As concepções materialistas ou mecanicistas da alma não são o apanágio do pensamento contemporâneo. Aristóteles e sua escola já se tinham ocupado com tais doutrinas. Qual a sua atitude a respeito delas?
Sigamos a exposição da Summa Theologica que é particularmente lúcida (Ia Pa, q. 75). Pode-se dizer de início que a alma é um corpo (a. 1)? Não, pois o que distingue o corpo vivo, como tal, do corpo não vivo não pode ser um corpo, pois do contrário todos os corpos deveriam ser reconhecidos como vivos. Se considerarmos especialmente o caso da alma humana, (a. 2), convém acrescentar que sua operação superior, o conhecimento intelectual, não pode ter um corpo como princípio. Possuir uma natureza corporal determinada seria para a inteligência um obstáculo ao conhecimento exterior de naturezas semelhantes, e assim não se poderia mais dizer que uma tal faculdade de conhecer está em potência para todos os inteligíveis.
Se a alma não é um corpo considerado em sua materialidade bruta, não se poderia admitir que seja algo resultante da combinação dos elementos? Tomás de Aquino encontrava esta teoria sob duas formas bastante parecidas: a da “alma complexão”, atribuída ao médico Galeno, e a da “alma harmonia”, que remontava a Empédocles (cf. Cont. Gent. II, c. 63-64) . O vivente, como os outros corpos, seria efetivamente composto só de elementos materiais, mas entre estes haveria uma certa proporção que, sem constituir um verdadeiro princípio formal, pois é antes uma resultante que um princípio, explicaria a organização e a atividade do conjunto. Não pode ser assim. Uma simples complexão corporal, ou uma harmonia, não pode desempenhar o papel de princípio motor, nem dirigir o corpo contrariando suas tendências próprias, como acontece às vezes; nem tampouco explica as operações que, como o conhecimento, ultrapassam manifestamente as qualidades da atividade e da passividade dos elementos materiais. Impõe-se, portanto, no princípio da vida, que haja uma realidade de consistência completamente outra.
Para não ficar em argumentos gerais, relatemos a discussão da teoria de Empédocles feita por Tomás de Aquino sobre um ponto preciso. Trata-se do fenômeno do aumento ou crescimento dos viventes. Para explicá-lo, não haveria nenhuma necessidade de recorrer a uma alma; bastaria o deslocamento natural dos elementos graves e leves. É assim que para as plantas o aprofundar-se das raízes proviria do movimento próprio para baixo do elemento terra que elas comportam, enquanto que o movimento do vegetal para cima viria da ascensão natural do elemento fogo. Ora, nota Tomás de Aquino, é impossível que seja assim, por diversas razões. Pois, de uma parte, pensa ele, o alto e o baixo não devem ser compreendidos da mesma maneira no universo e nos seres vivos (pois as raízes são o alto e a fronde o baixo da planta). Por outro lado, tais fôrças opostas deveriam, pela sua interação, terminar pela dissociação do vivente que só é efetivamente impedida pela fôrça unitiva superior da alma. Para outros, só o fogo seria causa ativa do crescimento, como ele o é da nutrição. Sim, responde Tomás de Aquino, o fogo é aqui uma causa, mas a título de instrumento de uma causa principal que só pode ser a alma. Energias puramente físicas tenderiam, com efeito, a causar um crescimento indefinido; um crescimento limitado supõe um princípio de regulação, ou uma medida, que seja de uma outra ordem.
É claro que tais explicações põem em jogo teorias físicas ultrapassadas. Mas, não é menos certo que a disposição da prova guarda real interesse. Eis como se processa: primeiro, constata-se um processo vital original, no caso, o crescimento; passa-se, em seguida, à refutação da teoria proposta, fazendo-se uma confrontação precisa dos respectivos comportamentos das transformações vitais e dos movimentos físicos; e, em um terceiro tempo, postula-se, para explicar verdadeiramente as atividades vitais, um princípio regulador que não seja de ordem material. Aplicada a fatos melhor controlados, uma demonstração deste tipo poderia ainda hoje ter valor.
Não deixa de ser interessante notar que, em nossos dias, a crítica do mecanicismo biológico foi retomada por autênticos sábios, reunidos ordinariamente sob a etiqueta do “vitalismo”. Esta denominação, é preciso que se diga, recobre um conjunto de concepções um pouco disparatadas. Permanece, contudo, a tendência comum de explicar os fenômenos vitais por uma fôrça que transcende as simples modificações da matéria, não podendo estas últimas explicar, de modo suficiente, a especificidade dos fenômenos em causa. Nesta escola, todo um grupo, o chamado dos neo-vitalistas, Driesch, Rémy Collin, Cuénot, orienta-se de modo claro para o reconhecimento de um princípio vital bem próximo da enteléquia aristotélica. [Gardeil]