(gr. hermeneia; lat. interpretatio; in. Interpretation; fr. Interprétation; al. Interpretation, Auslegung; it. Interpretazioné).
Em geral, possibilidade de referência de um signo ao que ela designa, ou também a operação através da qual um sujeito (intérprete) estabelece a referência de um signo ao seu objeto (designado). Aristóteles denominou interpretação o livro em que estudou a relação entre os signos linguísticos e os pensamentos e entre os pensamentos e as coisas. Ele de fato considerava as palavras como “sinais das afeições da alma, que são as mesmas para todos e constituem as imagens dos objetos que são idênticos para todos”, considerando ademais como sujeito ativo dessa referência a alma ou o intelecto (De interpr., 1, 16a, 1 ss.).
Boécio, graças a quem essa doutrina passou para a escolástica latina, entendia por interpretação “qualquer termo que significa alguma coisa por si mesmo”, incluindo entre as interpretação os substantivos, os verbos e as proposições, e excluindo as conjunções, as preposições e em geral os termos gramaticais que não significam nada por si mesmos. Para ele, referência do signo ao que ele designa era o essencial da interpretação (In librum de interpr. editio prima, I, em P. L, 64, col. 295).
Nesta concepção, a interpretação é a referência dos signos verbais aos conceitos (as “afeições da mente”) e dos conceitos às coisas. As características dessa doutrina podem ser assim fixadas: 1) a interpretação é um evento que acontece “na alma”, um evento mental; 2) o signo verbal ou escrito é diferente da afeição da mente ou do conceito e se refere a este; 3) a relação entre signo verbal e conceito é arbitrária e convencional, ao passo que a relação entre o conceito e o objeto é universal e necessária.
Esses princípios permaneceram inalterados por longo tempo. Apesar do desenvolvimento ocorrido na teoria dos signos graças à lógica estoica, medieval e moderna, a doutrina da interpretação continuou considerando por muito tempo que o processo interpretativo tinha sede na alma ou na mente, que era um processo mental. Foi só na filosofia contemporânea que se propôs outra alternativa, qual seja, de hábito ou comportamento. Conquanto não falte hoje quem considere a interpretação um processo mental (C. K. Odgen – I. A. Richards, The Meaning of Meaning, 1952 1a ed., 19231, p. 57; Ducasse, em Journal of Symbolic Logic, 1939, n. 4), a semiótica americana apresentou outra doutrina fundamental da interpretação, que toma como base o comportamento. Os pressupostos dessa doutrina são encontrados na obra de Peirce, que entendeu a interpretação como um processo triádico que se dá entre um signo, seu objeto e seu interpretante, constituindo este último a relação entre o primeiro e o segundo termo (Coll. Pap., 5.484). Conquanto em Peirce restem ainda muitos pressupostos da antiga doutrina, ele não entendeu a interpretação como um ato simplesmente mental, mas como um hábito de ação, como a resposta habitual e constante que o intérprete dá ao signo (Ibid., 5.475 ss.). Esse é o ponto de vista de Morris, que prevalece na semiótica contemporânea (Foundations of a Theory of Signs, 1938; Signs, Language and Behavior, 1946). Desse ponto de vista, a interpretação tem as seguintes características: 1) não é (ou não é apenas) um hábito mental, mas um comportamento, uma resposta objetivamente observável e constante de um organismo a um estímulo; 2) não existe diferença entre sinais mentais e sinais verbais, no sentido de os primeiros serem suscetíveis de interpretação necessária e os outros não; 3) a referência dos signos aos seus objetos não é nem necessária nem arbitrária, mas determinada pelo uso (nas linguagens comuns) ou por convenções cabíveis (nas linguagens especiais).
As observações anteriores dizem respeito à teoria da interpretação na semiótica . É necessário porém observar que, na linguagem científica e filosófica hodierna, essa palavra tem usos específicos diversos, que só indiretamente podem ser relacionados com o emprego a que aludimos. Fala-se de interpretação na ciência quando se estabelece a correspondência entre um sistema axiomático e determinado modelo (v. axiomática; modelo), ou seja, um exemplo concreto ou um conjunto de entidades que satisfaça às condições enunciadas pelo sistema axiomático. Nesse sentido, a geometria comum pode ser a interpretação de determinado sistema axiomático, como p. ex. da axiomática de Hilbert. Um outro uso do termo é o que se encontra nas disciplinas históricas, quando se fala da interpretação de determinado acontecimento, de um conjunto de acontecimentos ou de um período. Nesse caso, a interpretação é um aspecto da escolha historio-gráfica, e consiste na escolha das caraterísticas históricas consideradas dominantes e centrais, em relação às quais as outras se situam num plano subordinado e secundário. Nesse sentido, fala-se, p. ex., de interpretação materialista da história, quando os aspectos materiais (ou econômicos) são considerados primordiais e fundamentais (v. historiografia). A interpretação pode ter outros sentidos específicos e em outros campos de pesquisa e também pode ter o sentido de explicação (como quando se fala, p. ex., da interpretação de um fenômeno físico) ou, como fazia Bacon (Nov. Org., I, 26), da natureza em geral. Independentemente de todos os significados mencionados, Heidegger definiu-a como o desenvolvimento e a realização efetiva da compreensão: “A interpretação não é tomar conhecimento de que se compreendeu, mas a elaboração das possibilidades projetadas na compreensão” (Sein und Zeit, § 32). Este conceito não é utilizável para a análise do uso desse termo nos vários campos. [Abbagnano]