chronos

chronos: tempo

1. O tempo como personificação, Chronos, aparece nas cosmogonias quase míticas antes de conquistar um lugar nas cosmologias filosóficas. Chronos em vez de Kronos, o pai de Zeus, foi uma substituição bastante vulgar (ver Plutarco, De Iside 32), e o primeiro a tê-la feito deve ter sido o protofilósofo do século vi, Ferecides (D. L. I, 119). Fosse quem fosse que a originou, um Tempo poderoso é um elemento principal nos poetas (cf. Píndaro, 01. II, 17 e fr. 145), e particularmente nos tragediógrafos (Oed. Col. 607-623 é apenas um dos muitos exemplos de Sófocles, que gostava especialmente da figura) onde o Tempo é uma figura de poder que não só está à cabeça ou próximo do processo genealógico, como nas cosmogonias, mas domina e governa o kosmos.

2. O pensamento de um poeta a respeito do tempo tem significado particular visto que é notavelmente semelhante ao que um filósofo quase contemporâneo dizia sobre o mesmo assunto. Sólon, in frg. 12, linha 3, usa a expressão «no tribunal (dike) de Chronos», e uma figura quase idêntica ocorre no fragmento preservado de Anaximandro onde os elementos «fazem mútua reparação (dike) pelas suas injustiças de acordo com a determinação (taxis) de Chronos».

3. A linguagem figurativa desaparecida como especulação filosófica afastou-se das suas origens mitológicas de tal modo que, por exemplo, quando mesmo o poeta filósofo Empédocles está a falar num contexto semelhante ao de Anaximandro, o chronos aparece com bastante menos sugestão de personificação (frg. 30). Onde, porém, Anaximandro e Empédocles concordam é em colocar o tempo fora do kosmos que é, por seu turno, em certa medida regulado pelo tempo.

4. Começa a aparecer uma mudança com os pitagóricos para os quais o kosmos era ao mesmo tempo uma criatura (zoon) viva, que respirava, e o princípio do Limite (peras). Fora do kosmos só existem várias manifestações do Ilimitado (apeiron), que o kosmos «inala» e sobre as quais impõe o Limite (cf. Aristóteles, Physica 203a, 213b; Aécio li, 9, 1). Entre estes apeira, dizem-nos, (Aristóteles, frg. 201) está o tempo. É provável que o processo inalante envolvesse, limitando o aspecto natural e perdurativo do tempo (a perduração é uma característica primitiva do apeiron) pela sua redução ao número (arithmos), uma associação que continuou através de toda a subsequente discussão do tempo.

5. Este ponto de vista pitagórico, a despeito de só ter sido vislumbrado adequadamente através de apartes aristotélicos, foi de grande importância. Distinguiu um tempo ilimitado, extra-cósmico, de um tempo numerável, cósmico e, com efeito, deslocou este último para o contexto da quantidade. Platão continuou por este mesmo caminho mas juntou novas e consideráveis dimensões às duas noções de tempo pitagóricas. Assumiu o conceito de aion, que ocorrera no pensamento pré-socrático como uma designação do período de vida do universo, e aplicou-o ao tempo extracósmico, não já visto como um apeiron pitagórico indefinido, que provavelmente incluía uma certa espécie de movimento não regulado, mas como imobilidade dos eide (Timeu 37d). Por outro lado, o tempo cósmico é identificado com a revolução periódica da esfera celeste (Timeu 39c; Aristóteles, Physica 218a-b e Simplício, ad loc.). Chronos, em resumo, é para Platão «um reflexo (eikon) perdurador, que se move de acordo com o número, da eternidade (aion) que repousa no uno» (Timeu 37d). Assim, a estabilidade e a unidade do aion estão em contraste com o movimento e a pluralidade, ou melhor, a numerabilidade do chronos, e o todo incorporado na sua teoria da mimesis.

6. Tanto para Platão como para Aristóteles o tempo e o movimento estão intimamente associados numa espécie de relação recíproca. Platão, como vimos, identificou os dois, e embora Aristóteles critique essa identificação (Physica 218b), a verdade é que ele afirma essa íntima relação (ibid. 220b). Concorda igualmente com Platão ao afirmar que a melhor unidade para medida é o movimento regular e circular porque é o primeiro e mais bem conhecido (ibid. 223b), mas não especifica, como faz Platão, que este é o movimento diurno dos céus, uma posição também criticada por Plotino (Eneadas III, 7, 9). Mas onde os dois mais nitidamente divergem é na ausência em Aristóteles do contraste entre o tempo e a eternidade e todo o mecanismo demiúrgico da teoria da mimesis.

7. A sua existência como eikon permite a Platão atribuir, pelo menos implicitamente, um estatuto ontológico ao tempo. Tem mesmo uma finalidade no esquema das coisas, permitir aos homens contar (Timeu 39b). Mas Aristóteles, para quem o tempo é «o cálculo (ou numeração, arithmos) do movimento de acordo com o anterior e o posterior» (Physica 219b), não está convencido. Tempo não é sinônimo de movimento mas tem de ser calculado

a partir do movimento. E o cálculo requer um calculador: daí que r se não existisse uma mente não existiria o tempo (ibid. 223a). É o reconhecimento da sequência (anterior e posterior) que torna o homem consciente do tempo (ibid. 219a).

8. A contribuição epicurista para uma filosofia do tempo _ consistiu principalmente numa tentativa para definir o seu modo de existência. O tempo não é uma prolepsis, um conceito universal construído sobre uma série de experiências, mas antes uma percepção imediata (D. L. X, 72). Parece ser uma qualidade associada às ações e movimentos das coisas, em resumo, «um acidente de um acidente» (Sexto Empírico, Adv. Math. X, 219; confrontar Lucrécio I, 459-461). Estas distinções tendem a ser diluídas no estoicismo, que assumiu todas estas entidades, incluindo o tempo (SVF II, 1142), sob a rubrica geral de «corpos». Mas de uma maneira geral a Stoa situou-se bem dentro das linhas mestras platônica e aristotélica (evidentemente sem os enfeites platônicos de aion e eikon), substituindo o «intervalo» mais corpóreo por arithmos, mas preservando a ligação com o movimento (SVF II, 509, 510).

9. Plotino dá bastante atenção ao problema do tempo, considerando-o, tal como Platão, intimamente ligado à questão da eternidade. Quaisquer tentativas para separar os problemas, como fez Aristóteles, estão destinadas ao fracasso (Eneadas III, 7, 7-10). Plotino não se satisfaz com os tratamentos filosóficos do tempo em termos de número ou medida do movimento (ver Eneadas III, 7, 8), nem mesmo com a identificação que Platão faz do tempo e do movimento dos céus. Em vez disso ele esboça o problema do aion e do chronos em termos de vida, representando o primeiro a vida dos inteligíveis (III, 7, 2). Por outro lado, o tempo é uma espécie de degeneração desta total autopresença devida à incapacidade da alma em aceitar esta tota simulteitas (confrontar a idêntica degeneração da teoria em praxis na alma: ver physis); o tempo é, então, a vida da alma progredindo de estado para estado (III, 7, 11). [FEPeters]