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“Já no tempo de Sólon, a escravidão era considerada pior que a morte” (Robert Schlaifer, “Greek theories of slavery from Homer to Aristotle”, Harvard studies in classical philology [1936], XLVII). Desde então, a philopsychia (“o amor à vida”) e a covardia passaram a ser identificadas com o servilismo. Assim, Platão pôde acreditar ter demonstrado o servilismo natural dos escravos pelo fato de estes não terem preferido a morte à escravidão (República, 386A). Na resposta de Sêneca às queixas dos escravos pode-se encontrar ainda um reflexo tardio dessa atitude: “Com a liberdade tão ao alcance de nossas mãos, existe ainda alguém que seja escravo?” (Ep. 77. 14); ou ainda em sua frase vita si moriendi virtus abest, servitus est – “sem a virtude que sabe como morrer, a vida é escravidão” (77. 13). Para que se compreenda a atitude dos antigos em relação à escravidão, convém lembrar que a maioria dos escravos era de inimigos derrotados e que geralmente só uma pequena percentagem era constituída de escravos natos. E enquanto na República Romana os escravos eram, em sua totalidade, trazidos de fora das fronteiras do domínio romano, os escravos gregos eram geralmente da mesma nacionalidade que os seus senhores; haviam demonstrado sua natureza escrava por não terem cometido suicídio e, como a coragem era a virtude política par excellence, haviam demonstrado com isso sua indignidade “natural”, sua incapacidade de serem cidadãos. A atitude em relação aos escravos mudou no Império Romano, não só devido à influência do estoicismo, mas porque uma proporção muito maior da população escrava era escrava de nascimento. Mas, mesmo em Roma, Virgílio considerava que labos era intimamente ligado à morte inglória (Eneida, vi). [ArendtCH, 5, Nota]


O fato de que o homem livre se diferencie do escravo por meio da coragem parece ter sido o tema de um poema do poeta cretense Híbrias: “Minhas riquezas são a lança, a espada e o belo escudo (…). Mas aqueles que não ousam valer-se da lança, da espada e do belo escudo que protege o corpo prostram-se de joelhos, assombrados, e me chamam de Senhor e Grande Rei” (citado por Eduard Meyer, Die Sklaverei im Altertum [1898], p. 22). [ArendtCH, 5, Nota]


Bom exemplo disso é a observação de Sêneca, que, ao discutir a utilidade de ter escravos altamente instruídos (que sabem de cor todos os clássicos) para um senhor supostamente um tanto ignorante, comenta: “O que a casa sabe, o senhor sabe” (Ep. 27. 6, citado por Barrow, Slavery in the Roman Empire, p. 61). [ArendtCH, 5, Nota]


A tão citada observação de Homero – de que Zeus retira metade da excelência (arete) de um homem no dia em que ele sucumbe à escravidão (Odisseia, xvii, 320 ss.) – é colocada na boca de Eumeu, ele mesmo um escravo, significando uma mera afirmação objetiva, e não uma crítica ou um julgamento moral. O escravo perde a excelência porque perde a admissão ao domínio público, onde a excelência pode se revelar. [ArendtCH, 6, Nota]


Esse é também o motivo pelo qual é impossível “traçar o perfil de qualquer escravo que viveu (…). Até alcançarem a liberdade e a notoriedade, todos os escravos são tipos obscuros, mais que pessoas” (Barrow, Slavery in the Roman Empire, p. 156). [ArendtCH, 6, Nota]


Barrow (Slavery in the Roman Empire, p. 168), em uma esclarecedora discussão sobre a admissão de escravos nos colégios romanos, que proporcionava, além de “boas relações durante a vida e a certeza de um enterro decente (…), a glória final de um epitáfio; e o escravo encontrava um prazer melancólico neste último”. [ArendtCH, 7, Nota]


Existe prova suficiente dessa diferença de estimativa da riqueza e da cultura em Roma e na Grécia. Mas é interessante observar como essa estimativa coincide sistematicamente com a posição dos escravos. Os escravos romanos desempenharam um papel muito maior na cultura romana que o dos escravos gregos na Grécia, onde, por outro lado, o papel destes últimos na vida econômica foi muito mais importante (cf. Westermann, em Pauly-Wissowa, p. 984). [ArendtCH, 8, Nota]