Kierkegaard

KIERKEGAARD (Sören Aabye), filósofo e escritor dinamarquês (Copenhague 1813 — id. 1855). É considerado o fundador do existencialismo. Sua afirmação incondicional do valor e da irredutibilidade da vida individual é, originalmente, uma reação contra o “sistema” filosófico por excelência (o de Hegel). Sua reflexão permanece ligada às vicissitudes de sua vida e a figura de sua noiva Regine Olsen persegue várias de suas obras. Suas análises da angústia, da solidão e do destino atingem a uma filosofia do homem diante de Deus, do tempo em contato com a eternidade. Sua concepção dos “estágios no caminho da vida” como estágios estético (ou sensível), ético (ou refletido) e religioso tornou-se clássico. O pensamento de Kierkegaard marcou profundamente a filosofia contemporânea (Heidegger, Jaspers. K. Barth, J.-P. Sartre). Entre suas obras, destacam-se: O conceito de angústia (1844), Etapas no caminho da vida (1845), Post-scriptum aos “Fragmentos filosóficos” (1846). Kierkegaard, que pressentia que no futuro seria “lido, muito lido”, definiu-se, entretanto, com modéstia, como “o poeta do religioso”. É também o seu herói. (Larousse)


Sören Kierkegaard (1813-1855) é hoje um filósofo de certa notoriedade, dada a sua marcante influência na filosofia chamada existencialista. Suas teses e opiniões têm uma atualidade que não conheceram quando de sua breve vida, em que permaneceu obscuro e incompreendido pelos seus contemporâneos. A eternidade é mais importante que o tempo. O homem é um egoísta, e precisa experimentar o desespero. Deus está atrás da razão e do homem. Reagiu Kierkegaard contra a religião ortodoxa dominante. [MFS]


Ainda no âmbito criado pela filosofia hegeliana, mas em profunda oposição à mesma, move-se o pensador dinamarquês Sören Kierkegaard, que viveu em Copenhague, atormentado por seus problemas religiosos e filosóficos, de 1813 a 1855. Como em Gratry, em Kierkegaard há franca hostilidade ao idealismo alemão, e um apelo decisivo à religião cristã; no caso do filósofo francês se trata do catolicismo, com a presença de toda a teologia e filosofia, desde os gregos até o século XVII; o dinamarquês refere-se, antes de tudo, à teologia protestante, porém procura igualmente compreender o ser do homem a partir de pressupostos cristãos. Algo semelhante dar-se-á com Brentano, que se desentende do kantismo para recorrer a Aristóteles e Leibniz, também interpretados de uma posição fundamentalmente cristã.

Kierkegaard está muito longe de ser um filósofo sistemático e rigoroso; foi porém um fermento eficaz, que atuou decisivamente em Unamuno — a quem legou, ao lado de uma acertada visão da existência, um irracionalismo nocivo, talvez inevitável em sua circunstância histórica — e cuja marca se denuncia inclusive em Heidegger, isto é, noi próprio núcleo da atual filosofia da existência. Interessa, pois, pelo menos ter presente um fragmento essencial de seu Post-scriptum não científico, o livro de Kierkegaard que nosso Unamuno preferia, onde fala dos dois conceitos capitais de existência e realidade. [Marías]


Não hesitamos em qualificar de romântica a filosofia de Kierkegaard, não tanto por causa da época em que se coloca como pelo tom dos sentimentos que põe em jogo e em que se aliam à mais sincera a angústia de crer e uma piedade passional.

O dinamarquês Sören Kierkegaard nasceu em 1813 para vir a morrer em 1855. Sua vida e sua obra foram dominadas por uma dupla obsessão: a lembrança do “crime” do pai — uma espécie de blasfêmia ou de abjuração — e a ferida incurável de um noivado rompido pelo excesso de algum escrúpulo desesperado. Desespero: tal é a palavra a que devemos voltar sempre ao tratar deste pensador ardente e fúnebre. Não que ele tenha incidido nesse pecado que é talvez o maior de que fala o Evangelho, mas sentiu-o e roçou por ele constantemente.

A angústia de crer, dissemos; seria melhor dizer a angústia de pensar e reintegrar essa angústia na ordem metafísica. Com efeito, este cristão não a coloca exclusivamente no problema da salvação, como o faz o comum dos cristãos, nem no temor de uma condenação sempre possível; concentra-a na impossibilidade de “pensar” a sua religião, para não dizer na impossibilidade de pensar simplesmente. “A paixão mais alta do pensamento de Kierkegaard”, escreve Benjamin Fondane, citando o próprio autor, “está em querer descobrir uma coisa que ele não possa pensar”. Compreendamos bem estas palavras, que parecem contradizer-nos: elas significam que o pensamento só se realiza plenamente quando se supera e encontra a Deus além de todo pensamento.

Entra também outro elemento, e não dos menores, nesta doutrina vivida com demasiada intensidade. Kierkegaard descobriu Schopenhauer um pouco tarde e viu-se espelhado nele. Foi efetivamente um Schopenhauer a seu modo, um Schopenhauer voltado ao avesso, convertido, e um negador do quererviver. Mas, se pretendia destruir esse quererviver, era para deixar o campo livre a Deus ou à ação divina, e nisto coincidia com um aspecto da mística cristã. São suas estas palavras características e terríveis: “Deus odeia toda existência… A finalidade desta vida é elevar ao mais alto grau o fastio de viver.”

O cristianismo é uma coisa moralmente impossível e ele o confessa, assentando que para atingi-lo não se pode prescindir de um socorro sobrenatural. E aqui se insinua um grave perigo: para o crente, escreve ainda Kierkegaard, “toda tentativa de demonstração racional das bases da é uma tarefa escabrosa, uma espécie de tentação”.

Publicou em 1844 o Conceito de angústia, em 1845 Estádios no caminho da vida. Via na estética o particular, na ética o geral e no religioso o absoluto. Especulou contra a especulação, mas o que cumpre reter dele é o tom próprio da sua.

“É um pensamento que se apresenta muito mais como uma expressão da alma e da vida do que como uma construção do espírito”, diz Regis Jolivet, o mais inteligente e o mais sensível dos seus comentadores. E, efetivamente, não temos nele um metafísico discursivo, mas um metafísico que transforma a sua metafísica em mística. A sua própria angústia torna-se elemento de crença; o pensamento já não é para ele, como para os platônicos e outros, esse rio cada vez mais caudaloso que vai perder-se nas águas divinas; estanca-se, ao contrário, ou se evapora ao aproximar-se de Deus. Esta espécie de jansenismo não é mais um jansenismo moral mas um jansenismo intelectual, não menos temível. Kierkegaard, porém, não se atemoriza. “O cristianismo a que se suprimiu o terror”, escreve ele, “não passa de um cristianismo de fantasia.”

Esta filosofia do pensador dinamarquês foi uma filosofia de ação retardada. Influiu menos no seu tempo do que no nosso, em que se tornou moda, inspirando — o que é mais importante — bons estudos e sólidas reflexões. Possui o seu valor próprio, pondo em relevo o papel que é capaz de desempenhar na crença uma certa sensibilidade da inteligência; guarda também o valor da alma que a professou, a alma atormentada mas generosa e profunda, que pintou com cores talvez um pouco sombrias este mundo ou as promessas do outro, e no entanto continua fraternal para com todos aqueles que buscam dolorosamente a verdade. [Truc]


Kierkegaard, Sören (1813-1855)

Foi educado por seu pai ancião numa severa religiosidade. Depois de uma infância triste e isolada, inscreveu-se na faculdade de teologia de Copenhague, onde primava a inspiração hegeliana. Dominado sempre por uma “autocompaixão”, nunca pôde arrancar de seu corpo a melancolia e a angústia que lhe invadiram toda a vida. Graduou-se em teologia em 1840, mas não se decidira estudar e escrever até praticamente seus últimos anos. Seu Diário no-lo apresenta sumamente angustiado. Ele próprio viveu totalmente a figura que tão bem descreve nas páginas finais do Conceito da angústia: “O que eu sou é um nada; isto dá a mim e a meu caráter a satisfação de conservar minha existência no ponto zero, entre o frio e o calor, entre a sabedoria e a necessidade ou entre o algo e a nada, como um simples talvez”. O ponto zero é a indecisão permanente, o equilíbrio instável entre as alternativas opostas que se abrem diante de qualquer possibilidade.

O ponto de partida da filosofia de Kierkegaard deriva da crítica de Hegel. Este, segundo Kierkegaard, ignorou os traços passionais da subjetividade humana. A verdade não é o “puro pensamento”, como acreditava o filósofo alemão; a verdade é a subjetividade. A filosofia, em consequência, como sistema de deduções, é uma pura falácia. Para Kierkegaard, a verdade fica vinculada e limitada ao sujeito existente, concreto e particular, não a seu objeto. Isto torna impossível, em última instância, que a verdade possa comunicar-se com outros indivíduos. A existência é, pois, opção e paradoxo. Esta concepção da verdade e da existência de cada sujeito permitiu ver nele o pai do existencialismo tanto cristão quanto secular.

Levou essas conclusões ao campo religioso, e mais concretamente ao cristianismo. Se a filosofia não é uma especulação, mas um modo de ser do indivíduo, também não se deve falar de uma teologia sistemática: conjunto ou sistema objetivo de verdades doutrinais. Ser cristão é viver a desde a própria existência paradoxal no Deushomem, não num conjunto de verdades. Kierkegaard acentua o abismo entre o tempo e a eternidade, entre o finito e o infinito, entre o homem e Deus. “Deus é o absolutamente desconhecido.” Existe também um abismo entre o pecado do homem e a santidade de Deus. “Sem pecado, não há cristianismo… Tirar a consciência pecadora seria como fechar as igrejas e transformá-las em salões de baile. Isto é o que torna paradoxal a do cristão: que Deus é absolutamente real e absolutamente incompreensível. Por isso mesmo, não se pode falar de Deus nem muito menos formular uma teologia.”

Somente Deus pode salvar o homem do abismo entre ambos. E isto Deus o fez na pessoa de Cristo. Deus revelou-se a si mesmo em Jesus Cristo, mas é uma revelação sob véus. Deus se manifestou em Jesus Cristo, mas isto não é patente para o observador casual. Somente aos olhos da , Deus é visto em Jesus Cristo. Somente os que têm o reconhecem e o encontram. A não é racional. E a aceitação do absurdo, do paradoxal. Kierkegaard aceita a expressão de Tertuliano: “Credo quia absurdum”. A é uma decisão pessoal, um ato de afirmação, um salto na escuridão. Pressupõe risco e compromisso pessoal e, através deste, chegamos a conhecer Deus.

Como era natural, Kierkegaard não oferece um sistema completo de doutrina. Ele próprio descreveu sua obra como “um pouco de pimenta”, como um revulsivo ou corretivo. Suas obras devem ser encaradas como uma “espécie provocativa e profética”, mais que como uma dieta regular e completa. Se levadas muito a sério, podem causar grandes desarranjos gástricos. Mencionamos as mais importantes: O conceito de ironia (1841); Diário de um sedutor (1843); Migalhas filosóficas (1844); O conceito de angústia (1844); A enfermidade mortal (1846-47); Discursos religiosos etc. Toda a sua obra e a sua vida foram dedicadas a pôr em destaque o “escândalo” e o “paradoxo” da cristã, o caráter mundano da Igreja dinamarquesa, alvo de seus ataques, e a corrupção do cristianismo por parte da filosofia de Hegel. O seu é a “existência cristã” ou o religioso paradoxal. Seu individualismo exerceu uma influência decisiva na teologia dialética e no existencialismo. Unamuno foi um dos seus admiradores e seguidores mais fervorosos.

BLIOGRAFIA: J. Collins, El pensamiento de Kierkegaard, 1958. (Santidrián)