intelecto

(gr. noûs; lat. intellectus; in. Understanding; fr. Intelligence, al. Verstand; it. Intellettó).

Este termo foi constantemente usado pelos filósofos com dois sentidos: 1) genérico, como faculdade de pensar em geral e 2) específico, como uma atividade ou técnica particular de pensar. Com este segundo significado, esse termo é entendido de três maneiras diferentes: d) como intelecto intuitivo; b) como intelecto operante; c) como entendimento, inteligência ou intelecção.

1) Platão e Aristóteles definem em geral o intelecto como faculdade de pensar. Platão de fato dá o nome de intelecto à atividade que pensa (Sof., 248e-249a) e, portanto, confere limites, ordem e medida às coisas (Fil., 30c; Tim., 48a); denomina pensamento (noesis) o conjunto da ciência e da dianoia, ou seja, as atividades superiores da alma contrapostas à conjectura e à crença, reunidas sob o nome de opinião (Rep., VII, 534a). Por sua vez, Aristóteles declara entender por intelecto “aquilo graças a que a alma raciocina e compreende” (Dean., III, 4,429a 23), significado genérico que já fora dado por Parmênides (Fr. 16, Diels) e por Anaxágoras (Fr. 12, Diels). É óbvio que todos aqueles que, como Anaxágoras, Platão e Aristóteles, atribuíram ao intelecto a função de ordenar o universo não o entenderam como atividade ou técnica específica, mas no significado mais genérico de atividade pensante, capaz de escolher, coordenar e subordinar. Mesmo a contraposição — tão frequente nos antigos e já presente em sua forma extrema em Parmênides (Fr. 8, Diels) — entre intelecto e sentidos implica atribuir ao intelecto o significado genérico de faculdade de pensar. Analogamente, a substancialização que o intelecto sofre no neoplatonismo é a da faculdade de pensar em geral, em todas as suas múltiplas formas (cf. p. ex., Plotino, Enn. III, 8, 9-10).

Esse significado genérico foi conservado na tradição filosófica até o Romantismo. Tomás de Aquino expressava-o contrapondo o intelecto aos sentidos: “O substantivo intelecto implica certo conhecimento íntimo; intelligere é como ‘ler dentro’ (intus legere). Isso é evidente a quem considera a diferença entre o intelecto e os sentidos: o conhecimento sensível concerne às qualidades sensíveis externas; o conhecimento intelectivo penetra até a essência da coisa” (S. Th., II, 2, q. 8, a. 1). Por outro lado, tem-se o mesmo significado genérico quando esse termo é contraposto à vontade, como acontece, p. ex., em Locke: “A capacidade de pensar é que se denomina intelecto, e a capacidade de querer é o que se denomina vontade: duas capacidades ou disposições da alma às quais se dá o nome de faculdade” (Ens., II, 6, 2). Leibniz, por sua vez, entendia por intelecto “a percepção distinta unida à faculdade de refletir, que não existe na alma dos animais” (Nouv. ess., II, 21, 5). Essa noção foi depois tomada por Wolff (Psychol. empírica, § 275). A definição de intelecto como “faculdade de pensar” é lugar comum no séc. XVIII; Kant só faz repeti-lo: “intelecto é a faculdade de pensar o objeto da intuição sensível” (Crít. R. Pura, Lógica, Intr., I) ou “o poder de conhecer em geral” (Antr., 1, § 6, 40).

Mas de repente, com o Romantismo, o intelecto deixa de ter valor de faculdade de conhecer em geral e descobre-se a “imobilidade” do intelecto. Essa descoberta é feita por Fichte: “O intelecto é intelecto só quando alguma coisa está fixada nele; e tudo o que se fixa fixa-se apenas no intelecto. O intelecto pode ser definido como a imaginação fixada pela razão, ou como a razão provida de objetos da imaginação. O intelecto é uma faculdade espiritual em repouso, inativa, é o puro receptáculo do que foi produzido pela imaginação e que a razão determinou ou ainda está para determinar” (Wissenschaftslehre, 1794, II, Dedução da representação, III, trad. it., p. 184). Mas foi por meio de Hegel que acabou prevalecendo em filosofia a noção de intelecto “imóvel”, “rígido”, “abstrato”: “Como intelecto, o pensamento detém-se na determinação rígida e na diferença entre ela e as outras; para o intelecto, esse produto abstrato e limitado é autônomo e existente” (Enc., § 80). O intelecto é caracterizado pela imobilidade de suas determinações: ele “determina e fixa suas determinações” (Wissenschaft der Logik, Pref. à la edição, trad. it., p. 5). Essa imobilização é um falseamento, como se vê pela forma como o intelecto entende a relação entre infinito e finito, originando o “falso infinito”. “O falseamento em que o intelecto incorre em relação ao finito e o infinito, que consiste em fixar como diversidade qualitativa a relação entre ambos, em afirmar, ao determiná-los, que são separados, e separados em absoluto, tem como base o esquecimento daquilo que para o próprio intelecto é o conceito desses momentos” (Ibid., I, I, seç. I, cap. 2, C., c, trad. it., I, p. 157). Dessa forma, “fixar” “imobilizar”, “determinar em absoluto” são as operações que descrevem a atividade do intelecto, em contraposição à razão, atividade autêntica do pensamento que elimina a fixidez e a rigidez das determinações intelectuais, sendo capaz de fluidificá-las e relativizá-las. Essa contraposição torna-se lugar-comum em grande parte da filosofia do séc. XIX: o intelecto, portanto, desce de sua posição de faculdade de pensar e passa para a situação secundária ou subordinada de faculdade de pensamento abstrato, ou seja, de falso pensamento. A persistência desse lugar-comum, sem qualquer justificação séria, pode ser verificada pelo fato de que, no início do séc. XX, Bergson propôs (Evolução criadora, 1907) a crítica do intelecto considerado, segundo o esquema hegeliano, faculdade que tem por objeto específico o que é imóvel, inerte, rígido e morto, sendo, portanto, radicalmente incapaz de compreender o movimento e a vida. Dessa forma, substituía-se a contraposição hegeliana intelecto-razão pela contraposição intelecto-vida ou intelecto-consciência, que inspirou e ainda hoje inspira algumas manifestações da filosofia contemporânea. Todavia, mesmo fora dessas antíteses estereotipadas, a noção do intelecto como faculdade de pensar em geral não está presente na filosofia contemporânea, tendo sido substituída pela noção de pensamento ou razão .

2) O reconhecimento do significado genérico de intelecto pode ocorrer ou não em conjunto com o reconhecimento de um significado específico. Podem ser distinguidas três interpretações fundamentais da função específica do intelecto: à) intuitiva; b) operante, c) de entendimento ou inteligência.

a) A noção de intelecto intuitivo foi elaborada por Aristóteles. Para ele, além de ser geralmente a faculdade “graças à qual a alma raciocina e compreende”, o intelecto é também uma virtude dianoética, ou seja, um hábito racional específico. Como tal, é a faculdade de intuir os princípios das demonstrações, que não podem ser apreendidos pela ciência — que é apenas um hábito demonstrativo — nem pela arte e pela sabedoria, que dizem respeito “às coisas que podem ser de outra forma”, desprovidas de necessidade (Et. Nic, VI, 6, 1140b 31 ss.). Além dessas “definições primeiras”, o intelecto também tem a tarefa de intuir “os termos últimos”, ou seja, os fins aos quais deve subordinar-se a ação (Ibid., VI, 11, 1143b). Ao lado da ciência, o intelecto constitui a sabedoria, “que é ao mesmo tempo ciência e intuição das coisas mais excelsas por natureza” (Ibid., VI, 7, 1151b 2), o por isso a mais alta realização do homem.

Essa função específica do intelecto, de intuir os princípios comuns do raciocínio, foi admitida por Tomás de Aquino (S. Th., I, q. 8, a. 1) e por muitos outros escolásticos, ao lado da função genérica “pensar”. Kant, por sua vez, fazia a distinção explícita entre intelecto no sentido genérico e intelecto como faculdade específica que está ao lado do juízo razão. Dizia: “A palavra intelecto também é entendida em sentido mais particular quando o intelecto é subordinado, como membro de uma divisão, ao intelecto entendido em sentido mais geral, como faculdade superior de conhecer constituída por intelecto juízo e razão” (Antr., I, § 40). Nesse sentido específico, o intelecto é a faculdade de julgar, e o juízo que lhe compete é o juízo determinante, cujas leis constituem o objeto natural em geral (mais precisamente, a forma de tal objeto). Essas leis estão “prescritas apriori” ao intelecto, ou seja, dadas em seu funcionamento (Crít. R. Pura, Analítica dos conceitos, seç. I; Crít. do Juízo, Intr., § IV). Nesse sentido específico, como faculdade de julgar, o intelecto não é intuitivo no sentido de estar em relação direta com o objeto; aliás, é uma relação mediata com o objeto porque, enquanto juízo sobre uma representação, é, segundo a expressão de Kant, “a representação de uma representação”. Mas é intuitivo no mesmo sentido em que é intuitivo o intelecto específico de Aristóteles: está em relação imediata com leis ou princípios fundamentais que entram na constituição e na organização da ciência e da estrutura de seus objetos. A diferença entre o ponto de vista de Aristóteles e o de Kant é que, para Aristóteles, o intelecto tem a função de formular os princípios primeiros utilizados pela ciência demonstrativa e de perceber a evidência deles; para Kant, ao cumprir a função de julgar, o intelecto põe em funcionamento os princípios que o constituem, mesmo sem necessidade de formulá-los explicitamente. Essas duas alternativas são as únicas historicamente presentes na interpretação do intelecto como faculdade intuitiva específica.

b) A concepção operante do intelecto foi apresentada por Bergson, que a enxertou no conceito romântico do intelecto entendido como faculdade de imobilizar. Deste ponto de vista, o intelecto é “a faculdade de fabricar objetos artificiais, em especial para fazer utensílios, e de variar indefinidamente sua fabricação” (Évol. créatr., 1911, 8a ed., p. 151). Portanto, é a solução de um problema que, numa outra linha evolutiva, levou ao instinto entendido como faculdade de utilizar instrumentos organizados. Devido à sua função operante, a inteligência tende a captar as relações entre as coisas, e não as próprias coisas; portanto, sua forma, e não a sua matéria; tem por objeto principal o sólido inorgânico, imóvel, e é caracterizada por uma incompreensão natural do movimento e da vida (Ibid., p. 179). Essa análise de Bergson influenciou muito a filosofia contemporânea, cujas correntes espiritualistas e idealistas utilizaram frequentemente suas conclusões para afirmar que “o intelecto abstrato” é, quando muito, eficaz no domínio da ciência, que também é conhecimentoabstrato”, mas que pouco ou nada vale no domínio da consciência efetiva, que seria o filosófico. Mas também fora do âmbito dessas intenções denegridoras que envolvem o intelecto e a ciência, a função operante do intelecto, graças à qual ele é a capacidade de enfrentar com sucesso as situações biológicas, sociais, etc. nas quais o homem se encontre, acabou caracterizando o próprio intelecto, sendo, portanto, difícil ver nele, hoje, um órgão de funções puramente teóricas. O pragmatismo certamente contribuiu para a formação deste ponto de vista, que se tomou lugar-comum da filosofia contemporânea.

c) No terceiro significado específico de intelecto, ele significa entendimento, sendo mais apropriadas, além de “entendimento”, as palavras inteligência e intelecção (em italiano, intelligenza; em francês, entendement; em alemão, Verstehen). Essa acepção do termo, por sua vez, pode ser articulada em dois significados:

a) Um significado comum e genérico, em que “entender” significa apreender o significado de um símbolo, a força de um argumento, o valor de uma ação, etc. Em todos estes casos, a palavra exprime a possibilidade de efetuar corretamente determinada operação. P. ex., o entendimento de um signo consiste na possibilidade de estabelecer corretamente (com base no uso ou em regras devidas) a referência entre o sinal e seu referente. O entendimento de um argumento consiste na possibilidade de interligar suas partes de tal forma que o argumento se torne probante, etc. Nestes casos, há tanta diversidade entre os vários significados de entendimento quanto entre os objetos e as situações às quais se faz referência. Em geral, tudo o que pode ser dito desse ponto é que o entendimento designa certa capacidade de inserir-se no contexto de tais situações e de orientar-se nele.

b) Um significado mais restrito e específico, no qual entendimento significa a compreensão de certo tipo de objetos, como p. ex. de um homem ou de uma situação histórica. Para tal significado do termo, v. compreender. [Abbagnano]