relação predicamental

Com toda evidência, as coisas criadas, na sua multidão, entretêm entre si todo um mundo de relações, igualdade, similitude, causalidade etc., que as referem umas às outras de modo bem diverso. Não nos ocuparemos do que se chama de relações transcendentais (ou secundum dici). Entende-se com isto a ordem segundo a qual uma coisa, na sua própria natureza, se refere a uma outra: por exemplo, a da vontade ao bem, da inteligência ao ser, de um modo geral da potência ao ato. A relação transcendental não designa uma realidade distinta da essência mesma da coisa considerada, mas exprime esta essência enquanto referida; tal relação faz parte pois, da definição da essência. A relação predicamental (ou secundum esse), que será a única a ser tratada neste estudo, corresponde a uma realidade distinta do sujeito ao qual se reporta, que não é portanto incluída na sua definição e possui, por este fato, sua natureza própria (Cf. para este estudo: Aristóteles, Categorias, c. 5; Metaf., L. 5, c. 15).

Natureza da relação predicamental.

Define-se a relação predicamental como um acidente cuja realidade toda consiste em se referir a um outro:

Accidens cujus totum esse est ad aliud se habere.

A análise mais elementar manifesta que três elementos estão implicados em toda relação predicamental, a saber: um sujeito, o que possui a relação; um termo, aquilo para o qual tende a relação; um fundamento, o ponto de vista segundo o qual o sujeito é referido ao termo. Exemplo: tal homem (sujeito) é semelhante a tal outro homem (termo) por sua coloração branca (fundamento). O sujeito e o termo podem ser coletivamente designados como constituindo os dois termos da relação.

A natureza da relação predicamental levanta várias dificuldades. Uma tal relação, acabamos de dizer, é um modo de ser cuja realidade toda consiste em uma pura referência a um outro. Se é assim, como uma tal categoria pode ainda ter, em face do seu sujeito, um valor de acidente, uma vez que, por essência, é referência a um outro? É preciso responder que, mesmo tendo por natureza o ser ad aliud (o que é sua razão própria), a relação pertence também a um sujeito e é portanto um acidente: assim, a paternidade possui qualquer coisa de efetivo para um homem. Mais profundamente, é verdadeiramente necessário distinguir realmente a relação de seu fundamento? A paternidade é outra coisa que a ação de procriar? Para que serve superpor assim ao mundo das naturezas, que se referem já por si umas às outras, um universo de entidades puramente relacionais? Isto, porém, é necessário, pois o fato de se reportar a um outro constitui, com efeito, um modo de ser e, portanto, uma categoria original. Não se vê, por outro lado, o que é o signo de sua autonomia ontológica, que uma relação pode aparecer, ou desaparecer, sem que seu termo com isto seja modificado?

– Divisões das relações predicamentais.

A primeira distinção a ser feita é entre a relação de razão, cujo ser a relação de um sujeito e seu predicado, por exemplo – é somente de razão, e a relação predicamental. Só esta última designa um modo de ser real, independente de toda operação do espírito: por exemplo, a igualdade de dois triângulos. Para que uma relação seja real, é necessário que o sujeito e o termo sejam dois seres reais, distintos um do outro, capazes de serem ordenados um ao outro, e enfim que o fundamento da relação seja real.

Essencialmente, as relações predicamentais se distinguem segundo o seu fundamento. Se este significa uma dependência efetiva no ser, temos uma relação de causalidade; se significa apenas uma relação sem dependência real, tratamos então com toda a variedade das relações de simples conveniência(ou desconveniência): identidade e diversidade, fundadas na substância; igualdade e desigualdade, fundadas na quantidade; similitude e dissimilitude, fundadas na qualidade.

Acidentalmente, as relações se distinguem em mútuas, isto é, em relações reais implicando uma relação inversa, paternidade e filiação por exemplo, e não mútuas, isto é, em relações reais às quais não corresponde senão uma simples relação da razão, a ciência, por exemplo, que como “habitus”, se refere realmente ao seu objeto, ao passo que este não possui senão uma relação de razão no que diz respeito ao sujeito cognoscente. [Gardeil]