HEIDEGGER (Martin), filósofo alemão (Messkirch, Bade, 1889). Aluno de Husserl, defende em 1916 sua tese sobre a Doutrina das categorias em Duns Scot. Professor em Marburg, publica O ser e o tempo (Sein und Zeit) em 1927. A considerável influência dessa obra (da qual Sartre retirou quase todas as suas análises em O ser e o nada, e Carnus a sua noção de “absurdo” da existência) provém de suas análises existenciais do homem em situação. Entretanto, os mais recentes textos do filósofo têm confirmado a Introdução de Sein und Zeit, segundo a qual não é a questão do homem e sim a questão do ser, que é, para Heidegger, o centro de sua reflexão (Da essência da verdade e Carta sobre o humanismo, 1947). Esta inclina-se no sentido de uma análise da linguagem poética (Satz vom Grund, 1957; Die Sprache) como único local da revelação do ser. Pensador mais inspirado que rigoroso, profeta de nossa época “decadente” e da era atômica, Heidegger exerce atualmente profunda atração sobre todos os espíritos. [Larousse]
Martin Heidegger nasceu em 1889 em Messkirch, na Floresta Negra, na Alemanha, filho de um toneleiro e sacristão, de família há muito residente na região. No Ginásio de Freiburg, em 1907, lê a tese de Franz Brentano, Sobre as múltiplas significações do Ente em Aristóteles, onde vai pela primeira vez encontrar uma referência ao problema que tanto discutirá depois — a questão do Sentido do Ser. Através de Brentano chega a Husserl e à fenomenologia. Suas investigações começam em 1914 com a dissertação A Doutrina do Julgamento no Psicologismo, e prosseguem em 1916 com A Doutrina das Categorias e da Significação em Duns-Scotus. Nos dez anos que se seguem, possivelmente guiado por estudos de teologia (a respeito de que dará cursos, como o Introdução à Fenomenologia da Religião, de 1921 em Friburgo), tenta fundar a questão do Ser numa analítica existencial (isto é, numa descrição rigorosa e elucidadora) da facticidade e da finitude humanas. O resultado desta interrogação será a publicação, em 1927, de Sein und Zeit (Ser e Tempo), primeira parte de um tratado que deveria discutir a questão do Ser na Filosofia ocidental a partir da analítica da existência humana. Em 1933 adere ao partido nazista, pouco depois de ser eleito reitor da Universidade de Friburgo mas em 1934 se desilude com Hitler, abandonando a reitoria e o nazismo, e sendo pouco a pouco marginalizado pelos órgãos oficiais de educação da Alemanha. Por está época muda o método de ataque à questão do Ser, tentando aprofundá-la agora através de uma consideração a respeito do desenvolvi-se do pensamento ocidental, desde os primeiros pré-socráticos até Nietzsche, em quem vê o último pensador da metafísica ocidental. Publica, então, trabalhos como Sobre a Essência da Verdade (1943), A Doutrina de Platão sobre a Verdade — Com uma Carta sobre o Humanismo (1947), Caminhos no Bosque (1950), Introdução à Metafísica (1953), Que significa Pensar? (1954), O Princípio da Razão- (1957), No Caminho da Linguagem (1959), Nietzsche (1961), A Técnica e o Retorno (1962), Marcos no Caminho (1967), Sobre a Questão do Pensamento (1969), Heráclito (com Eugen Fink, 1970). O pensamento de Heidegger nos oferece duas grandes linhas originais. A primeira linha, cuja maior expressão está em Ser e Tempo, tenta encontrar a questão do Ser (e sua importância para o pensamento ocidental, na metafísica e na lógica) a partir de uma analítica do Dasein. Uma analítica pretende mostrar, fazer aparecer, os constituintes originários de nossa experiência. O nome Dasein resume a natureza destes constituintes: o Dasein somos nós, somos o Ser (Sein) que existe sempre centrado num Aí (Da) perfeitamente determinado, e cuja finitude surgirá deste posicionamento originário. Ser e Tempo teve grande influência (mas que Heidegger considerou como sendo “um mal-entendido”) nos existencialismos sartreanos, na teologia de Bultmann e na psicanálise existencial de Binswanger.
A segunda linha do pensamento de Heidegger volta-se para a história da metafísica ocidental, vista como um fenômeno único dentro da história mundial. Esta metafísica começou com os pré-socráticos, sete séculos antes de Cristo, desenvolveu-se pela Idade Média e se extinguiu em Nietzsche, não sem antes ter gerado a técnica e a ciência contemporâneas. O que marca a afirmação da metafísica (e o esquecimento da questão do Ser, em cuja formulação, há três mil anos, Heidegger vê a origem do Ocidente como movimento cultural) é transformação da “verdade” dos pré-socráticos, a aletheia na veritas. A aletheia significa o não–ocultamento e o não–esquecimento (Léthe era o rio de cujas águas quem bebia perdia a memória); indica também a possibilidade de um destino, de uma passagem do escuro, do oculto, ao claro, ao desvelado. A veritas, ao contrário, é um mero ajuste entre dois entes, a concordância entre a palavra e certo estado de coisas. Na veritas perdeu-se a destinação, o sentido em movimento que havia na aletheia.
Heidegger tenta nos oferecer uma visão una da história do ocidente, e sobretudo procura enquadrar, nesta visão, a tecnologia e a ciência contemporâneas, oferecendo-lhes, como perspectiva, todo o fundo da cultura ocidental, e desmistificando-lhes o “fantástico” e o “assombroso”. Por tornar assim finito o problema da tecnologia contemporânea, a visão de Heidegger é bem mais potente que as outras críticas da modernidade feitas por Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Georg Lukács (no seu livro História e Consciência de Classe), e como que ilumina muitas das imprecisões e dos exageros de Oswald Spengler em sua obra A Decadência do Ocidente. (Francisco Doria – DCC).
Sem dúvida, essas grandiosas criações metafísicas hindus não são comparáveis aos impulsos e anseios paradoxais que deram origem aos universos imaginativos do homem ocidental. Contudo, suas afinidades estruturais são, não obstante, evidentes e levantam novas e fascinantes questões a serem resolvidas por filósofos e psicólogos. Por outro lado, não podemos desprezar os esforços incessantes dos mais profundos e prolíficos pensadores ocidentais para recuperar o significado existencial da morte. Com efeito, embora desprovida de significações religiosas, em consequência da rápida secularização da sociedade atual, a morte tornou-se, desde Sein und Zeit, o verdadeiro centro da indagação filosófica. O sucesso excepcional – podia-se dizer que se tornou uma moda – das investigações de Heidegger, ilustram o anseio do homem moderno por uma compreensão existencial da morte.
Não faz sentido tentar resumir a contribuição decisiva de Heidegger para a investigação filosófica. É importante, contudo, salientar que, se ele descreve a existência humana como “ser para a morte” (Sein zum Tode) e considera a morte como “a potencialidade mais característica, exclusiva e última da Dasein”23 ele também afirma que “morte é o esconderijo para onde o Ser se retira como se fosse para as montanhas” (Gebirg).24 Ou, citando outra passagem, a morte, “como o santuário do Não-Ser, esconde em si a presença do Ser” (das Wesende des Seins).25
É quase impossível formular simples e claramente qualquer uma das conclusões fundamentais de Heidegger. Não obstante, parece que, para ele, é através da compreensão correta do fato da morte que o homem encontra o domínio sobre si mesmo e, consequentemente, encontra o sentido do Ser. Realmente, uma existência torna-se autêntica, isto é, integralmente humana, quando, aceitando a inevitabilidade da morte, o homem compreende a “liberdade para a morte” (Freiheit zum Tode). Contudo, uma vez que a morte “guarda em si a presença do Ser”, pode-se interpretar que de acordo com o pensamento heideggeriano o ato da morte em si é fator do encontro do homem com o Ser. Qualquer que seja a conclusão de um exegeta sobre tal interpretação, permanece sempre importante o fato de Heidegger haver provado de maneira admirável a coexistência da morte e da vida, do ser e do não-ser.
Qualquer historiador de religiões ficaria particularmente fascinado pela análise perspicaz que Heidegger desenvolve sobre a presença multiforme da morte no cerne ua vicia e da camuflagem inextrincável do ser no não-ser. É talvez privilégio e a mais elevada satisfação do historiador de religiões descobrir a continuidade do pensamento e da imaginação humanos, desde a pré-história até os nossos dias, a evolução desde o mito ingênuo e enigmático como aquele da Pedra e da Banana até o grandioso e não menos enigmático Sein und Zeit. (Eliade)