A expressão criada, desde o início do século XVII, pelo escritor e filósofo Montchrestien (Tratado de economia política, 1615) para designar o estudo da produção, repartição e consumo das riquezas. — Embora a economia política — que dá, no fundo, a chave da evolução e transformação das sociedades — fosse objeto de reflexão filosófica desde Hume, Bentham e James Mill (séc. XVIII), foram Marx e Engels que fizeram da história o tema fundamental da filosofia, e da economia política a ciência privilegiada, a única capaz de descobrir-nos os verdadeiros caminhos da evolução do mundo. Ainda hoje, quando o problema da “planificação” dos Estados coloca a questão teórica da inclinação das sociedades ditas “capitalistas” para uma estrutura de aparência socialista, e faz entrever uma síntese entre os sistemas capitalistas e o ideal comunista numa sociedade de tipo econômico ideal e estável, quando o problema do “Mercado Comum Europeu” evoca afinal o do equilíbrio do mundo, a economia política constitui verdadeiramente a luneta que permite ao filósofo interrogar e conhecer a história, como permite também ao político prevê-la, provê-la e, através disso, fazê-la. [Larousse]
(in. Political economy, economics; fr. Économie politique; al. Politische Oekonomie; it. Economia política).
Como nome de uma ciência, esse termo em geral designa a técnica de enfrentar situações de escassez. Por situações de escassez são entendidas as situações em que, para realizar objetivos múltiplos e dotados de importância diferente, o homem dispõe de tempo e de meios limitados e passíveis de usos alternativos. A técnica adotada para enfrentar tais situações tem em vista a maior satisfação possível que elas permitem; e as regras que constituem tal técnica definem o comportamento racional do homem nas situações de escassez. Esse comportamento é o autêntico objeto da economia política, que muitas vezes reivindica para si um caráter descritivo, visto situar-se diante desse comportamento como qualquer outra ciência diante do seu objeto específico (cf. Menger, Grundsätze der Volkswirtschaftslehre, 1871; trad. it., pp. 51-70; Mises, Die Gemeinwirtschaft, pp. 98 ss.; Fetter, Economic Principies, 1915, cap. 1; STRIGL, Die ökonomischen Kategorien und die Organisation der Wirtschaft, 1923, passim; Robbins, An Essay on the Nat. and Significance of Ec. Sc, 1935, cap. 1). É possível distinguir três fases da economia política, que correspondem aos três diferentes fundamentos adotados como base ou diretriz da técnica econômica. 1) O comportamento racional do homem nas situações de escassez é assegurado por uma ordem natural que age automaticamente e que, desde que não perturbada, garante a cada homem e a todos o máximo de utilidade possível. Chamaremos essa concepção de teoria da ordem natural. 2) Não existe uma ordem natural que garanta o comportamento econômico dos indivíduos, mas existe e pode ser determinada em todos os casos uma distribuição dos meios econômicos que realize a satisfação máxima dos indivíduos interessados, constituindo, portanto, um estado de equilíbrio. Chamaremos essa segunda fase de teoria do equilíbrio. 3) Não tem sentido procurar determinar um estado de equilíbrio não compatível com a realidade econômica. O comportamento racional do homem nas situações de escassez só pode ser determinado a partir da condição de ignorância e de falibilidade com que ele entra nessas situações. Essa terceira fase ainda está no início e se encontra delineada apenas na chamada teoria dos jogos. Indicá-la-emos, portanto, por esse nome.
1) Teoria da ordem natural. — Foi com base nessa teoria que a economia surgiu e se constituiu no mundo moderno. Embora desde a Antiguidade numerosas observações sobre os fenômenos econômicos tenham sido coligidas e expressas em forma de teorias, leis ou conselhos, a economia política é uma ciência recente que só teve origem quando as uniformidades observáveis na esfera dos fenômenos econômicos e exprimíveis como “leis” passaram a ser consideradas exemplos ou casos de uma ordem total e abrangente desses fenômenos. Isso aconteceu no séc. XVIII, quando, com os fisiocratas, reconheceu-se a existência de uma “ordem natural” nos fenômenos econômicos. A primeira definição da economia política foi feita por Dupont de Nemours, como “ciência da ordem natural”, e a doutrina dessa ordem era ilustrada no Tableau économique (1758) de François Quesnay e em Refléxions sur laformation et la distribution des richesses (1776) de Turgot. Essa doutrina é análoga e correspondente à do jusnaturalismo: a ordem natural é racional, portanto uma ordem segundo a qual todo indivíduo pode alcançar o maior proveito possível com o mínimo esforço. Graças a esse caráter, essa ordem garante a coincidência entre interesse particular e o interesse geral, de tal modo que “o mundo caminha por si mesmo”, e o desejo de bem–estar confere à sociedade uma tendência contínua ao progresso. Mas está claro que, se a ordem natural dos fenômenos econômicos é a única possível, qualquer tentativa de intervir nela para modificá-la é, além de inútil, prejudicial, e portanto a máxima fundamental da política econômica deve ser a de deixá-la caminhar por sua própria conta. Laisser faire, laisser passer foi o lema que os fisiocratas opuseram aos obstáculos que a ordenação, ainda parcialmente medieval, das atividades econômicas e as doutrinas mercantilistas haviam multiplicado. Adam Smith só fez aceitar o princípio fisio-crático em An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776), que costuma ser considerado o início da fase científica da economia. Segundo Adam Smith, existe uma ordem harmoniosa e benéfica das coisas, que se manifesta sempre que a natureza fica entregue a si mesma. As instituições humanas muitas vezes alteraram ou perturbaram a ordem natural, mas esta ainda pode ser encontrada sob as superestruturas históricas que a ocultam. Deve ser tarefa da ciência descobrir as leis determinantes dessa ordem e prescrever os meios pelos quais ela pode ser integralmente realizada nas sociedades humanas. Abolidos os sistemas de proteção ou de restrição, “o sistema simples e fácil da liberdade natural instaura-se por si mesmo”. A única regra que esse sistema comporta é a liberdade ilimitada dos sujeitos econômicos. De fato, em virtude dessa liberdade, permite-se a ação da força natural própria da natureza humana, que, com sua ação constante em todos os homens, garante a realização da ordem econômica: a tendência egoísta. Smith acredita que em todas as circunstâncias os homens tendem a agir no sentido de seu verdadeiro interesse e que, assim agindo, não só realizam o seu bem pessoal, mas também o bem coletivo. Em outros termos, como já acreditavam os fisiocratas, a ordem natural age como ordem providencial: a harmonia entre o interesse individual e o interesse público está previamente garantida, e Smith não acha possível o conflito entre os dois interesses. Foi esse o princípio clássico do liberalismo econômico, cujas exigências básicas Smith enuncia: a negação de qualquer função econômica do Estado e a concepção de que a concorrência é a grande força reguladora dos valores econômicos. As análises subsequentes dos economistas mostraram, todavia, que a ordem econômica não anda sozinha em todos os seus aspectos e que nem sempre a ação das forças que a regem é benéfica. Em An Essay on the Principles of Population (1798), Malthus mostrava que o desequilíbrio que tende a ocorrer entre a entidade população e a entidade meios de subsistência (que crescem em proporções muito diferentes, a primeira superando de muito a segunda) só é restabelecido à custa de grandes males, como epidemias, guerras e flagelos sociais. E David Ricardo, em seus Principles of Political Economy (1817), evidenciava alguns conflitos essenciais entre o interesse geral e o interesse privado. Assim, o fenômeno da renda fundiária mostra que o proprietário de terras tem interesse no crescimento rápido das necessidades e na manutenção de preços altos, para os produtos agrícolas (condições que elevam a renda fundiária): assim, o que é útil para ele empobrece os outros cidadãos. A análise do salário dos operários evidenciava o antagonismo entre salário e lucro, em virtude do qual um só pode crescer em detrimento do outro. Na mesma linha estão as críticas de Sismondi, em Nouveaux principes d’économie politique (1819). Explica-se assim o surgimento das primeiras doutrinas socialistas, que, embora reconhecendo a realidade da ordem econômica, pretendem intervir nela e dirigi-la para resultado melhor. Assim, Saint-Simon (L’industrie, 1817; L’Organisateur, 1819-20) delineava os princípios de uma ordem econômica ideal, que se baseava no industrialismo, mas era isenta dos defeitos da ordem natural. Na sociedade nova, organizada segundo esse ideal, não deveria haver classes, só trabalhadores, e todas as nações se transformariam numa única associação produtiva cujo fim seria alcançar, através de trabalhos pacíficos, a prosperidade máxima. Outros socialistas como Owen, Fourier e Blanc, distinguem-se de St.-Simon por preconizarem uma organização social em que os indivíduos, reunidos em grupos autônomos (associação cooperativa, de Owen, o falanstério de Fourier, oficina social de Blanc), conservem certa independência e não percam o poder de iniciativa, como ocorre na associação única de que fala St.-Simon. Mas o verdadeiro ataque ao fundamento da ordem liberal, a propriedade privada dos meios de produção, foi feito por Proudhon. No texto Qu’est-ce que la propriété? (1840), Proudhon afirmava que “a propriedade é roubo”, não no sentido de que ela tenha como origem o fruto da apropriação violenta, mas na medida em que dá a quem a detém o direito de fruir e dispor a seu bel-prazer do fruto do trabalho e da capacidade alheia. No entanto, em meados do séc. XIX, a doutrina da ordem natural tinha como expoentes máximos Bastiat e Stuart Mill. O primeiro a interpretava em sentido finalista, dizendo que a ordem natural se organiza com vista à perfeita autonomia social e reafirmando, assim, o princípio da bondade essencial das forças que agem nessa ordem (Harmonies économiques, 1849). O segundo, em Principles of Political Economy (1848), afirmava o caráter mecânico da ordem natural e via a garantia da mecanicidade dessa ordem na natureza da força que a produz: a tendência ao bem–estar individual. Portanto, as leis da economia, em particular as da produção dos bens, conservam o caráter de necessidade, e em face delas a única atitude possível por parte do Estado é o laisser-faire. Com efeito, tudo o que é produzido pelo homem deve obedecer às condições impostas pela natureza. Mesmo que o homem não queira, os produtos que ele cria serão limitados pela soma dos produtos acumulados anteriormente (o capital) e, em vista dessa soma, serão proporcionais à energia e à habilidade do homem, à perfeição das máquinas empregadas e ao uso judicioso da divisão do trabalho (lei do capital). Mesmo que o homem não queira, uma quantidade dupla de trabalho não produzirá, no mesmo terreno, uma quantidade dupla de produtos (lei das compensações decrescentes). Por outro lado, a distribuição da riqueza é uma instituição exclusivamente humana, dependente das leis e dos costumes civis, que variam segundo o tempo e o lugar, podendo variar sempre que os homens queiram. Por isso Stuart Mill, assim como toda a corrente do utilitarismo, é partidário de reformas até radicais nesse campo, desde que visem unir o máximo da liberdade individual à maior justiça na distribuição das riquezas naturais. Essa constatação de Stuart Mill — de que a distribuição da riqueza não é determinada necessariamente pelo mecanismo da ordem econômica — já é uma infração grave ao princípio da ordem mecânica. Todavia, esse princípio e a concepção da economia política que nele se funda resistiram aos dois ataques ferozes lançados contra a economia clássica na segunda metade do séc. XIX pela escola histórica e pelo marxismo. A primeira, fundada por Wilhelm Roscher (Grundriss zu Vorlesungen über die Staatswissenschaft nach geschichtlicher Methode, 1843), partia do princípio de que a ordem natural não é um mecanismo, mas um organismo que carrega em si uma lei de sucessão graças à qual passa por diversos graus de desenvolvimento. A ciência econômica deve, portanto, levar em conta esse desenvolvimento e ser a descrição da natureza econômica e das necessidades de um povo, ou seja, “a anatomia e a fisiologia da ordem econômica”. A escola histórica, que é o reflexo mais importante do romantismo no domínio da economia, por vezes acentuou (como fez Hildebrand) a diversidade dos organismos econômicos nacionais, negando que a economia clássica tivesse descoberto as leis econômicas naturais válidas em qualquer tempo e país. Contudo, na própria história dos organismos econômicos, a escola procurou justamente encontrar a ordem única ou, como dizia outro representante seu, Karl Knies, a “única lei geral do desenvolvimento da humanidade”, que determina a história de cada nação. Portanto, embora o conceito de organismo permitisse acentuar alguns caracteres aos quais o conceito de mecanismo dava pouca importância — o desenvolvimento e a individualidade histórica dos sistemas econômicos — e enfatizasse, assim, a dificuldade de se chegar a delinear uma ordem econômica universal, a exigência dessa ordem e sua descoberta ainda eram, para a escola histórica, o fundamento da economia política. Teve esse significado também para a doutrina que, sob certo aspecto, representou uma guinada na economia clássica — o marxismo. Com efeito, a passagem da sociedade capitalista para a sociedade comunista, que Marx previa como inevitável e necessária, seria produzida precisamente pelo funcionamento do mecanismo econômico: sua necessidade é a necessidade própria das leis desse mecanismo. Assim como o capital (no sentido exato da palavra, ou seja, o meio de proporcionar a mais-valia a partir da força de trabalho do operário) nasceu da destruição do artesanato e do trabalho livre, que obrigou as grandes massas proletárias a vender sua força de trabalho, determinando a concentração e o poder do capital, esse mesmo processo de concentração e de fortalecimento do capital, levado ao extremo, transformar-se-ia em sua negação. A concentração industrial afastará o proprietário cada vez mais da empresa e fará que a empresa, portanto sua direção, sua iniciativa e seu trabalho, acabem passando para as mãos dos trabalhadores assalariados. Desse modo, a função social da classe capitalista terá enfraquecido e sua expropriação poderá ser feita sem que o organismo produtivo se ressinta. Paralelamente, o proletário terá sido treinado pela própria organização das grandes empresas para geri-las e dirigi-las, estando pronto a assumir plenamente sua posse. Desse modo, a socialização dos meios de produção, sua transferência da classe capitalista para a operária, ocorrerá com a mesma fatalidade que rege as metamorfoses da natureza (Das Kapital, 1867, 1, 24, § 7).
Num primeiro momento, o caráter mecânico da ordem natural pareceu ser confirmado pela introdução da linguagem matemática na ciência econômica, devido a Augustin Cournot em Recherches sur les príncipes mathématiques de la théorie des richesses (1838), mas que só se tornou definitiva e frutífera alguns decênios mais tarde graças a Jevons e de Walras. A roupagem matemática da economia política ressaltava a analogia dela com a física, que Jevons foi um dos primeiros a enfatizar. “A teoria econômica”, dizia ele, “tem grande analogia com a ciência da mecânica estática: as leis de troca são semelhantes às do equilíbrio de uma alavanca, determinadas pelo princípio das velocidades virtuais. A natureza da riqueza e do valor mostra-se com clareza sempre que se considerem aportes infinitamente pequenos de prazer e de dor, precisamente como a teoria da estática foi baseada na igualdade de aportes de energia infinitamente pequenos. Acredito que certos ramos dinâmicos da ciência da economia podem prestar-se a desenvolvimentos próprios” (The Theory of Political Economy, 1871, Pref. à 1a ed.). Mas com Jevons e com Walras já estamos num campo diferente de formulação da teoria econômica.
2) Teoria do equilíbrio. — Segundo essa teoria, que constitui a segunda concepção fundamental da economia política, o objetivo dessa ciência é determinar qual a melhor combinação possível dos elementos econômicos: essa combinação, justamente por ser a melhor, manter-se-á indefinidamente se não for alterada por nenhum motivo, ou tenderá restabelecer-se se for alterada, sendo por isso um estado de equilíbrio (cf. Pareto, Man. di economia pol., III, § 22). Ora, a melhor combinação possível não é a única possível, mas uma entre muitas. Os pressupostos dessa teoria são dois: a) existem possibilidades ou alternativas diferentes na realidade econômica; b) entre as várias alternativas possíveis, uma só é a mais conveniente, a econômica; e esta última é necessariamente determinada pelas leis econômicas.
O pressuposto a) exprime a mudança decisiva que a economia política sofreu por volta de 1870, em vista do abandono de um dos fundamentos da teoria clássica, a da doutrina do valor–trabalho. A teoria clássica, baseada no princípio de que existe uma ordem econômica natural e necessária, não deixava alternativa à escolha individual; a rigor, não reconhecia nenhuma possibilidade de escolha. Os indivíduos só podem seguir seu instinto econômico, e a ordem econômica é o efeito natural e inevitável desse instinto. Numa ordem assim, o fundamento das relações econômicas, das trocas, ou seja, o valor, deve ser tão natural e necessário quanto a própria ordem: por isso a economia clássica, de Smith a Marx, vê a origem ou o princípio do valor no trabalho. O trabalho, como notava Marx (Das Kapital, 1,1, § 1), possibilita ter a medida exata do valor porque ele mesmo é exatamente mensurável em sua duração temporal. Esse era, entenda-se, o valor de troca, já que o valor de uso fora. constantemente identificado com a utilidade, ou seja, com a capacidade de um objeto de satisfazer a uma necessidade. Essa teoria do valor chocara-se com várias dificuldades, mas só graças a Jevons, Menger e Walras foi superada por uma nova doutrina, da utilidade marginal. A característica dessa teoria é que, para ela, o valor é “a importância que nós atribuímos a determinados bens concretos ou quantidades de bens, pelo fato de sabermos que a satisfação de nossas necessidades depende da possibilidade de dispor desses bens” (Menger, Grundsütze der Volkswirtschaftslehre, 1871). O valor, portanto, nasce da limitação dos bens em relação às necessidades e só essa limitação confere aos bens caráter econômico. Os bens que existem em quantidade ilimitada (p. ex., o ar) não têm valor econômico, pois a disponibilidade de uma fração desses tais bens não tem nenhuma utilidade. Com essas considerações, estabelece-se a condição fundamental para a existência do valor econômico: a raridade ou escassez dos bens disponíveis. E estabelece-se também uma relação entre escassez e valor, em virtude da qual, à medida que aumenta o número das frações disponíveis de uma mercadoria, diminui o valor de cada uma de suas frações. Nesse sentido, o valor de uma mercadoria consiste no que Jevons chamava de “grau final de utilidade” (Theory of Political Economy, 1871, cap. 3), que Walras chamava de “raridade” (Elements of Pure Political Economy, 1874; trad. it., p. 103) e que Marshall chamará de “utilidade marginal” (Principles of Economy, 1890): consiste, em resumo, na utilidade da última fração da mercadoria que satisfaz a uma necessidade. Walras definia em termos matemáticos a utilidade marginal como “a utilidade derivada da utilidade efetiva em relação à quantidade possuída” (Elements, trad. cit., p. 103), e Pareto, em seu Curso de economia política (1896, § 26), dava ao mesmo conceito o nome de “ofelimidade elementar”. Os pressupostos dessa teoria eram claramente enunciados por Menger em Unter-suchungen über die Methoden der Sozialwissenschaften und derpolitischen Oekonomie insbesondere (1883), que foi uma crítica decisiva à escola histórica da economia. Menger observou que o porfto de partida e o ponto de chegada de toda atividade econômica são rigorosamente determinados pela situação econômica do momento. As necessidades econômicas imediatas de qualquer sujeito econômico são determinadas por sua natureza e pela evolução que esta sofreu: os bens que esse sujeito tem a sua disposição são igualmente determinados pela situação econômica. Entre esses dois pólos desenvolve-se a atividade econômica do indivíduo. Ora, mesmo que sejam dados os pontos de partida e de chegada da atividade econômica, nem por isso está rigorosamente determinado apriorio caminho que, na realidade, o indivíduo seguirá para chegar à satisfação das necessidades. “O arbítrio, o erro e outras causas podem fazer (como de fato o fazem) que o homem tenha a liberdade de seguir rumos diferentes. Contudo, o certo é que, dadas aquelas premissas, um só é o caminho mais conveniente” (Ibid., Ap. 6). Portanto, se em qualquer economia são possíveis inúmeras direções da atividade do sujeito econômico, uma só é a direção mais conveniente, ou seja, a econômica; e só ela é rigorosamente determinável.
À corrente “realista”, da escola histórica, que, tomando como objeto de considerações “os fenômenos reais da economia humana”, podia chegar a “leis exatas”, Menger contrapõe a corrente “exata”, “que examina os fenômenos da economicidade, rigorosamente determinados, e assim consegue estabelecer algo que não são as leis exatas dos fenômenos reais — que em parte são absolutamente não-econômicas — mas as leis exatas da economicidade” (Ibid.). A economia exata de que falava Menger foi chamada “economia pura” por Walras, por Maffeo Pantaleoni (Principi di economia pura, 1889) e por Vilfredo Pareto. Este último, assim como Menger, insiste na necessidade de fazer determinadas abstrações para tornar possível a ciência econômica: abstrações que são da mesma natureza das realizadas pelas outras ciências. “Não conhecemos”, diz Pareto, “e não conheceremos jamais nenhum fenômeno concreto em todos os seus detalhes; só podemos conhecer fenômenos ideais que se aproximem cada vez mais do fenômeno concreto” (Corso, § 35). Assim como a astronomia limita suas pesquisas à forma genérica da terra, e a geografia e a topografia possibilitam aproximações progressivamente maiores, mas nenhuma descrição da terra conseguirá dar conta dos mínimos detalhes, também a “economia pura indica-nos a forma geral do fenômeno e a economia aplicada propicia uma aproximação maior, indicando as perturbações produzidas por causas que tinham passado despercebidas na primeira aproximação, mas nenhuma teoria jamais nos dirá de que modo será regulada a vida econômica de cada indivíduo” (Ibid., § 35). Logo, é preciso distinguir os “fenômenos principais” dos “fenômenos secundários”; e não se deve confundir “o estado de equilíbrio com o estado de transição de um equilíbrio a outro” (Ibid.. § 36). Desse modo, o estado de equilíbrio torna-se o verdadeiro objeto da ciência econômica. Supõe-se que esta tenha o objetivo de determinar, em cada caso, o optimum da situação econômica. Por vezes, distinguiram-se dois métodos fundamentais da teoria econômica do equilíbrio: o geométrico ou método de Marshall, dos equilíbrios parciais, o algébrico ou método de Losanna, do equilíbrio geral (cf. U. Ricci, Giornale degli economisti, 1906). Mas tanto os equilíbrios parciais quanto o equilíbrio geral constituem construções ideais ou soluções-limite de problemas cujos dados são, estes sim, extraídos da experiência, mas que, em conjunto, só reproduzem de modo idealizado e retificado a marcha dos fenômenos empíricos. Sob esse ponto de vista, Menger expressara com toda a clareza o pressuposto fundamental da teoria do equilíbrio ao observar que “premissa da regularidade dos fenômenos econômicos e, portanto, de uma economia teórica não é só o dogma do interesse individual sempre idêntico, mas também o da infalibilidade e da onisciência do homem nas a coisas econômicas” (Methode, 1, cap. 7). Como teoria do equilíbrio, ou seja, como determinação do optimum econômico mediante leis necessárias, a economia política deve, portanto, pressupor a infalibilidade e a onisciência do sujeito econômico.
Nesse ponto, mostra-se clara a analogia entre esta fase da ciência econômica e a mecânica clássica (anterior à revolução provocada por Einstein). Esta pressupunha a existência de uma ordem necessária da natureza, determinada por leis imutáveis, e com ela a existência de um sujeito físico, infalível e onisciente, que pudesse obter todas as informações possíveis sobre essa ordem sem nela interferir minimamente. A economia do equilíbrio pressupõe, analogamente, a existência de um equilíbrio econômico determinado por leis necessárias, e com ele a existência de um sujeito econômico, infalível e onisciente, capaz de obter todas as informações possíveis sobre esse equilíbrio sem interferir nele. Mas, exatamente como ocorreu com a física, esses pressupostos chocaram-se com dificuldades de ordem empírica. Os resultados obtidos pela teoria do equilíbrio muitas vezes se mostraram em conflito com a realidade econômica ou, na melhor das hipóteses, aplicáveis só a casos-limite muito circunscritos. A teoria do equilíbrio vangloriou-se da “pureza” ou “exatidão”, do “rigor” e da “necessidade” de suas conclusões, mas, ao mesmo tempo, mostrou-se incapaz de descrever os fenômenos econômicos mais complicados e de prevê-los com aproximação suficiente. Essa é uma situação paradoxal numa época como a nossa em que se mede a validade da ciência por sua capacidade de previsão, que, de resto, é a capacidade de agir no respectivo campo de fenômenos.
3) Teoria dos jogos — A primeira investida contra a teoria clássica do equilíbrio foi de autoria de Keynes. Em 1936 ele escrevia: “Embora a doutrina clássica em si mesma nunca tenha sido posta em dúvida por economistas ortodoxos até tempos recentes, a sua patente incapacidade de previsão científica com o passar do tempo reduziu consideravelmente o prestígio de seus seguidores. Pois os economistas de profissão, depois de Malthus, ficaram impassíveis diante da falta de correspondência entre os resultados de sua teoria e os fatos da observação; discordância essa que o homem comum não deixou de observar e que provocou nele uma relutância crescente em dispensar aos economistas o mesmo respeito que se manifesta em relação a outras categorias de cientistas, cujos resultados teóricos são confirmados pela observação, quando aplicados aos fatos”. Em particular, quanto ao problema do emprego, Keynes observava que “a teoria clássica representa o modo como gostaríamos que a nossa economia se comportasse, mas na realidade ignora as verdadeiras dificuldades e é incapaz de enfrentá-las” (The General Theory of Employment, Interest and Money, 1936, cap. 3, § 3). O próprio Keynes, porém, utilizava amplamente os procedimentos da teoria clássica, que ele julgava verificáveis em determinadas condições ilhid., cap. 24, § 3). Na fealidade, só nos últimos anos começou a delinear-se no campo da economia uma nova tendência que põe de lado definitivamente o pressuposto da teoria do equilíbrio: a infalibilidade e onisciência do sujeito econômico. A chamada “teoria dos jogos” parte do pressuposto de que o indivíduo não controla todas as variáveis de que depende o resultado de seu comportamento. Ele nunca está na situação de Robinson Crusoé, que conhece perfeitamente suas necessidades e os elementos que devem servir para satisfazê-las, controlando, portanto, tudo aquilo de que depende a sua utilidade total. Na realidade econômica a situação é completamente diferente, porque nela vários indivíduos estão em relação uns com os outros e o resultado do comportamento de cada um deles depende de variáveis diversas, das quais ele controla só uma parte, enquanto as outras dependem de outros indivíduos. O resultado geral, porém, depende simultaneamente de todas as variáveis. Ora, “essa situação”, nota Morgenstem, “não pode ser de nenhum modo definida como um problema de princípio, quaisquer que sejam as limitações e as condições acessórias em que se possa pensar. Encontramo-nos diante de uma situação lógico–matemática, que a matemática não soube representar de algum modo até agora, para não falar da economia teórica. Ela nada tem em comum com o cálculo das variações, com a teoria das funções, etc, mas constitui uma novidade de natureza efetivamente conceituai. Portanto é preciso examinar se é possível resolver o problema de como deveria comportar-se um indivíduo ou uma empresa para que seu comportamento possa ser considerado ‘racional’. Por enquanto, a palavra ‘racional’ não tem nenhum significado nessa construção: só poderá ter significado se for encontrada uma teoria que possa ser empregada em todas essas situações econômicas” (“Teoria dos jogos”, em A Indústria, 1951, pág. 319). Em vista dessa situação, a teoria dos jogos rejeita qualquer analogia com os sistemas físicos porque julga não haver nada na física que corresponda às situações tipicamente econômicas, e para elaborar seus procedimentos de cálculo utiliza um modelo completamente diferente, o dos jogos estratégicos. Nesses jogos, a vitória do indivíduo depende não só dos seus movimentos, mas também dos movimentos dos outros e de um componente aleatório. Cada jogador pode escolher entre várias estratégias, ou seja, entre vários modos de jogar a partida. Diremos que ele se comporta “racionalmente” quando, entre todas as estratégias, escolhe “a melhor”. A determinação dessa estratégia ocorre através de procedimentos matemáticos especiais de base estatística (Neumann e Morgenstern, Theory of Games and Economic Behavior, 1944). Para tanto, esses procedimentos exigem um complexo de observações econômicas extraordinariamente rico com base nos quais é possível realizar generalizações indutivas. Seja qual for o juízo sobre os detalhes técnicos dessa doutrina, é certo que, na economia contemporânea, ela representa a primeira ruptura decisiva com os pressupostos dogmáticos da teoria do equilíbrio e o encaminhamento para a determinação de uma técnica de comportamento racional nas situações de escassez que permite a previsão dos comportamentos efetivos. [Abbagnano]