados nos axiomas lógicos — são chamados por Husserl de “categoria lógicas”, ou “categoria da região”. São os conceitos de propriedade, qualidade, relação de coisas, relação, conjunto, número, etc. Têm afinidade com essas categorias as chamadas “categoria do significado”, inerentes à essência da proposição. categoria lógicas e categoria do significado são analíticas. Já os conceitos que entram na constituição dos axiomas regionais são chamados por Husserl de categoria sintéticas. “Os conceitos fundamentais sintéticos ou categorias”, diz Husserl, “são os conceitos regionais fundamentais (referem-se por essência a uma região determinada e aos seus princípios sintéticos), de tal modo que há tantos grupos distintos de categoria quantas são as regiões” (Ideen, I, § 16). Para Husserl, as categorias têm sempre caráter objetivo, já que as regiões ontológicas, cujos axiomas servem para exprimir, são as formas da objetividade: ou da objetividade em geral ou de uma objetividade específica. Também existem, portanto, “categoria do substrato” (Ibid., § 14), que se diferenciam das precedentes categorias “sintáticas” (isto é, derivadas) porque se referem a substratos inderiváveis, isto é, de natureza concreta e individual: a essência material e o “este aqui”, que, no fundo, é o indivíduo (Ibid., § 16). Nessa concepção husserliana de categoria, prevalecem os traços realistas, embora o objeto ou as regiões ontológicas de que Husserl fala ainda sejam objetos da intencionalidade da consciência. 3) Em algumas outras correntes da filosofia contemporânea, como p. ex. no empirismo lógico, as categorias são consideradas regras convencionais que regem o uso dos conceitos. Assim, p. ex., Ryle chama de “tipo ou categoria lógica de um conceito o conjunto de modos nos quais, por convenção, é lícito utilizar o termo respectivo” (Concept of Mind, Intr., trad. it., p. 4). Essa é, certamente, a noção menos dogmática e mais geral de categoria que a filosofia propôs até hoje, mas ainda contém certo dogmatismo, pois limita as categorias às já estabelecidas pelo uso linguístico comum, negando implicitamente a validade de qualquer nova proposta. Contudo, cientistas, filósofos e pesquisadores em geral sempre exerceram o direito de propor novas categorias, isto é, novos instrumentos conceituais de investigação e de expressão linguística. Donde a necessidade de formular a noção de categoria exatamente como a de tal instrumento: noção que, além de tudo, tem a vantagem de caracterizar igualmente bem a função efetiva de todos os conceitos de categoria historicamente propostos. (Abbagnano)
Os conceitos que a todos nós convém precisar em Aristóteles referem-se à estrutura do ser. A estrutura do ser vamos dividi-la para sua exposição em três problemas: primeiramente, a estrutura do ser em geral; em segundo lugar, a estrutura da substância, e em terceiro lugar, a estrutura daquilo que poderíamos chamar a realização. Vamos estudar, pois, sucessivamente no sistema aristotélico essas três estruturas do ser em geral, da substância, e da realização.
A estrutura do ser em geral é um problema que obsedou a Aristóteles. Em diferentes passagens de sua Metafísica aborda esse problema e o larga logo depois. É um problema muito difícil. Aristóteles teve a sensação clara de sua dificuldade. E num lugar, no começo da Lógica, no livro das Categorias, faz esta arremetida, e talvez seja a arremetida mais forte que faz Aristóteles do problema do ser, tanto que nesse momento propõe pela primeira vez na história da filosofia uma questão que, desde então, não cessará, até nossos dias inclusive, de ser estudada pelos filósofos: a questão compreendida sob este nome dê “categorias” Aristóteles quer penetrar na estrutura mesma do ser, e o faz em diferentes lugares e com diferentes intenções em sentidos distintos. Neste livro das Categorias chega a precisar com bastante exatidão o que ele entende por estrutura do ser. Ele quer encontrar aqueles pontos de vista dos quais podemos considerar qualquer ser, o ser em geral, e pretende fixá-los conceptualmente. Mas como Aristóteles está profundamente imbuído do postulado parmenídico da identidade entre o ser e o pensar, estes nossos pontos de vista, desde os quais podemos focalizar a contemplação do ser, aparecem-lhe imediata e indistintamente como propriedades objetivas do próprio ser. É assim que as categorias vão ser, para Aristóteles, tanto diretrizes do pensamento lógico como aspectos reais, embora gerais, de todo o ser em geral.
Vamos começar tomando as categorias no seu aspecto lógico. Se nos encontrarmos ante uma realidade, um ser, e nos perguntarmos quais são os diferentes pontos de vista nos quais podemos nos situar para dizer desse ser aquilo que é, então acharemos um certo número de modos, maneiras de predicar o ser, maneiras de atribuir ao sujeito um predicado. A primeira maneira de atribuir ao sujeito um predicado chama-a Aristóteles “substância”. Já conhecemos este termo. A substância é a primeira categoria que ele enumera na sua lista: é o ponto de vista no qual nos situamos para dizer que algo “é”: este é o homem, este é cavalo, este é peixe. Quando dizemos de algo que é isto ou aquilo, aquilo que é, então consideramos este algo como uma substância e o que dele dizemos isto é ele.
Mas não nos colocamos somente neste ponto de vista. Vem um segundo ponto de vista. De algo que é real podemos também predicar o muito e o pouco, podemos dizer de um homem que é grande ou pequeno; podemos dizer de um cavalo que é grande ou pequeno; de uma coleção de coisas que são muitas ou poucas. De sorte que temos aqui outro ponto de vista do qual focalizamos o ser e que Aristóteles chama a “quantidade”.
Mas qualquer ser pode ser ainda focalizado de um terceiro ponto de vista. Depois de ter dito o que é e quanto é, ainda podemos dizer que é vermelho, verde, nobre, ignóbil, feio, bonito, Este é o ponto de vista que Aristóteles chama a “qualidade”.
Logo consideramos os seres uns em relação aos outros. De um ser podemos predicar igualmente que é maior do que outro, menor do que outro, igual a outro. A este tipo de predicação chama Aristóteles “relação”.
Podemos, ainda, ante um ser tentar determinar onde está, e dizer: está aqui ou lá, em Atenas. A este ponto de vista sobre qualquer ser chama Aristóteles “lugar”.
Do mesmo modo temos o ponto de vista do “tempo”. De um ser podemos predicar quando é, quando deixa de ser, quando foi. Podemos dizer que é agora e continua a ser ou que deixou de ser.
Outro ponto de vista é determinar em um ser aquilo que esse ser faz. Dizemos de um machado que é cortante; dizemos de uma semente que germina. A este ponto de vista chama Aristóteles “ação”.
E, por último, de qualquer ser podemos também predicar, não o que ele é, mas o que ele padece, o que ele sofre; a árvore é cortada; o homem é morto. A esse ponto de vista chama Aristóteles “paixão”.
Teremos, por conseguinte, esta lista de oito categorias que acabo de enumerar e que são: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, ação e paixão. Em certas passagens acrescenta mais duas que desaparecem em outras passagens, e que são a “posição”, ou seja, dizer de um ser que está deitado, sentado, erguido etc, e o “estado” que quer dizer um ser que, por exemplo, está armado ou desarmado. Que está florescido ou sem florescer, seco ou úmido. Estas duas últimas devem ter produzido na mente de Aristóteles dificuldades de caráter metafísico e lógico, porque às vezes as suprime; e a tradicional lista das categorias que se encontra em qualquer história da filosofia restringe-se às oito que enumerei.
O problema proposto aqui por Aristóteles pela primeira vez ó extraordinariamente interessante. É o problema da estrutura do ser. Já Aristóteles considera que esta estrutura do ser é, ao mesmo tempo, estrutura do pensar; quer dizer, que já Aristóteles dá às categorias um sentido ao mesmo tempo lógico e ontológico. Do ponto de vista lógico, chama-as predicáveis ou predicamentos: são os atributos mais gerais que se podem fazer na formação de juízos. Do ponto de vista ontológico considera-as como as formas elementares de todo ser, como aquelas formas que, impressas na matéria, constituem o mínimo de forma necessária para que o ser seja.
Essas duas concepções — a ontológica e lógica — fundemse em Aristóteles; não adverte claramente que possam separar-se. não considera real, possível, que se cindam, e que as categorias sejam consideradas por uns como elementos primários da realidade e por outros como elementos primários do pensamento.
A lista oferece, sem dúvida, o flanco a um grande número de críticas. Lembrarei simplesmente que Kant lhe fez uma objeção de certa importância, mas que está inspirada, precisamente pelas ideias próprias que Kant tem das categorias. A objeção de Kant foi que as categorias de Aristóteles não estão deduzidas de um princípio geral do qual fossem extraídas metodicamente, mas estão numeradas ao acaso. Com efeito, estas categorias de Aristóteles não as deduz ele de nenhum princípio; o que faz é enumerá-las. Ele próprio se coloca, por assim dizer, na atitude intuitiva daquele que vai predicar algo acerca do ser e ele próprio vai sucessivamente situando-se nos distintos pontos de vista. A prova de que não são pontos de vista deduzidos é que tanto faz serem oito ou dez, faltando os últimos dois que às vezes põe e as vezes tira. Mas esta é uma censura que se deve poupar a Aristóteles, visto ser a primeira vez que se levanta no mundo este problema das categorias.
Outra censura, talvez não tão leviana como esta de Kant, é a que se poderia fazer a Aristóteles (e com efeito, também lhe foi feita muitas vezes) de que inclui entre as categorias a substância; não somente a inclui, como também lhe dá o primeiro lugar. A substância, todavia, não é uma categoria; a substância não é um ponto de vista de onde consideramos o ser, visto que a substância é o ser mesmo; é aquilo que consideramos de diferentes pontos de vista. Não é, pois, um ponto de vista sobre o ser, mas é o ser mesmo. Esta é, com efeito, uma falta em Aristóteles; porém é uma falta muito instrutiva, porque se vê que Aristóteles é guiado ao mesmo tempo pela ideia lógica e mitológica. E como aquilo que ele tenta determinar são as estruturas elementares do ser e do pensar, acha que a primeira coisa que de algo se pode dizer é aquilo que isso é: a substância. E então coloca a substância entre as categorias.
Este problema das categorias há de ser um dos que mais nos ocuparão nas lições próximas, porque é justamente a encruzilhada em que as teses metafísicas do realismo e do idealismo vão separar-se: a tese do realismo considerará sempre as categorias como elementos ontológicos do próprio ser, enquanto que o idealista considerará as categorias como unidades sintéticas do pensamento, quer dizer, do pensamento que constitui fora de si a noção do ser. (Morente)
Classificava-as da seguinte forma:
a) o ser como existir em si, categoria da substância (ousia);
b) os modos de ser do ser que existe em si (substância), o que lhe sucede, o que se lhe ajunta, symbebekota (v. symbebekos) que na filosofia escolástica foi substituída pelo termo acidente, mais expressivo, do verbo cadere, e da preposição ad, cair para diante, suceder.
Os acidentes são, portanto, os modos de ser da substância, os modos de ser que acontecem as substâncias.
Em grego |
em latim |
em português |
substantia (essentia) |
substância (essência) |
|
posón |
quantitas |
a quantidade |
poisón |
qualitas |
a qualidade |
prós ti |
relatio |
a relação |
pou |
ubi |
|
pote |
quando |
o tempo |
keísthai |
situs |
a situação |
éxein |
habitus |
a maneira de ser |
poiein |
actio |
a ação |
paskein |
passio |
a paixão (a determinabilidade, potência). |
O ser está no fundo de todas as coisas, pois todas as coisas (todos os entes) estão insertos no ser. O ser de um ente é a sua substância e todas as outras categorias estão insertas nele de certo modo. A substância é o que existe em sisi mesmo, enquanto os acidentes existem em outro, (inaliedade).
Não reduz Aristóteles uma categoria a outra, mas elas se dão, juntas, na substância. A qualidade não é a quantidade, nem o tempo o espaço. Mas todo o objeto corpóreo tem uma quantidade e qualidade, e se dá no tempo e no espaço (cronotopicamente).
Como não têm um gênero superior, as categorias são lógico-formalmente indefiníveis.
Mas sofrem oposições, contradições e contrariedades. Entre os contrários, que afetam a todas as categorias, cita Aristóteles, o ser e o não-ser, o um e o múltiplo, o mesmo e outro, o semelhante e o dessemelhante, o igual e o desigual, a potência e o ato.
As quatro primeiras categorias são fundamentais, mas as outras são acessórias. As categorias de tempo e espaço, etc. só se aplicam aos seres corpóreos.
A essas dez categorias, acrescenta Aristóteles cinco categorias (praedicabilia) que as completam, que são: o gênero, (genos), a espécie (eidos), a diferença (diaphora), o próprio (idion) e o accidente, (symbebekos).
Tais conceitos compreendem diversas ordens de relações. Assim o homem é uma espécie em relação ao animal, e animal um gênero em relação ao homem. Em seus trabalhos finais, Aristóteles reduziu as categorias a três: substância, qualidade e relação, mais consentânea com os atuais conhecimentos da física, e reduzia a quantidade a qualidade, (o que São Tomás aproveitou e considerou como melhor). Entretanto em “Filosofia e Cosmovisão” e “Lógica e Dialética”, já vimos que a redutibilidade do quantitativo ao qualitativo ou vice-versa, é decorrente de um vício abstratista do espírito humano. Por isso, a substituição que fizemos dessas categorias pelas de extensidade e de intensidade, (no cronotópico), mais dialéticas, a primeira por considerar a predominância do quantitativo sobre o qualitativo, e a segunda, a predominância do qualitativo sobre o quantitativo, apoiadas que são nos fatores de extensidade e de intensidade da física moderna, oferecem melhor campo de aplicação, pelo menos no que se refere ao mundo dos seres corpóreos.
Na primeira daquelas obras citadas, estudamos a classificação das categorias, proposta por Kant.
Fundamenta-as nas formas do entendimento, na faculdade de julgar. Nas operações complexas do operativo humano, as categorias as antecedem, e fundamentam os juízos.
Quadro dos juízos de Kant:
1) Quantidade: Juízo singular; Juízo particular; Juízo universal
2) Qualidade: Juízo afirmativo; Juízo negativo; Juízo infinito
3) Relação: Juízo categórico; Juízo hipotético; Juízo disjuntivo;
4) Modalidade: Juízo problemático; Juízo assertórico; Juízo apodítico
Correspondem a esses juízos as categorias seguintes:
1) Quantidade: unidade; pluralidade; totalidade
2) Qualidade: afirmação; negação; limitação
3) Relação: inerência (substância e acidente); causalidade (causa e efeito); comunidade (ação e reação)
4) Modalidade: Possibilidade e impossibilidade; Realidade e não-existência; Necessidade e contingência
Desta forma, cada uma das 4 categorias, que são as fundamentais, compreendem três outras. As duas primeiras incluem as categorias estáticas, e, as duas últimas, as categorias dinâmicas. As primeiras são simples e as outras são duplas, e possuem termos correlativos (são correlativos porque um depende do outro para afirmar-se, pois a substância exige acidentes, e vice-versa; a necessidade a contingência, a causa o efeito, etc). A terceira categoria, em cada classe, é uma síntese das duas anteriores, que são antitéticas, opostas portanto. A totalidade por ex. é a totalidade tornada unidade; a limitação é a realidade unida a negação; a necessidade é a existência real, deduzida da pura possibilidade.
Para esclarecimento: o que Kant considera como juízo infinito é aquela proposição em que é positiva sob uma relação, e negativa sob outra. Kant dá o exemplo com a seguinte proposição: a alma é não-mortal, o que quer dizer que a alma está contida no infinito das coisas que não são perecíveis.
A classificação de Kant é combatida. Assim, por ex., é acusado de ter visto apenas três tipos de relação, e ainda que é arbitrária a sua classificação e sobretudo forçada. (NA: Uma ampla análise do pensamento kantiano, oferecemos em nosso livro de próxima publicação “Os três juízos, de Kant”.)
Volvendo aos primórdios da filosofia grega, recordemos as três categorias (a tríada) pitagórica: Absoluto substancial (ser); oposição (oposição dos vetores do ser) e relação. A reciprocidade entre as antinomias da oposição é uma relação entre os opostos. Todas as outras categorias são apenas gêneros das modalidades das três categorias fundamentais (arithmoi archai), sob as quais se pode compreender todos os entes.
Queremos findar este artigo por uma síntese esquemática das categorias aristotélicas, como a colocam os tomistas, sintetizada por Gredt. Mas antes, embora se coloque cronologicamente posterior, vamos estudá-las, segundo a posição de Hegel.
O ser apresenta três faces para Hegel: tese, antítese e síntese.
Como tese, o ser é posto ante si mesmo, e como tal, é um. Mas o ser coloca-se numa variedade de coisas, e como tal é múltiplo e cada elemento da variedade é antitético aos outros. O ser é posto finalmente como parte e como todo, é então síntese, como no organismo, por exemplo.
São esses os princípios fundamentais que presidem a determinação do ser. A tese põe, a antítese nega-o, e a síntese concilia o objeto com a sua negação. Tese e antítese formam os polos de uma oposição contraditória. A síntese é uma harmonia desses opostos. (MFS)