Saussure, Ferdinand de — Linguista suíço (Genebra 1857-Genebra 1913). Estudou nas universidades de Genebra, Leipzig e Berlim. Instrutor da “École de Hautes Études de Paris”…. (1881-1891), professor de linguística indo-europeia e sânscrito (1901-1913) da Universidade de Genebra e, a partir de 1907, também de linguística geral da mesma universidade. Escreveu apenas um livro, Mémoire sur le systeme primitif des voyelles dans les langues indoeuropéennes (1878). Malgrado a extrema juventude do autor, o ensaio constitui enorme avanço na determinação da linguística como ciência, para não falar em seu papel para o conhecimento do indo-europeu. Empregando um método exclusivamente dedutivo e abstraindo de qualquer consideração empírica — no caso, a realização fonética. — Saussure postulava a natureza semelhante de séries de alternâncias até então julgadas como diversas. Para tanto considerava que, em certos casos, era conveniente substituir as vogais largas do indo-europeu por sequências formadas por uma vogal mais uma unidade que ele convencionou chamar A. A vantagem de tal substituição consistindo em eliminar a variedade das vogais que impediam o analista de ver o desenho de sua construção. Série como derk: dork: drk então se mostrava paralela a outra como dheA; dhoA: dhA porquanto seus componentes apresentam uma formação idêntica (a relação de eA quanto a oA, A é idêntica a relação de er quanto a or, r). Primeiro fruto da intuição de que o Cours será originado, o elemento A era, por um lado abstrato e hipotético, por outro, definido por sua posição dentro da sílaba e por sua relação com os demais elementos do sistema. Só mais tarde sua hipótese seria confirmada com a descoberta do hitita, língua indo-europeia que conservara aquele elemento (o chamado shwa). Mais do que que ratificação da agudeza do analista, o fato veio demonstrar a fecundidade do procedimento relacional, consistente na determinação da forma de um elemento — no caso, sua posição na sílaba — anterior à indagação de seu “conteúdo” — no caso, sua realização fonética — procedimento que servirá de lastro para a linguística estrutural.
Por conta do próprio rigor de sua obra de juventude, Saussure que, em aulas e cartas se queixava da pouca exatidão dos conceitos de sua ciência, não escreveu mais nada para ser editado (só em data recente começam a ser publicados e comentados seus estudos sobre o papel da palavra na antiga poesia). Daí não poucas das dificuldades de que se reveste sua obra capital, Cours de linguistique genérale (1916). Redigido por dois ex-discípulos, Ch. Bally e A. Séchéhaye, numa refusão das notas de três cursos de linguística geral proferidos por Saussure (1906-7, 1908-9, 1910-11), os redatores parecem ter simplificado ou tornado demasiado tachantes muitas das afirmações do autor, de modo que críticas posteriores parecem apenas recuperar dúvidas e hesitações que haviam sido do próprio Saussure. Só a edição completa, hoje apenas iniciada, das fontes manuscritas, poderá entretanto dizer o grau de elaboração em que Saussure deixara seu pensamento. — A ideia preliminar que preside a feitura do Cours é que a língua é um sistema, cujas partes se relacionam e equilibram. A ideia é desenvolvida através de três pares conceituais, sincronia /diacronia,língua/discurso, sintagmática /paradigmática, — Embora todos eles sejam essenciais à compreensão do edifício linguístico atual, somente o terceiro par não receberia impugnações mais sérias (fora de ordem terminológica, pois a designação saussuriana original era sintagmática/associativa). — Passemos em revista as objeções referentes aos dois primeiros pares. Para Saussure, a sincronia é passível de ter seu sistema verificado, pois sempre dois termos são simultaneamente postos em relação, ao passo que a mudança diacrônica seria assistemática, porquanto formada por acidentes e golpes do acaso. É na primeira, portanto, que se deve concentrar o interesse da linguística. A antinomia tem sido acusada, desde o fim da década dos 20. — O atomismo com que Saussure concebe o diacrônico é uma concessão à ideia da história como sucessão cronológica de eventos fortuitos, não estruturáveis, não sujeitos, por conseguinte, à previsão. Por outro lado, Saussure confundia o estudo sincrônico com o da estatística, tornando o conceito vulnerável a uma infiltração ideológica, de que, contemporaneamente, se acusaria todo o estruturalismo. — As críticas consequentes, no entanto, não se limitaram a assinalar as falhas da construção. A retificação já era dada pelos membros do Círculo Linguístico de Praga: “Não é lógico supor que as mudanças linguísticas não sejam mais do que golpes do acaso e heterogêneos quanto ao sistema.
… O estudo diacrónico, longe de excluir as noções de sistema e função, é incompleto se não se têm em conta estas noções. Por outro lado, a descrição sincrónica tampouco pode excluir de todo a ideia de evolução, pois, ainda num setor visto sincronicamente, existe a consciência de estado caduco ou em vias de desaparecimento, de estado presente e de estado de formação” (Travaux du cercle linguistique de Frague, Praga 1929, pp. 7-8). A segunda antinomia enraizava-se diretamente na anterior. Assim corno as mudanças diacrônicas não são estruturalmente previsíveis, assim muito menos o discurso, que atualiza as regras da língua, tem para o linguista a importância desta. Ora, as objeções à primeira antinomia abalam implicitamente a segunda. Pois, assim como “contra o princípio de Saussure, a diacronia é gerada na sincronia” (A. Alonso), assim também não há sentido em falar-lhe numa língua como parte substantiva e em um discurso como parte adjetiva. Sem o discurso real a língua não passaria de uma abstração. (Luiz Carlos Lima – DCC)