antropologia

Etimologicamente deriva do grego e significa: doutrina do homem. O termo foi, a princípio, utilizado para designar a antropologia científico-natural, a qual, servindo-se dos métodos das ciências naturais (distintos dos que são peculiares às ciências do espirito) estuda o homem em suas propriedades somáticas. Contudo, nos últimos decênios prevaleceu definitivamente a antropologia filosófica, cujo pioneiro se pode afirmar ter sido Max Scheler.

Para uma apreciação desta viragem na história do pensamento, bastará subministrar aqui umas quantas indicações. Sem dúvida alguma, o problema do homem é, de algum modo, “o” tema da filosofia; só que, no passado, ele não constituía o ponto central dominante. A antiguidade centrava-se em torno do “cosmos” ou da natureza em si estática e encarava o homem em conexão com ela. Para a Idade Média o homem era um membro da “ordem” emanada de Deus. A Idade Moderna desprendeu o homem destas bases que o sustentavam, firmando-o sobre si mesmo, mas predominantemente como “sujeito” ou razão, de sorte que esta, como sujeito transcendental ou razão universal panteisticamente absoluta, acabou por subjugar e volatilizar o homem, convertendo-o em momento fugaz do curso evolutivo do Absoluto. Por fim, o homem tomou consciência da inanidade de tais construções e verificou haver perdido tudo, incluindo sua própria personalidade, e que principalmente, depois de haver sacrificado a vida do conceito abstrato ilusório, se encontrava agora perante o nada. A viragem teve início, quando o homem se sentiu jogado sobre si mesmo e (em oposição ao idealismo) precisamente sobre a concretidade pessoal e histórica de sua vida que antecede e ultrapassa todo e qualquer conceito. Por tal forma o homem se torna para si mesmo “o” tema de toda especulação filosófica: interessa estudar o homem e estudar tudo o mais apenas em relação a ele. Pelo que, a filosofia degenera mais ou menos em antropologia, e muitas vezes também se perde nela. O primeiro rompimento manifesta-se em Scheuing, no derradeiro período de sua filosofia, e em Kierkegaard. Depois, a evolução prossegue, passando por Nietzsche, pela filosofia da vida e pela fenomenologia, até chegar a Scheler, o qual formula de modo explícito o tema antropológico como tal. Finalmente, a filosofia existencial (filosofia da existência) representa a derradeira tentativa de aprofundar filosoficamente o assunto e como que o reu epílogo.

Os diversos rumos, tomados pela antropologia, mostram, ao mesmo tempo, os riscos que dentro em si alberga. Passando a vida para o primeiro plano, e além disso encarando-a preponderantemente do ponto de vista do corpo, sucede que a característica peculiar do homem de novo se desvanece; isto é o que transparece em Nietzsche e reiteradamente na filosofia da vida, e de modo especial nos derradeiros escritos de Scheler e em Klages. As mais das vezes chega-se a preconizar uma volatilização dos restantes conteúdos da vida, por efeito do biologismo, do relativismo e do psicologismo. Outros autores empenham-se em salientar o caráter peculiar do homem, o qual, enquanto existência, mediante sua auto-realização, leva vantagem aos meros seres que o circundam: assim pensa Kierkegaard e, após ele, a filosofia existencial em geral. Todavia mais e mais se nota aqui a tendência para tudo reduzir a puros modos de existir do homem, atitude esta que demuda a antropologia em antropologismo! Importante raiz dos perigos apontados encontra-se principalmente no irracionalismo (irracional), o qual não pretende alçar-se sobre a auto-experiência imediata da vida ou do homem e permite apenas a interpretação ou hermenêutica (Dilthey) da vida ou sua análise fenomenológica (desde Husserl.).

A título de apreciação crítica da antropologia, convém dizer que a filosofia, globalmente considerada, jamais poderá ser reduzida a ela (antropologismo). A antropologia, encarada metafisicamente, é antes aquela parte da filosofia que investiga a estrutura essencial do homem. Contudo este ocupa o centro da especulação filosófica, na medida em que tudo se deduz a partir dele, na medida em que ele torna acessíveis as realidades, que o transcendem, nos modos de seu existir relacionados com as mesmas. Pelo que, o caminho conducente aos domínios peculiares da ontologia abre-se unicamente através de uma interpretação basicamente ontológica do homem. Neste sentido, uma prévia antropologia é a porta de acesso à filosofia, a qual, por esse motivo, fica determinada antropologicamente (não antropomorficamente!) na forma de sua expressão. — Lotz. [Brugger]


(in. Anthropology; fr. Anthropologie; al. Anthropologie; it. Antropologia).

Exposição sistemática dos conhecimentos que se têm a respeito do homem. Nesse sentido geral, a antropologia fez e faz parte da filosofia, mas, como disciplina específica e relativamente autônoma, só nasceu em tempos modernos. Kant distinguiu a antropologia fisiológica, que seria aquilo que a natureza faz do homem, da antropologia pragmática, que seria aquilo que o homem faz como ser livre, ou então o que pode e deve fazer de si mesmo (Antr., pref.). Essa distinção permaneceu e hoje se fala de antropologia física, que considera o homem do ponto de vista biológico, isto é, em sua estrutura somática, em suas relações com o ambiente, em suas classificações raciais, etc, e de antropologia cultural, que considera o homem nas características que derivam das suas relações sociais. A antropologia física costuma, por sua vez, ser dividida em paleontologia humana e somatologia. A paleontologia humana trata da origem e da evolução da espécie humana, especialmente a partir do que é revelado pelos fósseis. A somatologia trata de todos os aspectos físicos do homem. A arqueologia e a etnologia correspondem, no campo cultural, às duas ciências precedentes; e a linguística tem como objeto não só a análise e a classificação das línguas, mas a compreensão, através das línguas, da psicologia individual e de grupo (cf. R. Linton, ed., The Science of Man in the World Crisis, 1945, 1952). Segundo Lévi-Strauss, a antropologia distingue-se da sociologia na medida em que tende a ser uma ciência social do observado, ao passo que a sociologia tende a ser a ciência social do observador (Anthr. structurale, 1958, cap. XVII).

Os filósofos sublinharam muitas vezes a importância da antropologia como ciência filosófica, isto é, como determinação daquilo que o homem deve ser, em face do que é. Humboldt, p. ex., queria que a antropologia, embora procurasse determinar as condições naturais do homem (temperamento, raça, nacionalidade, etc.) visasse descobrir, através dessas condições, o próprio ideal da humanidade, a forma incondicionada à qual nenhum indivíduo está completamente adequado, mas que permanece o objetivo a que todos os indivíduos tendem (Schriften, I, pp. 388 ss.). Nesse sentido a antropologia foi entendida por Scheler (O lugar do homem no cosmos, 1928), que por isso a coloca em situação intermediária entre a ciência positiva e a metafísica. — Mais especificamente, a tarefa da antropologia filosófica deveria ser considerar o homem não simplesmente como natureza, como vida, como vontade, como espírito, etc, mas como homem, isto é, relacionar o complexo de condições ou de elementos que o constituem com seu modo de existência específico. Tal é a exigência feita, p. ex., por Biswanger (Ausgewahlte Vorträge und Ausätze, I, p. 176). Nesse sentido, o Ensaio sobre o homem (1944) de Cassirer é um estudo de antropologia filosófica centrado no conceito de homem como animal symbolicum, isto é, como animal que fala e cria o universo simbólico da língua, do mito e da religião. [Abbagnano]