(Michel Henry, MHE)
Portanto, ao encarnar, o Verbo tomou sobre si o pecado e a morte inscritos em nossa carne finita e os destruiu morrendo ele próprio na Cruz. O que foi restaurado é, então, a condição original do homem, seu nascimento transcendental na Vida divina fora da qual nenhuma [341] vida advém à vida. Mas essa restauração não é possível sem que tenha sido o próprio Verbo quem encarnou nessa carne tornada pecadora e mortal, de maneira que, em sua destruição, emerge o próprio Verbo e, com ele, nossa geração n’Ele, no estreitamento da Vida absoluta – geração cuja primeira formulação é a criação bíblica. Irineu exprimiu essa estrutura da salvação cristã de múltiplas maneiras e com a maior clareza.1 Retenhamos esta: “Aquele que devia matar o pecado e resgatar da morte o homem digno se fez isso mesmo que era este, isto é, esse homem retido em escravidão pelo pecado e retido sob o poder da morte, para que o pecado fosse morto por um homem e que o homem saísse assim da morte”. Vem então a retomada explícita dos grandes temas paulinos: “Assim como ‘pela desobediência de um só homem’”, que foi o primeiro, modelado a partir de uma terra virgem, “muitos foram constituídos pecadores” e perderam a vida, assim também era necessário que “pela obediência de um só homem”, que é o primeiro, nascido da Virgem, “muitos sejam justificados e recebam a salvação”.2
A encarnação como via aberta para a salvação do homem aparece desse modo, segundo a intuição de Irineu, como restauração, a restauração de sua condição original na medida em que o homem foi criado por Deus à sua imagem, sendo essa criação, assim, sua geração na autogeração da Vida absoluta em seu Verbo — seu nascimento transcendental. Que esse nascimento seja contingente, que essa contingência seja signo de uma finitude original — isso não muda nada da essência da Vida nele, do fato de que ele é, nela e somente nela, um Si transcendental vivente que faz parte do gozo de si que lhe confere essa vida. Antes, essa finitude o esmaga sobre o fundo da vida nele. Pois se uma vida como a nossa é incapaz de se dar a vida a si mesma, se é somente na Vida absoluta e infinita de Deus que ela é dada a si para gozar de si na vida, então essa vida de Deus permanece em nossa vida finita, assim como esta permanece em Deus enquanto ela viver. É assim que se cumpre a repetição da interioridade fenomenológica recíproca da Vida e de seu Verbo em todo vivente, como interioridade fenomenológica desse vivente e da Vida absoluta.
“Ele [o Senhor] (…) deu sua carne por nossa carne (…). Ele nos gratificou com a incorruptibilidade pela comunhão que temos com ele mesmo.” “Como teríamos podido, com efeito, ter parte na filiação adotiva com respeito a Deus, se não tivéssemos recebido, pelo Filho, essa comunhão com Deus? E como teríamos recebido essa comunhão com Deus, se seu Verbo não tivesse entrado em comunhão conosco fazendo-se carne?” (Contra as Heresias).