(gr. makaria; lat. beatitudo; in. Béatitude; fr. Béatitude; al. Seligbeit; it. Beatitudiné).
O significado desse termo pode distinguir-se do de felicidade, de que é sinônimo, porque designa um estado de satisfação completa, perfeitamente independente das vicissitudes do mundo. Aristóteles, que às vezes usa esse termo e o termo felicidade indiferentemente, vincula a bem-aventurança à contemplação e comensura-a com o grau da atividade contemplativa nos vários seres vivos. Assim, a vida dos deuses é bem-aventurada porque contemplativa. Aos homens cabe uma espécie de semelhança com essa vida porque se elevam só vez por outra à contemplação; os animais não são absolutamente bem-aventurados porque carecem de atividade contemplativa (Et. Nic, X, 8, 1.178 b 9 ss.). Entre os homens, naturalmente, o sábio é o mais bem-aventurado (ibid, I, 11, 1.101 b 24). Na filosofia pós-aristotélica e sobretudo na estoica, a bem-aventurança do sábio tornou-se tema comum de exercício (cf. De vita beata de Sêneca), e no neoplatonismo de Plotino a crítica da felicidade, como é entendida por estoicos e aristotélicos (Enn., I, 4), é acompanhada pelo conceito de que a bem-aventurança é inativa porque indiferente a toda realidade externa. “Os seres bem-aventurados estão imóveis em si e basta-lhes ser o que são: não se arriscam a ocupar-se com nada, pois isso os faria sair do seu estado; mas essa é a felicidade deles, pois, sem agir, realizam grandes coisas e não fazem pouco permanecendo imóveis em si mesmos” (ibid., II, 2,1). A partir do neoplatonismo, pode-se dizer que o conceito de bem-aventurança se foi distinguindo cada vez mais do de felicidade, ligando-se estreitamente à vida contemplativa, ao abandono da ação e à atitude de reflexão interior e de retorno para si mesmo. A tradição cristã agiu no mesmo sentido, vinculando a bem-aventurança a uma condição ou estado, tão independente das lides mundanas quanto dependente da disposição interna da alma. A doutrina aristotélica da felicidade, própria da vida contemplativa, serviu de modelo aos escolásticos para a elaboração do conceito de beatitude. Tomás de Aquino diz que a bem-aventurança é “a última perfeição do homem”, isto é, a atividade da sua faculdade mais elevada, o intelecto na contemplação da realidade superior, isto é, de Deus e dos anjos. “Na vida contemplativa, o homem comunica-se com as realidades superiores, ou seja, com Deus e com os anjos, às quais se assemelha também na bem-aventurança” Portanto, o homem só obterá a bem-aventurança perfeita na vida futura, que será inteiramente contemplativa. Na vida terrena, ele pode obter uma bem-aventurança imperfeita, em primeiro lugar por meio da contemplação e em segundo lugar por meio da atividade do intelecto prático que organiza as ações e as paixões humanas, isto é, com a virtude (S. Th., II, I, q. 3, a. 5). Na Idade Moderna, o conceito de bem-aventurança e o de felicidade foram-se distinguindo cada vez mais, referindo-se o primeiro à esfera religiosa e contemplativa e o segundo à esfera moral e prática. Pode-se dizer que o único filósofo que não une os dois significados por simples confusão é Spinoza, para quem a bem-aventurança “é a satisfação íntima que nasce da cognição intuitiva de Deus” (Et., IV, ap. 4), identificando-a com a liberdade e com o amor do homem por Deus, que é o mesmo amor com que Deus se ama a si mesmo (ibid., V, 36, escól.). Mas como a intuição de Deus ou o amor por Deus significam, para Spinoza, o conhecimento da ordem necessária das coisas do mundo (ibid., V, 31-33), o caráter místico–religioso ou contemplativo da bem-aventurança identifica-se com o caráter mundano e prático da felicidade. O mesmo significado está na obra de Fichte, Introdução à vida bem-aventurada(1806). Aqui a bem-aventurança é definida, tradicionalmente, como a união com Deus: mas Fichte preocupa-se em abolir o significado contemplativo tradicional, não a considerando resultado de um “sonho devoto”, mas da própria moralidade operante (Werke, V, p. 474).
No pensamento moderno, essa noção e as palavras beatitude e beato deixaram de ter um uso propriamente filosófico. Além de ter acepções religiosas pejorativas, é considerada útil por alguns psicólogos, que a empregam para indicar certos estados patológicos de alegria, caracterizados pelo completo esquecimento da realidade (Pierre Janet, De l’angoisse à l’êxtase, III, cap. II). [Abbagnano]