absoluto e relativo

Muitos critérios de verdade têm aparecido ao longo da história da filosofia. Antes de mais, porém, é necessário saber que espécie de verdade se pretende, porque o termo tem vários sentidos. É a verdade «um» valor intemporal e universal, ao qual as coisas terão de se adequar para poderem ser consideradas como verdadeiras? Uma verdade, padrão universal e único para todos e para tudo, seria «uma» verdade? Se tal verdade existisse, teria utilidade para orientar a atividade restrita e limitada, como é a dos homens? Há dois aspectos que, ao longo destas páginas, temos vindo considerando e que têm aqui a sua aplicação. A verdade pode ser entendida no sentido transcendental [Na acepção kantiana: o que ultrapassa ou pretende ultrapassar o domínio da experiência. V. texto n.° 57] e no sentido experiencial. Sem esta distinção, o problema da verdade de pouco serve para a aclaração do fenômeno do conhecimento. Doutra maneira, os vícios do senso comum, e as induções ilegítimas, operam uma transposição metafísica. O único critério de verdade útil para o conhecimento tem em si a expressão da sua relatividade. Possuir o sentido da sua relatividade não significa, porém, que este critério fez perder à verdade o seu valor absoluto, que lhe é exigido para ser verdade. Absoluto, no problema do conhecimento, equivale a «plenamente adequado». Verdade «relativa a» não significa que a verdade é, em si mesma, relativa. A verdade, no sentido total ou universal que criticamos, é sempre «relativa a» uma certa concepção do universo, sem por isso ter perdido o seu valor absoluto ou de plena adequação. «Absoluto» e «relativo a» não se contradizem, porque qualquer conhecimento absoluto que pensemos é sempre «relativo a», sem em si próprio ser relativo. Neste problema transpôs-se indevidamente a relação exterior em relação íntima. Sem pretendermos afirmar um paradoxo, poderíamos dizer que o valor absoluto da verdade está na sua perfeita adequação, ou na sua «relatividade a». A afirmação de que «absoluto» é contrário a qualquer espécie de relação não nos parece correta. Absoluto significa em «relação perfeita a». No problema do conhecimento, «absoluto» significa «perfeitamente adequado», e esta adequação é uma relação que não torna o conhecimento relativo, como já afirmamos. O valor máximo para que todo o conhecimento aspira é a «adequação», e nisto reside o seu valor absoluto. O progresso do conhecimento, a conquista do chamado absoluto, é o progresso da adequação, seja ela conseguida por via representativa, ou por via simbólica. Conhecer é sempre adequar uma representação a um fato, ou um símbolo a um objeto. Há outras formas de conhecimento? É possível. Estas duas formas que referimos, porém, aparecem em qualquer setor da atividade cognitiva, e a elas apenas nos limitamos. Há outros momentos no processo de conhecimento que são relevados, por vezes, como constituindo elemento fundamental, e relativamente aos quais todos os outros seriam acessórios. É este método uma transposição grosseira de situações reais exigidas na vida prática. Mas no fenômeno do conhecimento não é possível separar os seus elementos em «mais» e «menos» importantes. [Delfim Santos, Conhecimento e Realidade, Lisboa, 1940, pp. 111-115]


Ao longo de sua história os chineses refletiram sobre as relações entre o absoluto e o relativo, o transcendente e contingente, sem dissociar o absoluto do relativo; constantemente tiveram a preocupação de dispor do absoluto como não exclusivo e de aí introduzir sinteticamente o relativo, tanto os budistas como os taoistas.

Para os chineses, o absoluto não é deste universo, que comporta um Céu e uma Terra destinados à ruína, que serão substituídos por um outro Céu e uma outra Terra; quer dizer que este universo não é a totalidade, mas dela é feito, pois é formado do Sopro do qual toda coisa é somente forma concentrada ou diluída. Todo ente, toda existência, está ligada intrinsecamente à totalidade por sua substância, o sopro, e por sua estrutura, pois todo ente é um microcosmo cujas diferentes partes se ordenam em ressonância com o conjunto, o conjunto do universo sendo concebido como um sistema de relações e de interações, a vida e o mundo são apenas relações infinitas entre tudo o que existe, nenhum indivíduo e nenhuma entidade podem existir isoladamente e por si mesmo. Assim cada ente nada mais é que o cruzamento de forças e de situações diversas, um filtro que dá uma aspecto de realidade, um signo de relações múltiplas, multidimensionais, com os outros. No entanto o mundo em sua totalidade não é supervisionado por nenhum absoluto; ele não é criado mas se auto-cria.

Para os taoistas, a coincidência entre o absoluto e o relativo se exprime por aquela que deve juntar o mundo “anterior ao céu” ou numenal, e o mundo «posterior ao céu» (Tian); é sobre o que trabalham os alquimistas que “extraem” os agentes «anteriores ao céu», pré-existenciais e eternos, figurados de múltiplas maneiras (seja pelo traço yang tomado no trigrama (kan) (vide Trigramas) do I Ching, e incluso nos dois traços yin, seja pelo “sopro interior”, por contraste com o “sopro exterior” que respira o homem ordinário, seja por uma “centelha yang” que está depositada no homem desde antes de sua concepção e desde antes do tempo para purificar e sublimar os agentes grosseiros “posteriores ao céu”. (Isabelle Robinet: Excertos de “Les Notions philosophiques”, PUF, 1990)