Arquipassibilidade

Mas, como a Arqui-inteligibilidade é uma Arquipassibilidade — a Arquipassibilidade em que Deus se ama eternamente a si mesmo no amor infinito de seu Verbo –, como é também nessa Arquipassibilidade que esse Verbo tomou carne e que toda carne é possível, tanto a nossa quanto a dele, então, com efeito, ela habita toda carne, alterando radicalmente a ideia que fazemos desta. Nossa carne não é esse corpo opaco que cada um leva consigo desde o que lhe dizem ser seu nascimento — esse corpo que ele observará ao longo de toda a sua existência sem surpresa — e, todavia, na angústia — cada particularidade, cada qualidade e cada defeito, cada modificação, cada prostração, cada ruga que traça invencivelmente em seu rosto de homem ou de mulher os estigmas de sua decrepitude e de sua morte. Nosso corpo não é um objeto incapaz de encontrar em si e de assegurar ele mesmo sua promoção à categoria de fenômenoobjeto entregue ao mundo, limitado a lhe pedir que o ilumine com seu brilho fugidio, no tempo de aparecer neste e depois desaparecer. Nossa carne traz em si o princípio de sua manifestação, e essa manifestação não é o aparecer do mundo. Em sua autoimpressionalidade patética, em sua própria carne, dada a si mesma na Arquipassibilidade da Vida absoluta, ela revela esta que a revela a ela, ela é em seu páthos a Arquirrevelação da Vida, a Parusia do absoluto. No fundo de sua Noite, nossa carne é Deus.

Não se tinha jamais pedido à carne que detivesse em si o princípio do saber e, mais ainda, o saber supremo. É por isso que ela desconcerta e desafia a sabedoria dos sábios e a ciência dos cientistas, toda forma de conhecimento que decorre do mundo, que pensa, mede e calcula em si tudo o que temos que pensar e que fazer e tudo aquilo em que temos que crer. Nunca se tinha pedido à carne que detivesse o princípio de nosso saber e de nossa ação, mas ela mesma nunca tinha pedido a ninguém nem a nada de outro que a esclarecesse, [381] que esclarecesse a respeito dela mesma e nos dissesse o que ela é. Quando, em sua inocência, cada modalidade de nossa carne se experimenta a si mesma, não sendo nada além dela mesma, quando o sofrimento diz o sofrimento e a alegria diz a alegria, é a carne, com efeito, que fala, e nada tem poder contra sua palavra. Não há carne, todavia, senão por efeito de sua vinda a si, numa en-carnação, na Encarnação do Verbo na Arquipassibilidade da Vida absoluta. (Michel Henry MHE)