Este vocábulo relaciona-se etimologicamente com o verbo latino speculari, que significa “espiar”, “esquadrinhar”; por aqui se vê que implica a descoberta de algo oculto. De fato, no âmbito filosófico especulação designa um pensamento criador, o qual, enquanto tal, não recebe de maneira exclusivamente passiva os dados da experiência, mas, mercê do poder da mente (A priori) penetra ativamente até seus últimos fundamentos. Este pensamento supera essencialmente tanto a experiência quanto a elucidação fenomenológica do dado (transcendência) e constitui o núcleo da filosofia. Contudo, a especulação lança raízes no experimentado, porque só aí encontra seu ponto de partida; por isso, seus resultados, embora nunca diretamente acessíveis à experiência humana, são também confirmados ou desmentidos de maneira indireta por ela. — Precisando mais, diremos que a especulação investiga a essência íntima do experimentado até chegar ao ser metafísico e, ao mesmo tempo, torna compreensíveis as leis absolutas da essência e do ser. Assim, apreende os princípios constitutivos (princípios do ser) e as causas últimas de tudo quanto podo verificar-se na experiência e, de modo especial, seu mais profundo fundamento de unidade: Deus. A partir de Deus, empenha-se em conceber numa concepção unitária todo o existente e enquadrá-lo, quanto possível, num sistema.
Quanto ao método, a especulação serve-se principalmente do conhecimento essencial (conhecimento da essência), da análise, da síntese a priori e da dedução. Neste particular, é decisiva a visão profunda, viva e criadora, que, as mais das vezes, se antecipa à conceituação e ao raciocínio explícitos e só posteriormente é articulada por estes. Dita visão nasce da adequada disposição do homem total e não é dada a todos na mesma medida. A especulação degenera, quando esta visão e sua inserção na totalidade do ser humano desaparecem, e se começa então a combinar arbitrariamente conceitos rígidos, como ocorreu com frequência no derradeiro período da escolástica. Esta e o moderno racionalismo fizeram cair no descrédito a especulação, a ponto de hoje só se lhe conhecer a caricatura. Para isso contribuiu também Kant, limitando a razão teorética ao domínio da experiência possível e suprimindo, como “especulações” ocas que só produzem ilusão transcendental, os esforços encaminhados a transcendê-la. Pelo contrário, Hegel opera com a proposição especulativa que supera a contradição e exprime a síntese: contudo, também ele, exagerando a especulação, desacredita-a.
Em Aristóteles, especulação e theoria coincidem claramente. A theoria investiga o ente de maneira intuitivo-contemplativa e contrapõe-se tanto à ação moral quanto à criação do artífice ou do artista. Hoje estabelece-se uma diferença entre especulação e teoria: a especulação é só uma parte da teoria, uma vez que esta, além da penetração especulativa, abarca igualmente sua fundamentação fenomenológica. A ciência atual emprega o termo teoria em sentido restrito e, frequentemente, alheio ao sentido de especulação. — Lotz. [Brugger]
Aos significados destes termos, que já figuram nos artigos contemplação e teoria, podem juntar-se outros significados complementares. O vocábulo latino designa a ação de observar, em particular, a partir de um ponto elevado. No seu sentido originário, não significa, portanto, “imaginar algo sem ter fundamento para isso” (um sentido pejorativo a que depois iremos referir-nos), mas antes “perscrutar algo sumária e atentamente”. Na medida em que especulação se equipara a teoria, ocupa a categoria suprema na classificação das ciências proposta por Aristóteles. Ao mesmo conhecimento teórico, contemplativo ou especulativo se refere Aristóteles ao dizer que é o melhor e mais grato (Metafísica) ou ao fundar a felicidade na contemplação (Ética a Nicômaco). Depressa no mundo romano adquire especulação um leve matiz depreciativo, pois, tratando-se de uma atitude desinteressada, é “pouco cívica”: enquanto se especula, descuram-se os assuntos públicos, que eram, para os romanos, absolutamente preeminentes.
Os filósofos medievais estabeleceram amiúde uma distinção entre a especulação e outras atividades teóricas, fundada na relação entre especular e refletir fielmente como um espelho. Daí que se interpretasse a especulação como “modo de refletir”, isto é, “refletir contemplativamente”. Distinguiu-se entre especulação, contemplação e meditação. Mediante a contemplação, considera-se Deus como é em si mesmo; mediante a especulação, considera-se Deus tal como se reflete nas coisas criadas, tal como a imagem se reflete no espelho; mediante a meditação, põe-se a alma em tensão para alcançar a contemplação. Era muito comum, fosse qual fosse a doutrina, constituir a especulação um estado intermédio que leva à contemplação. Muitos autores modernos opuseram-se à especulação e a tudo o que é especulativo, considerando-o como algo infundado e sem nenhum alcance prático (e até teórico). Bacon considerou-a como atividade da razão na qual esta se nutre a si mesma à semelhança das “aranhas” que extraem tudo da sua própria substância. Descartes também a desdenhou pelas escassas consequências que tem para aqueles que a exercem (Discurso do Método). Mas a especulação teve também grande importância no racionalismo moderno. Perante esta confiança na razão especulativa, Kant elaborou a sua doutrina do conhecimento, que tinha, entre outros, o objetivo de delimitar as possibilidades da razão e mostrar que nenhum conhecimento é admissível se não estiver dentro dos limites da experiência possível. Segundo Kant, o “conhecimento da natureza” difere do “conhecimento teórico”, que “é especulativo se refere a um objeto, ou aos conceitos de um objeto, que não pode ser alcançado mediante nenhuma experiência” (Crítica da Razão Pura). Parece, pois, que, com Kant, se põe definitivamente limites à especulação ou razão especulativa. Contudo, pouco depois, considerou-se que o termo especulativo é o único capaz de qualificar a “espécie superior do conhecimento”. O autor que mais se distinguiu nesta linha foi Hegel. Segundo ele, a razão ou “pensamento especulativo” é o único que permite unir e conciliar os opostos manifestados no processo dialéctico. O pensamento especulativo supera as tensões reveladas pelo pensamento dialéctico. O que parece claro ao entendimento é contraditório; só o racional-especulativo acaba e (absorve) com as contradições. a oposição ao especulativo e à razão especulativa manifestou-se, por um lado, dentro da escola hegeliana (sobretudo com Feuerbach e Marx) e, depois, na maioria das tendências filosóficas do século passado. Assim, podem classificar-se de anti-especulativas as tendências positivas, analíticas, linguísticas, empiristas, neokantianas, etc.
O mesmo acontece com tendências como o existencialismo, o historicismo, etc. [Ferrater]
(gr. theoria; lat. Speculatio; in. Speculation; fr. Spéculation; al. Spekulation; it. Speculazione).
O termo tem dois significados: 1a contemplação ou conhecimento desinteressado; 2a conhecimento ultra-empírico ou sem base na experiência. No primeiro significado, a especulação se contrapõe à ação; no segundo, à experiência, ou ao conhecimento “natural”.
1) Os antigos entenderam por especulação a atividade cognoscitiva não utilizada para um fim qualquer, mas como fim em si mesma. O conceito de especulação, nesse sentido, foi fixado por Aristóteles, que qualificou de especulativas (ou teoréticas) as ciências naturais, porquanto “consideram a substância que tem em si mesma o princípio do movimento e do repouso”. Com efeito, uma ciência desse gênero não é prática nem produtiva. A atividade produtiva tem princípio na mente ou na habilidade do artista, e a atividade prática na decisão de quem age. “Logo, se todo pensamento é prático, produtivo ou teórico as ciências naturais são especulativas e consideram o que tem em si capacidade de mover-se” (Met., VI, I, 1025 b 18). O objeto das ciências especulativas é o necessário, já que só o necessário, que não pode ser diferente do que é, não dá o que fazer ao homem. E só na especulação o homem encontra felicidade. “Quanto maior a especulação, maior também a felicidade, e encontra-se mais felicidade naquilo em que há maior especulação. Isso não acontece por acaso, mas pela própria natureza da especulação, que tem valor em si mesma, de sorte que a felicidade é uma espécie de especulação” (Et. Nic, X, 8, 1178 b 28).
Essa exaltação da especulação, que constitui um dos modos fundamentais de entender a função da filosofia, foi herdada sobretudo pelo misticismo neoplatônico. Plotino reduziu todas as atividades à especulação e afirmou que a própria geração das coisas naturais é especulação: especulação de Deus (Enn., III, 8, 5). O misticismo medieval identifica especulação com contemplação, que é o grau mais alto da ascensão mística antes do êxtase (cf. Ricardo de São Vítor, De contemplatione, I. 3), mas Tomás de Aquino a identifica com a meditação, que é o grau anterior (S. Th., II, 2, q. 180, a. 3, ad 2°). Em todos esses usos, todavia, o significado de contemplação desinteressada é predominante e fundamental.
2) Kant introduziu um novo significado do termo, que é o predominante no uso moderno: “O conhecimento teórico é especulativo quando se refere a um objeto ou ao conceito de um objeto a que não se pode chegar com nenhuma experiência. A especulação contrapõe-se, por isso. ao conhecimento natural, que só se refere a objetos ou predicados que podem ser dados em uma experiência possível” (Crít. R. Pura, O ideal da razão pura, seç. VII). Esse significado permaneceu inalterado na tradição, mesmo porque Hegel adotou-o, modificando seu sinal, ou seja, considerando autêntico apenas o conhecimento especulativo. Chamou de especulativo ou positivo racional o terceiro momento da dialética, o da síntese, em que se tem “a unidade das determinações na sua oposição”. Essa unidade significa que “a filosofia nada tem a ver com meras abstrações ou pensamentos formais, mas apenas com pensamentos concretos”, ou seja, com pensamentos que são ao mesmo tempo realidades (Ibid., § 82). Além disso, é da filosofia especulativa a demonstração da necessidade de seus objetos (Enc., § 9). Assim, em Hegel, o adjetivo especulativo indica o ponto de vista que considera a realidade como racionalidade, a racionalidade como real, e ambas como necessidade. O adjetivo que Kant empregava para designar o que está além da experiência possível, portanto do conhecimento efetivo, é usado por Hegel para designar o conhecimento efetivo que, como tal, está além da experiência e das separações que nesta aparecem.
Os significados de especulação e de especulativo fixaram-se nessa alternativa. Entende-se por especulação um conhecimento que não encontra fundamento ou justificação na experiência ou na observação: por um lado, esse é um motivo para declarar ilusório ou quimérico tal conhecimento, por outro (mas cada vez menos), motivo para julgá-lo superior. [Abbagnano]