verificacionismo

(do lat. tardio verificare)

1. Procedimento que busca confirmar ou negar uma afirmação ou uma hipótese teórica através do confronto com a experiência, com a realidade empírica, por meio de observações, testes, experimentos etc.

2. O verificacionismo, também conhecido como princípio ou teoria da verificabilidade, é a posição teórica, em filosofia da ciência, que considera a verificação por meio da experiência como critério último de validade das hipóteses científicas. Ou seja, os enunciados complexos das leis científicas deveriam ser reduzidos por análise a enunciados simples dizendo respeito à realidade empírica, podendo assim ser concretamente verificados. Muitos são os problemas relacionados à ideia de verificação e ao verificacionismo. Ex: quando é que se pode realmente considerar uma verificação como conclusiva? Seria necessário verificar uma afirmação a cada momento em que esta é repetida? Nenhuma afirmação resultante da generalização indutiva poderia ser jamais verificada. Estas e outras objeções levam a críticas, ao verificacionismo e à formulação de alternativas, como a de Popper, de adotar a refutação ou falsificação como teste de validade de hipóteses. Ver fisicalismo. [Japiassu]


É no contexto das discussões sobre os fundamentos metodológicos e epistemológicos das ciências, ocorridas nas décadas de 1920 e 1930 no chamado “Círculo de Viena” (ver positivismo lógico), que o termoverificacionismo” adquire um significado técnico particular e se define como tópico filosófico central. Não se pode entretanto afirmar que sobre o conceito exista um acordo entre as principais figuras daquele movimento, mas será antes correto notar que o verificacionismo aparece como um conceito diferentemente interpretado consoante as diversas, e frequentemente antagônicas, atitudes teóricas. É verdade que é possível definir genericamente o verificacionismo como a posição epistemológica segundo a qual o significado de uma proposição depende da possibilidade de sua verificação, ou ainda do método escolhido para sua verificação. Na verdade é em grande parte a determinação de um critério de significação (Bedeutungskriterium) que está em causa para os filósofos do positivismo lógico, preocupados em grande medida com uma demarcação nítida dos enunciados científicos em relação aos enunciados metafísicos. Influenciados pelas ideias desenvolvidas no Tractatus Logico-Philosophicus (1921) de Wittgenstein, alguns autores defenderam inicialmente um critério de significação demasiado estreito, e é a discussão desse conceito que marcará posteriormente as acepções do termoverificação”.

No Tractatus uma proposição era entendida como verdadeira se, e somente se, representava um fato, e era falsa se não existisse nenhum fato representado. A possibilidade de representar ou não o fato determinava se a proposição tinha ou não sentido. Por isso mesmo, p. ex., uma tautologia (chove ou não chove), que não pode logicamente representar nenhum fato, não tem sentido (cf. Tractatus, 4.461 e 4.4611). Frases metafísicas, por sua vez, não apenas carecem de sentido, mas são contra-sen-sos, são absurdas linguisticamente. Segundo o jovem Wittgenstein, fatos atômicos têm de existir, pois eles são os constituintes elementares do mundo, aos quais as proposições atômicas correspondem. Desses fatos elementares se compõem os outros fatos moleculares, também eles representados por correspondentes proposições moleculares, que são fundamentalmente funções de verdade de proposições atômicas. É crucial na filosofia do Tractatus que a proposição represente a realidade e possa ser com esta comparada: só desse modo poderá ela adquirir valores de verdade ou de falsidade. Por isso é indispensável que “a realidade seja comparada com a proposição” (4.05) e que “a proposição pode ser verdadeira ou falsa apenas pelo fato de ser uma imagem da realidade” (4.06).

Esses pressupostos, aceitos nos primeiros momentos da atividade do Círculo, definem uma robusta teoria da verdade como correspondência entre linguagem (proposicional) e realidade, o que acaba por originar posições críticas e distanciamento por parte de elementos proeminentes do movimento (cf. C. H. Hempel, 1980, pp. 96-108). Nesse contexto é o próprio conceito de verificação ou de verificação em princípio possível que é objeto de discussão. Destacam-se as posições de Neuratb e de Carnap a esse respeito, cujas filosofias, ainda que não abandonem princípios verificacionistas, evoluem para uma epistemologia em que o pressuposto da correspondêncialugar ao da coerência entre proposições de um mesmo sistema. A ciência é entendida como um sistema de proposições, e cada proposição pode ser combinada ou comparada com outras, no sentido de retirar consequências das proposições combinadas ou de confirmar se as proposições em causa são compatíveis entre si. Mas as proposições nunca são comparadas com uma “realidade” ou com “fatos”. Para isso seria necessário ter definido previamente um critério de estrutura dos fatos a comparar, o que envolveria uma nítida petição de princípio. O primeiro autor dentro do positivismo lógico a desenvolver uma teoria alternativa ao verificacionismo, assente em uma teoria da correspondência segundo o modelo do Tractatus, foi Carnap, cuja ideia fundamental se pode traduzir no seguinte: se fosse possível determinar um conjunto de proposições elementares verdadeiras, sem recorrer ao princípio de uma comparação entre sistema de proposições e a realidade, ficar-se-ia com uma base consistente para definir com rigor os critérios de compatibilidade entre as proposições restantes do sistema. Essa classe de proposições é constituída por todas aquelas que exprimem uma experiência imediata, sem possuir por isso mesmo nenhum tipo de conteúdo teórico. Elas foram chamadas de proposições protocolares, e originalmente pensou-se que não necessitavam de nenhuma espécie de prova. Se o critério de verdade do inteiro sistema de proposições verdadeiras passa a poder prescindir de um confronto ou comparação com a realidade uma por uma e o principal critério passa a ser a coerência direta ou indireta com o conjunto das proposições protocolares, então uma das consequências é uma modificação substancial do próprio conceito de verificação.

Acontece que este se alargou em relação ao modo como foi concebido no início do Círculo. Basta pensar-se que se o sentido das proposições dependesse da sua verificabilidade, nesse caso dificuldades surgiriam para validar as leis empíricas (Hempel, 1980, pp. 98-9). Um enunciado universal é comprovado na medida simplesmente em que se procurem as suas consequências singulares, sendo verdade que essa comprovação nunca se poderá realizar por completo. Assim, uma lei empírica universal não é uma função de verdade de proposições singulares, mas tem antes o caráter de uma hipótese. A conclusão é que uma lei daquele tipo não pode ser deduzida de verificação de uma quantidade finita de proposições singulares. Acontece que esse alargamento do conceito de verificação se processa a par da introdução de certo falibilismo: ao admitir-se que a validação de uma lei ou de uma regra assenta sempre na verificação de um número finito de casos regulados pela norma, abandona-se a ideia de uma verificação infalível. O falibilismo estende-se à classe de proposições elementares ou protocolares e que funcionam como garantia da validade de toda a teoria. Autores como Neurath e Carnap defendem que para cada proposição empírica é possível ordenar uma cadeia de testes, na qual não existe um último membro. Também no caso das proposições protocolares pode ser exigida uma confirmação ulterior: p. ex., um relatório psicológico acerca da confiabilidade do observador ou do seu perfil psicológico em geral. De qualquer modo, somos sempre nós que devemos decidir a altura em que se interrompe essa cadeia de provas, e é assim que a imagem que se passa a ter do edifício da ciência deixa de ser a de uma pirâmide assente em uma base firme. Em vez disso a imagem mais adequada é, no dizer de Neurath, a de um barco que permanentemente se reconstrói em alto-mar, já que não existe uma doca seca onde acostar para ser reconstituído na globalidade (cf. Hempel, 1980, p. 101).

Um dos objetivos do verificacionismo foi, como já se mencionou, traçar uma demarcação entre proposições com sentido (elegendo-se como critério do sentido o princípio da respectiva verificação) e aquelas proposições que pertencem ao domínio do contrassenso, isto é, à metafísica. Karl Popper vem contestar o conceito de verificacionismo. A rejeição radical que Popper faz do princípio da indução leva-o simultaneamente a rejeitar o conceito de verificação como validação das proposições empíricas. Se frases com a forma “todos os x são y resultam de uma inferência indutiva, que por sua vez exige uma verificação em princípio, então é claro para Popper que a validade em causa é inevitavelmente caracterizada pela falibilidade. Defende por isso o ponto de vista de que “a inferência por meio da experiência de proposições particulares verificáveis para a teoria não é logicamente permitida, e por isso as teorias não são empiricamente verificáveis” (Popper, 1934, p. 121).

É assim que Popper propõe a substituição do conceito de verificabilidade pelo de falseabilidade, para que continue a ser possível um critério de demarcação entre o científico e o metafísico. Não se exige mais que uma teoria ou proposição de forma universal seja verificável para se diferenciar de uma mera proposição metafísica. Requer-se, sim, que a teoria ou proposição possam ser falseáveis. Daí que não se pretenda que o sistema de proposições possa ser positiva e definitivamente definido, mas sim que sua forma lógica possibilite metodologicamente uma comprovação negativa. Por outras palavras, um sistema científico empírico deve poder ser refutado pela experiência. Mas a esse princípio de demarcação foram levantadas objeções, a que o próprio Popper se refere, salientando sobretudo a terceira: 1. Parece estranho que se valorize o aspecto negativo da refutabilidade das leis empíricas e não o aspecto positivo da sua possível e necessária verificação; 2. A refutação do princípio da indução volta-se também contra a falseabilidade como critério de demarcação; 3. Uma assimetria como a que Popper propõe entre verificabilidade e falseabilidade e a valorização desta tem como consequência que seja possível nunca se chegar a definir o falseamento de uma teoria ou proposição, já que é sempre possível também escapar a um falseamento completo.

No entanto, Popper faz notar que a falseabilidade em princípio tem a ver sobretudo com a forma lógica das proposições empíricas e que aquele é o único critério que pode responder ao ceticismo de Hume quanto à validade da indução. [António Marques]