secular

A vitória do animal laborans jamais teria sido completa se o processo de secularização, a moderna perda da como decorrência inevitável da dúvida cartesiana, não houvesse despojado a vida individual de sua imortalidade, ou pelo menos da certeza da imortalidade. A vida individual voltou a ser mortal, tão mortal quanto o fora na Antiguidade, e o mundo passou a ser ainda menos estável, menos permanente e, portanto, menos confiável do que o fora durante a era cristã. Ao perder a certeza de um mundo futuro, o homem moderno foi arremessado para dentro de si mesmo, e não para este mundo; longe de crer que este mundo pudesse ser potencialmente imortal, ele não estava sequer seguro de que fosse real. E, na medida em que teve de admitir que era real, no otimismo acrítico e aparentemente despreocupado de uma ciência em contínuo progresso, afastava-se da Terra para um ponto muito mais distante do que qualquer além-mundanidade cristã jamais o havia levado [v. ponto arquimediano]. Qualquer que seja o sentido atribuído à palavra “secular” no uso corrente, historicamente ele não pode ser equacionado com mundanidade; em todo caso, o homem moderno não ganhou este mundo ao perder o outro, e tampouco, a rigor, ganhou a vida; foi empurrado de volta para ela, arremessado na interioridade fechada da introspecção, na qual o máximo que ele poderia experienciar seriam os processos vazios do cálculo da mente, o jogo da mente consigo mesma. Os únicos conteúdos que sobraram foram os apetites e os desejos, os anseios sem sentido de seu corpo que ele confundia com a paixão e que considerava “não razoáveis” por julgar não poder “arrazoar” com eles, isto é, calculá-los. Agora, a única coisa que podia ser potencialmente imortal, tão imortal quanto fora o corpo político na Antiguidade ou a vida individual na Idade Média, era a própria vida, isto é, o processo vital possivelmente eterno da espécie humana. [ArendtCH:C45]