átomo

gr. atomon solução monista para a problemática parmenidiana, atomon 1; operações de, ibid. 2; formação em agregados, genesis 8; prazer e dor são deslocações atômicas, hedone 8; movimento natural inerente, kinesis 4; derivativo em Epicuro, ibid. 5; indivisibilidade de, megethos 3; objeto de razão discursiva, noesis 15; qualidades de, pathos 4; alma-átomos, psyche 27; átomos como elementos, stoicheion 7, 10 [FEPeters]


(gr. atomon; in. Atom; fr. Atome; al. Atom; it. Atomó).

A noção de átomo ofereceu à filosofia ocidental uma das mais importantes alternativas de especulação e de pesquisa. Foi o instrumento principal da explicação mecânica das coisas e, em geral, do mundo (v. mecanismo). Leucipo e Demócrito elaboraram a seguinte noção do séc. V a.C: o átomo é um elemento corpóreo, invisível pela sua pequenez e não divisível. Os átomos diferem só pela forma e pela grandeza; unindo-se e desunindo-se no vácuo, determinam o nascimento e a morte das coisas, e dispondo-se diferentemente determinam a sua diversidade. Aristóteles (Mel, I, 4, 985 b 15 ss.) comparou-os às letras do alfabeto, que diferem entre si pela forma e dão lugar a palavras e a discursos diferentes, dispondo-se e combinando-se diferentemente. As qualidades dos corpos dependem, portanto, da configuração, da ordem ou do movimento dos átomos. Por isso, nem todas as qualidades sensíveis são objetivas e pertencem realmente às coisas que as provocam em nós. São objetivas as qualidades próprias dos átomo: forma, dureza, número, movimento; mas o frio, o calor, os sabores, as cores, os odores são somente aparências sensíveis, provocadas por configurações ou combinações especiais de átomos, mas não pertencentes aos próprios átomo (Demócrito, Fr. 5, Diels). O movimento dos átomos é determinado por leis imutáveis: “Nada, diz Leucipo (Fr. 2), “ocorre sem razão, mas tudo ocorre por uma razão e por necessidade”. O movimento originário dos átomo, fazendo-os girar e chocar-se em todas as direções, produz um vórtice que leva as partes mais pesadas para o centro e impele as outras para a periferia. Seu peso, que os faz tender para o centro, é, pois, um efeito do seu movimento vorticoso. Desse modo, formam-se infinitos mundos que, incessantemente, se geram e se dissolvem.

Esses fundamentos, próprios do velho atomismo, permaneceram inalterados nas outras formas de atomismo. A física de Epicuro representa uma repetição da física de Demócrito: na verdade, não tem muita importância a variante de Epicuro, segundo a qual os átomos caem em linha reta e que se encontram e produzem vórtices, quando, sem causa, se desviam da trajetória retilínea (Cícero, Definibus, 1,18; De nat. deor, I, 69). A noção de átomo não é utilizada durante toda a Idade Média, quando a única teoria aceita é a aristotélica, das quatro causas (v. física). Nos primórdios da Idade Moderna, embora essa noção retorne ocasionalmente — p. ex., em Nicolau de Cusa e em Giordano Bruno (De minimo, I, 2) —, só é utilizada como instrumento de uma teoria sistemática por Pierre Gassendi. Este, porém, admitindo que os átomos são criados por Deus, por Ele dotados de movimento e por Ele guiados e ordenados mediante uma espécie de alma do mundo, retira da física epicurista seu caráter materialista e mecânico, transformando-a em física espiritualista e finalista (Syntagma Philosophiae Epicuri, 1658). Entrementes, Descartes dera ensejo ao mecanicismo não-atomístico e considerara impossível a própria noção de átomo “Se os átomos existissem, deveriam necessariamente ser estendidos e, nesse caso, por menores que os imaginássemos, sempre poderíamos dividi-los com o pensamento em duas ou mais partes menores e, assim, considerá-los divisíveis” (Princ. phil., II, 20). Foi provavelmente baseado nessa consideração que Leibniz aceitou a noção de um átomo não mais físico, mas psíquico, isto é, da mônada.

A ciência moderna, embora mecanicista, não se vale, em princípio, do átomo. É verdade que, no final de Óptica (1704), Newton aduzia um complexo de razões, isto é, de experiências, para admitir que “todos os corpos são compostos de partículas duras”; e formulava a hipótese de que “Deus, no princípio, tenha dado à matéria a forma de partículas sólidas, dotadas de massa, duras, impenetráveis e móveis, com dimensões, configurações, propriedades e proporções com o espaço adequadas a cada fim para o qual as formou” (Optics, III, 1, q. 3D; mas é também verdade que essas e semelhantes especulações não pertenciam à ciência, mas à esfera das opiniões particulares do cientista. Na realidade, a hipótese atômica ingressa na ciência só no início do séc. XIX, por meio da química. A lei das proporções múltiplas, formulada por John Dalton, exprimia o fato de que, quando uma substância se combina com quantidades diferentes de outra substância, estas quantidades estão entre si como números simples, isto é, comportam-se como se fossem partes indivisíveis. Mas as partes indivisíveis outra coisa não são senão átomos. Portanto, a hipótese da composição atômica da matéria como explicação da lei das proporções múltiplas era proposta pela primeira vez por Dalton em 1808. Embora suscitasse, imediatamente, uma oposição acirrada por aparecer como o retorno de uma antiga doutrina metafísica, portanto, como uma invasão do campo da metafísica por parte da ciência, na realidade essa era uma hipótese aventada para explicar um fato bem verificado. E mais do que hipótese, essa noção mostrou-se realidade quando, em 1811, a teoria de Avogadro (sobre a uniformidade do número das partículas contidas em dado volume de gás) permitia estabelecer o peso dos átomos relativamente ao átomo do hidrogênio, assumido como unidade: o que conferia aos átomos realidade física (mensurável). A noção de átomo devia sofrer transformação radical a partir da segunda metade do séc. XIX, com o estudo dos fenômenos dos gases rarefeitos e das emanações radioativas. O átomo, indivisível para a química, não era mais indivisível para a física. Por volta de 1904, Thompson concebia o primeiro modelo de átomo, imaginando-o constituído por uma pequena bola com carga elétrica positiva, em cujo interior houvesse certo número de elétrons. Mas algumas experiências de Rutherford demonstravam que a matéria é bem menos compacta do que levaria a supor o modelo atômico de Thompson. Por isso, Rutherford, por volta de 1911, imaginava a estrutura do átomo como um sistema solar em miniatura, constituído por um núcleo central com carga elétrica positiva (comparável ao Sol) e por vários elétrons que giram em torno dele (comparáveis aos planetas). Uma inovação ulterior do modelo do átomo foi feita por Bohr, que, tendo em mente a descoberta do quantum de ação, imaginou que o elétron percorre, em torno do núcleo, determinado número de elipses e pode saltar de uma elipse para outra, libertando nesse salto um quantum de energia. A descoberta do princípio de indeterminação demonstrava, porém, que não é possível observar por inteiro a trajetória de um elétron e que, por isso, a própria noção de trajetória não tem significado físico (nada que não seja observável ou mensurável tem significado físico). Mas, então, o próprio modelo de átomo de Bohr perdia significado físico e deixava de ter a pretensão de ser a imagem exata do átomo. A partir de 1927, isto é, da data em que Heisenberg descobriu o princípio de indeterminação, a ciência praticamente abandonou qualquer tentativa de descrever o átomo ou de defini-lo de um modo qualquer. No estado atual das coisas, o adjetivo “atômico” permanece somente para designar a escala em que certos fenômenos podem ser observados e medidos. [Abbagnano]