animismo aristotélico

No capítulo I do De Anima, que é o texto decisivo para a definição da alma, procede Aristóteles a modo de colocação nas grandes categorias do ser. Parte do fato de que o vivente aparece no mundo como um ser corporal. Eis então como Aristóteles raciocina.

A substância, que é a categoria primeira, é espiritual ou corporal. A substância corporal, que nos é a mais manifesta, é, por sua vez; artificial ou natural. Enfim, entre as substâncias corporais naturais, algumas são inanimadas enquanto outras têm vida. O que são estas justamente? Sendo reconhecido que em toda substância corporal há três coisas, a saber a matéria, a forma e o composto, será preciso dizer: que a alma não pode ser matéria ou sujeito, pois a vida surge como uma diferença especificando o sujeito; que não pode tampouco ser o composto que é o corpo vivo em sua totalidade; resta, pois, que seja a forma que especifica e determina:

“Sic igitur cum sit triplex substantia, scilicet compositum, materia et forma, et anima non est compositum quod est corpus habens vitam, neque est materia, quae est corpus subjectum vitae, relinquitur, per locum dialecticum a divisione, quod anima sit substantia, sicut forma talis corporis, scilicet corporis physici habentis in potentia vitam” De Anima, II, 1, 1

Em seguida, indica Tomás de Aquino porque é especificado que a alma é forma de um corpo “tendo a vida em potência”: é só quando informado pela alma que o corpo terá a vida em ato. Mostra que o ato, do qual aqui se trata, é um “ato primeiro”, isto é, uma forma essencial e não um ato operativo. Por fim mostra que o corpo, do qual a alma é a forma, é um “corpo físico organizado”: por ter múltiplas operações e exigir, como instrumentos, órgãos diversificados, a alma só pode vir a informar um corpo já organizado.

Agrupando o conjunto destes dados obtemos a definição clássica de alma:

“o ato primeiro (ou a forma) de um corpo físico organizado tendo a vida em potência

“actus primus corporis physici organici vitam in potentia habentis”.

No Capítulo 2 do mesmo livro, propõe Aristóteles uma outra definição de alma, desta vez de ordem dinâmica. Suposto que a alma é o primeiro principio da vida e que, por outro lado, “a vida é o fato de se nutrir, crescer e perecer”, conclui que a alma pode ser definida como o princípio destas funções às quais, para o homem, acrescentar-se-á a atividade superior do pensamento. Assim, obtém-se com Tomás de Aquino (De Anima, II, 1. 4) a fórmula que igualmente se tornou clássica:

Anima est primum quo et vivimus et movemus et intelligimus”.

É fácil perceber que, no quadro geral da teoria das substâncias, esta fórmula abarca a precedente. Em uma substância composta, com efeito, o princípio primeiro de todas as operações é a forma que assim é simultaneamente: aquilo pelo qual ela é (quo est), e aquilo pelo qual age, (quo operatur).

Restaria emitir um juízo sobre esta famosa definição da alma como forma do corpo. Nos textos que acabamos de resumir, apresenta-se a doutrina ao mesmo tempo rigorosamente lógica e com uma certa sequidão abstrata. É claro que se supôs como admitida a teoria geral do composto substancial; feito isto, tudo parece caminhar por si.

Este esquematismo intrinsecamente muito coerente, é por si só expressivo do trabalho de pensamento realizado pelo Estagirita? Não cremos. Seria esquecer as longas considerações críticas do livro precedente que são representativas das meditações de diversas gerações de pensadores, de Empédocles a Demócrito e de Anaxágoras ao autor do Fédon e do Timeu: tudo isto assimilado e revivido pelo fundador do Liceu durante o longo período de elaboração de sua doutrina. Se o materialismo dos antigos é impotente para explicar o vivente na originalidade de sua estrutura e de sua atividade, se o dualismo platônico compromete irremediavelmente sua unidade, não será preciso elaborar uma doutrina mais compreensiva e mais abrangedora? O hilemorfismo físico apresenta-se então como a solução libertadora: a alma só pode ser a forma do corpo. [Gardeil]