kosmos

κόσμος (scil. aisthétós): ornamento, ordem, o universo visível, físico (ver kosmos noetos)

1. Há uma tradição (Aécio II, 1, 1 e D. L. viu, 48) de que o primeiro a descrever o universo como um kosmos foi Pitágoras; mas a noção de universo como uma ordem surge nos fragmentos dos seus antecessores (Anaximandro, Diels, frg. 12A10; Anaxímenes, Diels, frg. 13B2), e de qualquer modo é difícil traçar a sua exata evolução ao longo dos estádios: ordem, ordem deste universo, o universo como ordem. Certamente alcançou esta última conotação no tempo de Empédocles (frg. 134), enquanto a noção correlata de homem como microcosmo do universo aparece com Demócrito (frg. 34). Fossem quais fossem as origens da intuição original, os pitagóricos tinham de fato uma teoria do kosmos; o universo era um kosmos porque podia ser reduzido a proporções matemáticas (harmonia), dado que a arche de todas as coisas era o número (arithmos) (Aristóteles, Metafísica 985b), com o seu corolário ético de tentar restaurar esta harmonia cósmica na alma (ver katharsis). A mesma ideia básica fora expressa pelos Milésios, não nas fórmulas matematicamente orientadas de Pitágoras, mas numa série de figuras provenientes da esfera ética (ver Anaximandro, Diels, frg. 12A9, B1, e dike; Empédocles, frg. 30) para explicar o processo cósmico, substituindo as metáforas sexuais dos mitos primitivos.

2. Heráclito é o primeiro de que temos conhecimento a dar o passo em frente e a identificar esta ordem cósmica com a «lei» (nomos) (frg. 114), pondo deste modo em movimento uma linha de pensamento que conduziu à noção da Lei Natural (ver nomos). Heráclito chamou «divina» à lei que assegurava esta ordem (theios), mas este é apenas um dos vários fios conducentes à crença na divindade do kosmos; os outros são o vitalismo dos Milésios (ver zoe, pyr) e uma crença na divindade dos corpos celestes (ver ouranioi). Há um certo indício tardio (D. L. VIII, 25) de que os pitagóricos sustentavam a divindade do kosmos, como pode ter sido o caso de Xenófanes (Diels, fr. 21A36; Aristóteles, Metafísica 986b). Platão chama ao kosmos um «Deus visível» (horatos theos) no Timeu 92c, não com fundamentos vitalistas mas por causa do papel ético que ele desempenha na sua teoria harmoniakatharsis (ver ouranos). O seu ponto de vista mimético levou-o a postular outro kosmos não apreensível pelos sentidos, como é o nosso, mas só pela inteligência (ver kosmos noetos).

3. No seu primitivo De philosophia, frg. 18, Aristóteles reafirma a divindade do kosmos, fazendo-se eco da fórmula platônica «Deus visível»; mas, ao tempo dos tratados posteriores, a maior parte da teologia platônica desapareceu com o despertar de uma teoria refundida da physis. No sistema aristotélico plenamente desenvolvido, há apenas duas divindades (ver theos) e uma delas, o Primeiro Motor, é exterior ao kosmos (De coelo I, 279a-b). A outra é a esfera exterior do kosmos, a esfera das estrelas fixas e domínio do aither; esta é divina devido ao seu eterno movimento circular (ibid. II, 286a).

4. O panteísmo estoico restaura a divindade do kosmos (SVF II, 1027) e, seguindo as teorias do fogo (ver pyr) e pneuma, considerou-o um ser inteligente, vivo, e animado (D. L. VII, 138-139). Os céticos negaram estas duas posições (Cícero, De nat. deor. III, 9, 22-24). A natureza orgânica do kosmos foi defendida por Posidônio e foi o ponto de partida para a sua teoria da sympatheia. Contra os gnósticos, que o conceberam como produto do mal e da ignorância (ver Irineu, Adv. haer. I, 4, 1-2; I, 5, 3), tanto Fílon como Plotino defenderam o universo sensível, chamando-lhe ambos «filho de Deus» (Quod Deus, 6, 31; Enéadas V, 8, 12) na sua função como imagem (eikon) da suprema fonte transcendente (ver Enéadas II, 3, 18). [FEPeters]


A lucidez humana (ψυχή [psyche]) que detém em si a boa disposição é melhor do que aquela que está numa má. A boa disposição da existência humana é o estado anímico daquele que vê o modo como tem de se comportar, que tem em vista possibilidades não pensadas. Só assim é que ela se torna apta (άγαθή). Quando uma determinada excelência está presente, assim também aquilo que a destrói se ausenta [Górgias, 504e2]. A ordem (κόσμος) é o que, produzindo-se em cada ente, fornece a aptidão peculiar a cada coisa. Quando a perversão (κακία) nos detém a existência, o que se gera é caos e confusão. [CaeiroArete:31-32]