ζῷον (zôön, zoon): ser vivo, animal
1. Embora Anaximandro tenha algo parecido com uma teoria da geração espontânea (Diels 12A10, 11, 30: os peixes gerados da ação do sol sobre os limos húmidos; os homens nascidos dos peixes; sobre a primazia dos peixes, confrontar Fílon, De opif. 65-66), Empédocles tem a zoogonia mais completa dos pré-socráticos (passo sumário em Aécio V, 19, 5; frgs. 57-62). A zoogonia de Platão pode encontrar-se no Timen onde os animais inferiores evoluem de maneira concordante com a sua primeira teoria da palingenesia (Timeu 91d-92c). Aquilo que são esboços e comentários nos primeiros pensadores torna-se, em Aristóteles, uma ciência, elaborada em toda uma série de tratados, e particularmente, o De generatione animalium.
2. Uma característica do tratamento aristotélico é a famosa scala naturae, ligação graduada de todas as formas de vida encontradas na Hist. anim. 588b-589a (ver synipatheia 3). No topo da série está o homem que tanto Platão (Timeu 90a-c) como Aristóteles (Pol. 1253a, 1332b) tenderam a separar do resto dos seres animados em virtude de ele possuir uma faculdade racional (noûs) que era não-material. O primeiro materialismo estoico tendeu a esfumar esta distinção, mas um movimento platonizante posterior dentro da escola voltou a separar o noas da psyche (ver noesis 17) c os resultados podem observar-se nas distinções nítidas feitas entre os instintos animais e a razão humana (Sêneca, Ep. 121, 19-23) e na consequente ausência de moralidade em relação a ou no reino animal (Cícero, De fin. III, 67; Fílon De opif. 73).
3. Mas se houve uma diferença entre o material e o espiritual que efectivamente separou os homens dos animais, houve também uma ligação entre os dois domínios. Em termos da teoria platônica da mimesis o mundo sensível era um reflexo (eikon) do espiritual. Mas o mundo sensível não era meramente uma coleção de partes animadas ocasionais; foi visto, desde os verdadeiros começos da filosofia grega, como uma espécie de todo ordenado, um kosmos dotado de movimento e portanto de vida. Esta foi a opinião primitiva de Anaxímenes (Aécio I, 3, 4) e dos primeiros pitagóricos (ver Aristóteles, Physica IV, 213b), e esta é ainda a opinião de Platão que chama ao kosmos visível que abarca todos os seres vivos um animal (zoou; Timeu 30b) com alma (ver psyche toa pantos). Este, por seu turno, tem um modelo, um «ser vivo inteligível» (zoou noeton) que abrange dentro de si todas as criaturas inteligíveis (ibid. 30c-d). Quando passa a descrever as classes paralelas dos zoa contidas dentro do animal sensível e inteligível ele apenas menciona quatro: a raça celeste de deuses, as coisas aladas, os animais aquáticos, e aqueles que habitam na terra seca (ibid. 39e-40a; com a introdução do aither passam a cinco no Ephiomis 984b-c). Na tradição platônica posterior estes animais inteligíveis crescem e multiplicam-se. Fílon, por exemplo, confrontado com os dois relatos da criação no genesis, pode explicá-los como a criação do mundo sensível e do inteligível, e não fica de modo algum embaraçado com a perspectiva de ter «erva inteligível» e «erva sensível» (De opif. 129-130; Leg. all. I, 24). Plotino traça também em pormenor a conformidade entre os zoa inteligíveis c os sensíveis (Eneadas VI, 7, 8-12).
Sobre o mundo inteligível, ver kosmos noetos; e para os seus conteúdos, noeton; e ainda, sobre o kosmos como um organismo vivo, as rubricas sympatheia, holon. [FEPeters]
Entre os viventes, Aristóteles distingue uma forma de vida caracterizada pela sensação e o desejo (De An II, 2-3) que podemos denominar animalidade, como dizemos “animais” para estes seres animados. Assim a “animalidade” do homem — seu gênero — parece óbvia: ela não contradiz sua especificidade posto que ela é a base dela (natural e lógica). Mas estes termos convêm mal: o homem é um zoon (razoável, político…), quer dizer um vivente, um ser animado, como a flor, a baleia… e Deus! (Metafísica 7) [Notions philosophiques]
Um ser vivo é um corpo animado. É a presença de uma alma em um corpo que define o vivo. Todas as coisas sensíveis dotadas de uma alma e de um corpo são portanto viventes, desde os vegetais até o mundo em seu conjunto.
A vida, conforme o termo zoon, é o resultado de uma encarnação, da animação de um corpo (Fedro, 246c). O ser vivo é um corpo composto cuja alma é suscetível de cumprir certas funções (motoras, desejantes, inteligentes). Diversidade das funções psíquicas e diversidade dos elementos constituintes como funções do corpo fazem do ser vivo uma realidade múltipla. É o comportamento do vivente que permite, uma vida em duração, de associar estes diferentes elementos no exercício de certas funções. A explicação biológica (a zoologia) platônica é teleológica: um vivente é uma organização funcional, uma capacidade a exercer uma ou várias funções. Quando o corpo, mortal, não é mais capaz de exercer suas funções (de nutrição, de reprodução e de defesa), o vivente morre, quer dizer que a alma, imortal, se separa do corpo.
A vida consiste assim em uma organização provisória e funcional, que circunstâncias podem modificar. É principalmente isto que permitem a domesticação e a educação, que são duas formas finalmente semelhantes de formação da vida. Princípio de vida, a alma é também o tema desta educação; é a atitude da alma em ordenar suas próprias funções e tomar conta do corpo que permite distinguir os viventes. O vivente total que é o mundo é um corpo cujos movimentos não são aqueles, circulares, de sua alma; quanto a alma do mundo, ela exerce somente sua função intelectiva. O vivente perfeito, segundo Platão, é uma esfera que gira sobre ela mesma em pensando. [Luc Brisson]
Surgir, iluminar-se, jogar e tocar caracterizam, sobretudo, o vigor essencial da zoe (“vida”) e do zoon (“vivo”). Nossa palavra “vida” possui um significado tão sobrecarregado pelo pensamento cristão e moderno que não diz mais nada do que os gregos entendiam por zoe e zoon. Embora nossa palavra “vida” seja apenas uma tradução indeterminada e confusa da palavra grega zoe, ainda podemos pensar, nessa palavra, que “vida” é uma contraposição à morte. Como pode a deusa da iluminação, do surgimento e do jogo ser ao mesmo tempo a deusa da morte, ou seja, do sinistro, do crepúsculo, da rigidez? Vida e morte são contrários. Mas o contrário é o que mais intimamente se atrai para o que o contraria. Onde vigora o contrário dá-se a luta, heris. Para Heráclito, que pensa a luta como a essência de ser, a deusa do arco e da lira, Artemis, é a mais próxima. Sua proximidade, no entanto, é a pura proximidade, ou seja, a distância. Em tudo isso, deve-se pensar a proximidade e a distância de maneira grega – e não “moderna” -, como uma ordem numérica, como um intervalo maior ou menor entre pontos do espaço. [Heidegger, Heráclito]