Por filosofia da vida (1) entende-se, no viver cotidiano, a concepção ou sabedoria da vida que serve para estruturá-la praticamente. Também a ética, enquanto ciência do fim e das normas da vida moral, pode denominar-se filosofia da vida (2). Por esse motivo, foram de preferência qualificados como filosofia da vida (3) aqueles sistemas filosóficos que concedem lugar dominante à ética prática e à concepção da vida, como, p. ex., o estoicismo e o epicurismo.
Destas variedades da filosofia da vida, que encaram a vida no sentido do prático, do ético, importa distinguir a filosofia da vida (4) que entra em cena em fins do século passado, com a pretensão de fazer prevalecer também no domínio teorético o conceito de vida. Foi ela preparada pela concepção de vida de Goethe e do romantismo, mas foi suscitada pelo predomínio da ciência natural mecanicista e pelo progresso técnico do século XIX. Contudo a contracorrente, denominada filosofia da vida, não possui natureza uniforme. De modo geral, o verdadeiro fundamento e conteúdo da realidade é posto na “vida” considerada como o dinâmico, o que está em devir, o que desde o interior impele ao desenvolvimento, em oposição ao estático, ao mecânico, ao conceptualmente acabado. Muitas vezes porém torna-se difícil determinar o que se deva precisamente entender por vida. Podemos, com Rickert distinguir fundamentalmente duas direções que com frequência se entrecruzam. Uma concebe a vida em sentido preponderantemente biológico e estende a toda a realidade as categorias aí obtidas. Temos, neste caso, o biologismo. A outra direção refere, de preferência, o conceito de vida à vivência íntima, que nunca é mero conhecimento, menos ainda mero conhecimento abstrato, científico, mas é o jogo pleno de todas as forças do espírito, um contínuo fluir, que nenhum conceito “rígido” pode exprimir de maneira acabada. A cultura, em sua integridade, é interpretada, “compreendida” desde esta vivência íntima (vide ciências do espírito, compreender).
A expressão “filosofia da vida” encontra-se já em Fr. Schlegel (1827), marcando um desvio relativamente a Hegel e uma volta à experiência interna do vital. Igual direção seguem os trabalhos de Kierkegaard, que influíram tanto na teologia dialética quanto na filosofia existencial (filosofia da existência). Máxima foi a repercussão obtida pela crítica da cultura formulada por Nietzsche, o qual opôs vivamente a vida e a vivência do ser e ao conhecer. O bem supremo é a plenitude e força da vida, tal como encontra perfeita expressão no “super-homem”. O conhecimento tem de servir à vida. É de somenos importância a questão da verdade ou da falsidade; o decisivo é apenas o que fomenta a vida (pragmatismo). Aparentadas com estas ideias, mas transplantadas da esfera individual para o domínio racial-nacional, são as concepções da filosofia das raças (Gobineau, H. St. Chamberlain, Rosenberg): a raça não é só um complexo de características exteriores transmitidas por hereditariedade, mas é a manifestação da alma (da alma racial); e a alma é a feição interna da raça. Esta constitui a realidade última e o valor supremo acessível a nosso pensamento e investigação. A partir dela se deve compreender e apreciar toda cultura, arte, ciência, religião e história (Rosenberg). Não existe medida supra-racial (relativismo). — Na França, e além de suas fronteiras, Bergson influiu no sentido da filosofia da vida por suas doutrinas do élan vital, do valor vital, e da évolution créatrice, da evolução criadora, que, numa primeira fase, se eleva a instinto animal e, numa segunda fase, à inteligência humana. Esta cria as sociedades humanas e uma moral vinculada à sociedade. Por sobre ela, o alor vital eleva-se nas grandes figuras dos profetas da religião dinâmica à mística religiosa e cria uma moral que une a humanidade inteira. O pensamento conceptualmente fragmentante serve, é certo, para dominar tecnicamente a natureza; todavia, uma compreensão mais profunda da realidade só é possível à “intuição”, a qual, para exprimi-la, deve utilizar “conceitos” flexíveis, interpenetráveis, plásticos.
E incontestável que a filosofia da vida atuou vigorosamente contra muitos abusos de uma cultura racionalística e mecanicista. Mas não é menos certo que em sua crítica foi muito além dos justos limites. A questão que se põe não é entre ser ou devir, mas torna-se indispensável um aprofundamento de conceitos que faça justiça a ambos. Sem dúvida, toda realidade radica em Deus, Vida absoluta; mas daí não se infere que o vivente e o não-vivente sejam a mesma coisa. Decerto, a policromia do conceito e a mudança escapam ao mero conceito. Mas, em compensação, este tem em seu favor o poder penetrar numa profundidade sustentadora do multicolor e da mutação e une-se com a experiência concreta, a fim de os explicar. vide racionalismo, intelectualismo, intuicionismo. — Brugger.
Assim como o empirismo e o materialismo situam no centro de sua pesquisa o conhecimento da matéria, e o idealismo se move em torno da ideia, os filósofos da vida procuram explicar a realidade global pela vida. Mas não é este o único rasgo que os caracteriza. Diferenciam-se dos empiristas e dos idealistas principalmente pelo empenho em alargar o quadro geral da filosofia “moderna” (1600-1900) e, de modo especial, do kantismo. Apartam-se radicalmente tanto do mecanicismo como do idealismo. Embora difiram entre si, apresentam em comum os pontos seguintes:
1) Todos são atualistas absolutos. Para eles não há senão movimento, devir, vida. Não consideram o ser, a matéria, etc, senão como resíduos do movimento. As palavras de Bergson: “o devir encerra mais do que o ser”, exprimem uma concepção por todos eles compartilhada.
2) Têm uma concepção orgânica da realidade. Para eles a biologia é tão decisiva quanto a física para os representantes do materialismo científico. Nalguns filósofos da vida, especialmente na escola de Dilthey, também a história desempenha papel importante. Como quer que seja, para todos eles o mundo não é uma máquina, mas, pelo contrário, é a vida em ação.
3) À base desta posição biologista, os filósofos da vida elaboram uma doutrina peculiar da ciência. São, sem exceção, irracionalistas e empiristas declarados. Os a priori, as deduções lógicas são para eles objeto de horror. Como verdadeiro método filosófico nunca admitem o método racional, mas tão-somente a intuição, a prática, a compreensão viva da história.
4) Apesar de tudo não são, via – de regra, subjetivistas; ao invés, admitem a existência duma realidade objetiva que transcende o sujeito. Rejeitam absolutamente, como é natural, o idealismo transcendental ou absoluto.
5) Enfim, a maior parte destes filósofos manifesta acentuada propensão para o pluralismo e o personalismo, propensão esta que nem sempre se entrosa com a doutrina fundamental da evolução da vida, mas que se explica talvez como reação contra o monismo materialista ou idealista. Justamente nesta direção o movimento tem feito sentir sua maior influência.
Podemos distinguir quatro escolas diferentes da filosofia da vida: a filosofia do élan vital de Bergson; o pragmatismo americano e inglês; o historicismo proveniente de Dilthey e a filosofia alemã da vida. Por motivos técnicos, reunimos as duas últimas escolas no mesmo parágrafo e estudaremos à parte Bergson e os bergsonianos. Nossa exposição da filosofia da vida articula-se pois em três parágrafos: Bergson, pragmatismo e bergsonismoj filosofia alemã da vida e historicismo. [Bochenski]