reviravolta linguística

A linguagem se tornou, em nosso século, a questão central da filosofia. O estímulo para sua consideração surgiu a partir de diferentes problemáticas: na teoria do conhecimento, a crítica transcendental da razão foi, por sua vez, submetida a uma crítica e se transformou em “crítica do sentido” enquanto crítica da linguagem; a lógica se confrontou com o problema das linguagens artificiais e com a análise das linguagens naturais; a antropologia vai considerar a linguagem um produto específico do ser humano e tematizar a correlação entre forma da linguagem e visão do mundo; a ética, questionada em relação a sua racionalidade, vai partir da distinção fundamental entre sentenças declarativas e sentenças normativas. Com razão se pode afirmar, com K.-O. Apel, que a linguagem se transformou em interesse comum de todas as escolas e disciplinas filosóficas da atualidade.

Nesse contexto, é muito importante perceber que a “virada” filosófica na direção da linguagem não significa, apenas, nem em primeiro lugar, a descoberta de um novo campo da realidade a ser trabalhado filosoficamente, mas, antes de tudo, uma virada da própria filosofia, que vem a significar uma mudança na maneira de entender a própria filosofia e na forma de seu procedimento.

Num primeiro momento, isso significa uma nova maneira de articular as perguntas filosóficas. Assim, por exemplo, contrariamente a quanto se fazia no passado, perguntar pela essência da causalidade ou pelo conteúdo do conceito “causalidade”, pergunta-se agora pelo “uso da palavracausalidade. Foi de tal modo intensa a concentração em questões da linguagem, que se chegou a identificar filosofia e crítica da linguagem.

Pouco a pouco se tornou claro que se tratava, no caso da “reviravolta linguística” (linguistic turn), de um novo paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da reflexão filosófica para a “esfera dos fundamentos” de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa a poder levantar a pretensão de ser “a filosofia primeira” à altura do nível de consciência crítica de nossos dias. Isso significa dizer que a pergunta pelas condições de possibilidade do conhecimento confiável, que caracterizou toda a filosofia moderna, se transformou na pergunta pelas condições de possibilidade de sentenças intersubjetivamente válidas a respeito do mundo. Isso implica radicalização da crítica do conhecimento, como ela foi articulada nos últimos séculos, pois a pergunta pela verdade dos juízos válidos é precedida pela pergunta pelo sentido, linguisticamente articulado, o que significa dizer que é impossível tratar qualquer questão filosófica sem esclarecer previamente a questão da linguagem. Numa palavra, não existe mundo totalmente independente da linguagem, ou seja, não existe mundo que não seja exprimível na linguagem. A linguagem é o espaço de expressividade do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade.

O processo de reflexividade iniciado com a pergunta transcendental moderna desembocou, hoje, na pergunta pela linguagem como instância intranscendível da expressividade do mundo. A reviravolta linguística do pensamento filosófico do século XX se centraliza, então, na tese fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que esta é momento necessário constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos exige reflexão sobre sua infraestrutura linguística. É nesse sentido que K.-O. Apel vai dizer que a Filosofia Primeira não é mais a pesquisa a respeito da natureza ou das essências das coisas ou dos entes (ontologia), nem tampouco a reflexão sobre as representações ou conceitos da consciência ou da razão (teoria do conhecimento), mas reflexão sobre a significação ou o sentido das expressões linguísticas (análise da linguagem). A superação da ingenuidade da metafísica clássica implica, hoje, a tematização não só da mediação consciencial, como se fez na filosofia transcendental da modernidade enquanto filosofia da consciência, mas também da mediação linguística. [MAdeO, 1996:11-12]