(gr. theoria; lat. theoria; in. Theory; fr. Théorie; al. Theorie; it. Teoria).
Este termo possui os seguintes significados principais:
1) Especulação ou vida contemplativa. Esse é o significado que o termo teve na Grécia. Nesse sentido, Aristóteles identificava teoria com bem-aventurança (Et. Nic, X, 8, 1178 b 25); teoria opõe-se então a prática e, em geral, a qualquer atividade não desinteressada, ou seja, que não tenha a contemplação por objetivo.
2) Uma condição hipotética ideal, na qual tenham pleno cumprimento normas e regras, que na realidade são observadas imperfeita ou parcialmente. Este significado está presente quando se diz: “Teoricamente, deveria ser assim, mas na prática é outra coisa”. Kant examinou o problema da relação entre teoria e prática nesse sentido num escrito de 1793 (Über den Gemenspruch: Das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber nicht für die Praxis), em que se encontram as seguintes definições de teoria é prática: “Chama-se teoria um conjunto de regras também práticas, quando são pensadas como princípios gerais, fazendo-se abstração de certa quantidade de condições que exerçam influência necessária sobre a sua aplicação. Inversamente, o que se chama de prática não é um ato qualquer, mas apenas o ato que concretiza um objetivo e é pensado em relação a princípios de conduta representados universalmente” (Op. cit., princ).
3) A chamada “ciência pura”, que não considera as aplicações da própria ciência à técnica de produção, ou então as ciências, ou partes de ciências, que consistem na elaboração conceitual ou matemática dos resultados; p. ex., “física teórica”.
4) Uma hipótese ou um conceito científico. Este último significado deve ser considerado especialmente neste verbete, visto que o problema da teoria científica constitui um dos capítulos mais importantes da metodologia das ciências. Os resultados principais das pesquisas nesse campo podem ser resumidos do modo seguinte:
a) A teoria científica é uma hipótese ou, pelo menos, contém uma ou mais hipóteses como suas partes integrantes. A ciência moderna abandonou a repugnância da ciência dos sécs. XVIII e XIX pelas hipóteses, tão bem expressa por Newton e outros. Isso aconteceu porque a hipótese deixou de ser uma suposição sobre as causas últimas ou ocultas dos fenômenos. Kant já condenara as “hipóteses transcendentais” que recorrem a simples ideias racionais e declarara-se favorável às hipóteses empíricas, cuja característica é “a suficiência para determinar a priori as consequências que já estão dadas” (Crítica da Razão Pura, Teoria do método, cap. I, seç. 3). Em 1865, ao falar das teorias, Claude Bernard afirmava seu caráter indispensável e ao mesmo tempo hipotético, no sentido estrito do termo: “O experimentador formula sua ideia [ou hipótese experimental] como uma questão, uma interpretação antecipada da natureza, mais ou menos provável, da qual deduz logicamente consequências que a cada momento compara com a realidade, por meio da experiência” (Introduction à l’étude de la médecine expérimentale, I, 2). E reconhecia a fecundidade das hipóteses para a descoberta de fatos novos: “O objetivo cias hipóteses é não só levar-nos a fazer experiências novas, mas também descobrir fatos novos que não teríamos percebido sem elas” (Ibid., III, 1, 2). No início do séc. XX, Mach reconhecia expressamente a impossibilidade de a hipótese científica (e a hipótese em geral) ser diretamente provada pelos fatos: “Damos o nome de hipóteses às explicações provisórias cujo fim é facilitar a compreensão dos fatos, mas que ainda escapa à comprovação pelos fatos” (Erkenntniss und Irrtum, 1905, cap. XIV; trad. fr., p. 240). E Duhem enumerava da seguinte maneira as condições às quais uma hipótese deveria corresponder para ser escolhida como fundamento de uma teoria física: 1) a hipótese não deve ser uma proposição contraditória; 2) não deve apresentar contradição com as outras hipóteses da mesma ciência; 3) as hipóteses devem ser tais que, de seu conjunto, seja possível deduzir matematicamente consequências que representem, com aproximação suficiente, o conjunto das leis experimentais (La théorie physique, II, 7, 1, p. 363). Poincaré, por sua vez, insistiu na necessidade de hipóteses em qualquer procedimento experimental, mas também na necessidade de não multiplicar hipóteses. Esta última advertência nada mais é que o antigo princípio de economia, ou navalha de Ockham, sempre eficaz no campo das formulações conceituais (La science et l’hypothèse, 1902, cap. IX).
b) Uma teoria científica não é um acréscimo interpretativo ao corpo da ciência, mas é o esqueleto desse corpo. Em outros termos, a teoria condiciona tanto a observação dos fenômenos quanto o uso mesmo dos instrumentos de observação. Sobre esse ponto é clássico o livro de Duhem, A teoria física (1906; cf. especialmente o cap. IV da segunda parte). Esse é um aspecto às vezes aproveitado para demonstrar o caráter relativo e imperfeito do conhecimento científico. Foi o que fez, p. ex., E. Le Roy (Science et philosophie, 1899-1900). Contudo, na realidade ele não invalida a ciência, mas apenas a tese da separação nítida entre observação e teoria e a tese da verdade absoluta da ciência.
c) Além da parte hipotética, uma teoria científica contém um aparato que permite a sua verificação ou confirmação. Duhem distinguia na teoria física quatro operações fundamentais: 1) a definição e a medida das grandezas físicas; 2) a escolha das hipóteses; 3) o desenvolvimento matemático da teoria; 4) o confronto entre teoria e experiência (La théorie physique, I, 2, § 1). Obviamente, as três primeiras operações constituem a construção e o desenvolvimento da hipótese, enquanto a quarta é diferente e constitui a fase de confirmação. Analogamente, Norman R. Campbell distinguiu em qualquer teoria física dois grupos de proposições: “um, que consiste em asserções sobre algum conjunto de ideias características da teoria; outro, que consiste nas relações entre essas ideias e outras ideias de natureza diferente”. O primeiro grupo de ideias é a hipótese; o segundo é o dicionário. A finalidade do dicionário é possibilitar a verificação indireta da hipótese. Campbell diz: “Deve ser possível determinar, independentemente do conhecimento da teoria, se determinadas proposições que contêm as ideias do dicionário são verdadeiras ou falsas. O dicionário relaciona algumas dessas proposições, cuja verdade ou falsidade é conhecida, com algumas proposições que compreendem as ideias hipotéticas, afirmando que, se o primeiro conjunto de proposições é verdadeiro, então também o segundo é verdadeiro e vice-versa; essa relação pode ser manifestada pela asserção de que o primeiro conjunto implica o segundo” (Physics: the Elements, 1920, p. 122). Analogamente ainda, G. Bergmann disse que uma teoria científica consiste em: 1) axiomas; 2) teoremas; 3) provas dos teoremas; 4) definições (Philosophy of Science, 1957, p. 35); nessa enumeração, as “provas dos teoremas” constituem o aparato de verificação da teoria. Duas observações são muito importantes a esse propósito. A primeira é que as modalidades e o grau da prova ou confirmação que uma teoria deve possuir para ser declarada ou considerada “científica” não são definíveis segundo um critério unitário.
Obviamente, a verdade de uma teoria psicológica ou de uma teoria econômica exige um tipo de comprovação completamente diferente do exigido por uma teoria física, visto que as técnicas de verificação são completamente diferentes. Até mesmo os graus de confirmação exigidos sào diferentes; muitas vezes, fora do campo da física, são chamadas de “teoria” simples conjecturas que não incluem o menor aparato comprobatório. A segunda observação é que cada aparato comprobatório exige a limitação das hipóteses contidas na teoria; isso porque, sempre que essas hipóteses puderem ser multiplicadas à vontade, a teoria poderá manter-se até contra qualquer desmentido empírico, e sua confirmação passa a ser irrelevante (foi o que aconteceu, p. ex., com a teoria dos epiciclos na cosmologia ptolemaica). Mas mesmo com essa limitação às vezes é difícil decidir até que ponto a aquisição de algum dado experimental se concilia com a teoria ou questiona todo o seu conjunto.
d) Uma teoria não é necessariamente uma explicação do domínio de fatos aos quais se refere, mas um instrumento de classificação e previsão. Duhem observava: “teoria verdadeira não é aquela que dá uma explicação das aparências físicas conforme à realidade, mas sim a teoria que represente de modo satisfatório um conjunto de leis experimentais” (La théorie physique, I, 2, 1). A verdade de uma teoria está em sua validade, e sua validade depende de sua capacidade de cumprir as funções às quais se destina. As funções de uma teoria científica podem ser especificadas da seguinte maneira: 1) uma teoria deve constituir um esquema de unificação sistemática de conteúdos diversos; o grau de abrangência de uma teoria é um dos elementos fundamentais na avaliação de sua validade; 2) uma teoria deve oferecer um conjunto de meios de representação conceitual e simbólica dos dados de observação. Sob esse aspecto, o critério ao qual deve satisfazer é o de economia dos meios conceituais, vale dizer, simplicidade lógica; 3S uma teoria deve constituir um conjunto de regras de inferências que permitam a previsão dos dados de fato. Este é considerado hoje uma das tarefas fundamentais das teorias científicas, e a capacidade de previsão de uma teoria é critério fundamental para avaliá-la (v. S. Toulmin, The Philosophy of Science, 1953, p. 42; M. K. Munitz, Space Time and Creation, 1957, IV, 1). [Abbagnano]
O vocábulo “teoria” é usado, as mais das vezes, em oposição a prática (praxis), significando neste caso (1) o conhecimento puro, a pura consideração contemplativa, ao passo que prática designa qualquer espécie de atividade fora do conhecimento, especialmente a atividade dirigida ao exterior. Contudo, não há prática alguma (nem em sentido ético, nem em sentido técnico) sem teoria, pois que toda prática está ligada a condições previamente dadas e inserta numa ordem dada de antemão, com a qual deve contar e que deve conhecer antecipadamente, sob risco de fracassar. Em Aristóteles (e de modo idêntico em Kant), as expressões praxis e prático são reservadas para a ação moral da vontade, empregando-se os termos techne) e técnico para designar a atividade dirigida a objetos exteriores (técnica). Afim à teoria (1) é a meditação (atenção concentrada sobre um objeto e, por isso mesmo, acrescida com o conhecer e o pensar) e a especulação. — Na moderna doutrina da ciência, teoria (2) contrapõe-se tanto ao mero estabelecimento de fatos quanto à hipótese. Ao estabelecimento dos fatos mediante a experiência e a experimentação segue-se, na ciência natural, a descrição unitária, isenta de contradições e, quando possível, matemática, dos mesmos fatos, bem como sua explicação por leis e causas necessárias. Todavia, enquanto uma tal explicação efetivamente isenta de contradição é possível em si mesma e relativamente aos fatos, sem que outra explicação seja excluída, ela não passa de hipótese mais ou menos provável. Só quando se obteve a prova de a explicação subministrada ser a única que convém aos fatos, é que logra ser teoria (2). A teoria confirma-se sobretudo por levar à descoberta de novos fatos. Note-se que, não raro, o que na experiência se pode comprovar não são as proposições isoladas de uma teoria, senão esta em seu conjunto. Quando uma teoria se aperfeiçoa e desenvolve ulteriormente, não quer dizer que seus primeiros enunciados sejam simplesmente falsos, mas só que mostram ser insuficientes em face de uma experiência mais vasta. As partes de uma teoria, que são co-afirmadas (inadvertidamente ou devido a preconceitos de ordem filosófica), mas desnecessárias para a dedução dos fatos realmente observados, tampouco são confirmadas por uma teoria aliás verdadeira e certa. — Brugger.
O significado primário do vocábulo teoria é contemplação. Daí que se possa definir a teoria como uma visão inteligível ou uma contemplação racional.
Na atualidade o termo teoria não equivale exatamente ao de contempla, pois designa uma construção intelectual que aparece como resultado do trabalho filosófico ou científico. Os filósofos da ciência especialmente têm introduzido interpretações muito diversas acerca das teorias científica. Para uns a teoria é uma descrição da realidade (descrição de percepções ou descrição dos dados dos sentidos). Para outros a teoria é uma verdadeira explicação dos fatos. Outros, finalmente, apenas identificam, com um simbolismo útil e cômodo. Muito autores têm manifestado que a análise da natureza da teoria põe problemas epistemológicos, mas que os podemos passar por alto sem excessivo prejuízo para a análise, que deve limitar-se a descrever a estrutura da teoria. Uma definição recente unifica diversos conceitos habitualmente separados e até contrapostos: “uma teoria científica é um sistema dedutivo no qual certas consequências observáveis se seguem da conjunção entre fatos observados e a série das hipóteses fundamentais do sistema”. [Ferrater]
Do grego theoria, “o ato de observar”, por sua vez tendo como radical thea, “a observação respeitosa”, e cognato de thauma, “a admiração”, a teoria é aquela atividade cujo campo de ação e manipulação é a linguagem.
Podemos tentar compreender algumas modalidades desta “atividade teórica” através de sua oposição à prática. Praxis é o conjunto de nossas atividades quotidianas; o primeiro modo da atividade teórica é a meditação sobre a praxis, ou seja, a observação de nossas atividades quotidianas e seu “esclarecimento”, “elucidação” e “crítica” dentro da linguagem. Tais atividades elucidadoras são atividades teóricas. Se a praxis é vista como “processo de produção”, e se o resultado da praxis é o objeto, a mercadoria, a atividade teórica será teoria econômica e crítica da teoria econômica. Se, por outro lado, a atividade prática é uma atividade poiética (uma atividade “criadora” — poiesis, em grego, é “a atividade criadora”), a teoria será uma estética da coisa.
A atividade teórica é possível porque podemos dividir a linguagem em duas regiões: a região cujos termos “se referem ao mundo” e a região do “sentido comum”. Ou seja, porque podemos “criar” uma linguagem–objeto — que analisaremos “teoricamente” — e podemos ‘definir” os objetos desta língua-sem-objeto com a ajuda da metalinguagem, que é a linguagem do “sentido comum”. Este “corte” da linguagem em duas regiões essencialmente distintas é o início da teoria como atividade crítica (krinein, em grego, é “separar”). Este corte é acompanhado, existencialmente, por um corte que rompe a unidade acrítica de nosso mundo, e o revela em parte como “fundamento” — correspondendo à metalinguagem — e em parte como “objeto” — correspondendo à linguagem–objeto. Por exemplo, em nossa praxis quotidiana, grande parte de nossas ações são realizadas porque “todo mundo” assim faz. A meditação sobre a natureza do “todo mundo” impessoal — meditação teórica, e só realizável dentro da linguagem — nos revelará este todo–mundo como sendo o objeto ideologia. A “teoria do quotidiano” realiza, então, um corte em nosso mundo: a ideologia, como objeto desta atividade, teórica, se torna “abstrata”, e a parte restante de nosso mundo se torna o “fundamento concreto” que pode gerar o sistema ideológico, (v. analítica da existência, análise existencial da comunicação, analítica do objeto). (Francisco Doria – DCC)