(in. Psychologism; fr. Psychologisme; al. Psychologismus; it. Psicologismó).
1. Este termo tem origem no séc. XIX; designa em primeiro lugar qualquer filosofia que assuma como fundamento os dados da consciência, como reflexão do homem sobre si mesmo. Foi assim que G. F. Fries (1773-1844) e F. E. Beneke (1798-1854) entenderam. O psicologismo, em oposição ao idealismo hegeliano. Ambos assumiram explicitamente como método e tarefa da filosofia a auto-observação ou consciência. Desse ponto de vista, a psicologia, como descrição da experiência interna, torna-se a única filosofia possível (cf. Fries, Neue oder anthropologische Kritik der Vernunft, 1828; Beneke, Die Philosophie in ihrem Verhaltnis zur Erfahrung, zur Speculation und Zum Leben, 1833). Mais genérica e polemicamente, V. Gioberti entendia por psicologismo o procedimento filosófico que vai do homem a Deus, contraposto àquele que vai de Deus ao homem. Este último é o ontologismo (v). O psicologismo é considerado por Gioberti como a característica da filosofia moderna, de Descartes em diante (Intr. allo studio della filosofia, 1840. II, p. 175). I
2. No seu uso polêmico, o termo é constantemente empregado para designar a confusão entre a gênese psicológica do conhecimento e sua validade; ou a tendência a julgar justificada a validade de um conhecimento, quando na verdade só se explicou seu acontecimento na consciência. Neste sentido, foi Kant o primeiro a esclarecer o conceito de psicologismo (apesar de não ter usado esse nome); foi quem iniciou a polêmica contra ele, fazendo a distinção a propósito dos conceitos apriori, entre a quaestio facti de sua “derivação fisiológica”, isto é, do seu acontecimento na mente ou na consciência do homem, e a quaestio juris, que consiste em perguntar o fundamento de sua validade, exigindo como resposta a dedução (v. dedução transcendental) (Crítica da Razão Pura, § 12). Essa distinção, sempre presente na obra de Kant, significa a descoberta da dimensão lógico-objetiva do conhecimento; irredutibilidade dessa dimensão à consciência ou às condições subjetivas do conhecer foi defendida por muitas escolas kantianas: pela escola de Baden (Windelband, Rickert), pela de Marburgo (Cohen, Natorp) e pela fenomenologia (Husserl), que, na filosofia dos últimos decênios do séc. XIX e nos primeiros do séc. XX, combateram constantemente o psicologismo. Herman Lotze, em Lógica (1874), insistiu sistematicamente no ponto de vista antipsicológico, fazendo a distinção entre ato psíquico de pensar, que existe só como determinado evento temporal, e o conteúdo do pensamento, que tem outro modo de ser, o da validade. Na lógica matemática, Frege impusera o mesmo ponto de vista: “Que não se tome como definição matemática a simples descrição do modo como se forma em nós certa imagem, nem como demonstração de um teorema o rol de condições físicas ou psíquicas que em nós devem ser satisfeitas para que possamos compreender seu enunciado. Que não se confunda a verdade de uma proposição com o fato de ela ser pensada! É preciso lembrar bem: que uma proposição não deixa de ser verdadeira quando não a penso, assim como o sol não deixa de existir quando fecho os olhos” (Die Grundlagen der Arithmetik, 1884, Intr.; trad. it., em Aritmética e Lógica, p. 23). Essas considerações eram repetidas quase literalmente por Husserl (Logische Untersuchungen, 1900, I, §§ 17 ss.), que mais tarde reforçava: “se dissermos que um número é uma formação psíquica, incidiremos num absurdo, chocar-nos-emos contra o sentido intrínseco do discurso aritmético, que está acima de todas as teorias e em todos os momentos e claramente contemplável em sua plena validade” (ldeen, 1,1913, § 22), prevenindo contra a tendência a “psicologizar o eidético”, a identificar as essências com a consciência que se tem delas em cada caso (Ibid., § 61). A corrente antipsicológica, nesse sentido, hoje é a base de filosofias aparentemente díspares, como p. ex. do existencialismo, na forma observada na obra de Heidegger, que é a análise das situações humanas em sua essência, e não em sua ocorrência psíquica (cf. Sein und Zeit, § 7); o mesmo se pode dizer do empirismo lógico, cujo principal representante, R. Carnap, travou polêmicas constantes contra o psicologismo (cf. Der Logische Aufbau der Welt, 1928, §§ 151 ss.; “Empiricism, Semantics, and Ontology”, 1950, em Readings in Phil. of Science, 1953, p. 514). A polêmica contra o psicologismo é, aliás, frequente no empirismo lógico (cf. p. ex., A. Pap, Elements of Analytic Philosophy, 1949, p. 406). [Abbagnano]
A atitude ou doutrina que consiste em tratar os fatos da consciência como coisas. — Denunciando o psicologismo, a fenomenologia de Husserl faz questão de mostrar que todo fenômeno da consciência não é uma coisa, e sim um “significado”, que requer não uma simples descrição e sim uma interpretação; a reflexão filosófica sobre os “atos” do espírito não se reduz, como crê o psicologismo, a uma descrição empírica de “conteúdos” de consciência. Implica num ato de abstração, através do qual o indivíduo que reflete abstrai o conteúdo material dos dados da consciência: por exemplo, compreender a cólera de outro é fazer abstração das condições e manifestações particulares de “sua” cólera para apreender, através delas, o “significado” humano geral da cólera. Em suma, o erro do psicologismo é tratar a consciência como uma “coisa” que teria uma interioridade e que se poderia decompor, e querer aplicar, em psicologia, os métodos das ciências da natureza. [Larousse]
O psicologismo atribui à psicologia a primazia absoluta entre todas as ciências filosóficas. Em especial, faz que a lógica e a epistemologia (teoria do conhecimento) fiquem absorvidas pela psicologia. Procede assim, porque para ele as causas psíquicas, que determinam a relação do juízo, são, ao mesmo tempo, a norma da verdade: verdadeiro é aquele pensamento que decorre normalmente, ou seja, em conformidade com as leis das causas psicológicas. Segundo a maneira de conceber esta norma, distinguem-se várias formas de psicologismo. Para o antropologismo, a norma consiste na peculiaridade específica do homem, de sorte que há uma norma de verdade comum a todos os homens e válida só para eles; outras formas de psicologismo restringem ainda mais a norma: segundo o psicologismo tipológico (Dilthey, Leisegang), os vários tipos de pensar conduzem necessariamente a mundividências diferentes; segundo o historicismo, o nível da evolução cultural em cada momento influi decisivamente na norma de verdade. Fundamento de um certo caráter comum da verdade são a alma da cultura (Spengler) relativamente ao mesmo ciclo cultural, a alma da raça ou as circunstâncias econômico-sociais (marxismo). Todas as variedades de psicologismo coincidem no relativismo da verdade.
A impugnação do psicologismo brota fundamentalmente da refutação do relativismo. Quanto à mescla da psicologia com a lógica e a epistemologia, importa dizer que estas ciências se ocupam efetivamente com o mesmo objeto: o conhecimento, mas de pontos de vista essencialmente distintos. A psicologia estuda um processo num sujeito, as condições de sua produção e existência, e só atende ao conteúdo, na medida em que este influi naquelas. Pelo contrário, a lógica abstrai de tudo isto; interessam-lhe somente os puros conteúdos e suas relações recíprocas, a retidão e legitimidade do pensar. Mas a epistemologia investiga a verdade do conhecimento, isto é, procura saber se o conhecimento é tal como o objeto o exige. Por esta forma, fica indicada uma norma, que é independente da natureza do sujeito. Também os raciocínios logicamente ilegítimos e os juízos objetivamente falsos se regem, em sua realização, pelas leis psicológicas. Norma da verdade e leis lógicas e psicológicas são, por conseguinte, coisas distintas. — Santeler. [Brugger]
O psicologismo contra o qual Husserl luta identifica sujeito do conhecimento e sujeito psicológico. Afirma que o juízo “essa parede é amarela” não é uma proposição independente de mim, que o expresso e percebo essa parede. Diremos que “parede”, “amarela” são conceitos definíveis em extensão e em compreensão independentemente de todo pensamento concreto. Será, pois, necessário conferir-lhes uma existência em si, transcendente ao sujeito e ao real? As contradições de realismo das ideias (platônico por exemplo) são inevitáveis e insolúveis. Mas, se ao menos admitimos o princípio de contradição como critério para a validade de uma tese (no caso platônica), não estaremos afirmando a independência em relação ao pensamento concreto? Passamos assim do problema da matéria lógica, o conceito, ao problema de sua organização, os princípios. Mas o psicologismo não se rende nesse ponto. Quando o lógico supõe que duas proposições contrárias não podem ser verdadeiras simultaneamente ele está apenas exprimindo que me é impossível de fato, no nível do vivido pela consciência, acreditar que a parede seja amarela e verde. A validade dos grandes princípios funda-se sobre minha organização psíquica, e se são indemonstráveis é porque são inatos. Disto decorre evidentemente que não existe enfim verdade independente dos passos psicológicos que a ela conduzem. Como poderei saber se meu saber se adéqua a seu objeto, como o exige a concepção clássica de verdadeiro? Qual é o sinal de sua adequação? Necessariamente, um determinado “estado de consciência” pelo qual qualquer indagação sobre o objeto do qual existe saber se mostra supérfluo: a certeza subjetiva.
Assim, o conceito era algo vivido, o princípio uma condição contingente do mecanismo psicológico, a verdade uma crença coroada de êxito. Sendo o próprio saber científico relativo à nossa organização, nenhuma lei poderia ser considerada absolutamente verdadeira mas tão-somente uma hipótese em via de verificação sem fim, a eficácia das operações (pragma) que ela torna possíveis definia sua validade. A ciência teceria portanto uma rede de símbolos cômodos (energia, força, etc.) com que veste o mundo; seu único objetivo seria então estabelecer entre esses símbolos relações constantes que permitam a ação. O problema de um conhecimento do mundo propriamente dito não se propunha. Não se podia mais afirmar um progresso desse conhecimento no decorrer da história da ciência: a história é um devir sem significado determinado, um acúmulo de tentativas e de erros. É portanto necessário renunciar a propor problemas à ciência para os quais não existe resposta. Enfim, a matemática é um vasto sistema formal de símbolos estabelecidos convencionalmente e de axiomas operatórios sem conteúdo limitativo: tudo aí é possível à nossa fantasia (Poincaré). A verdade matemática define-se ela própria segundo o referencial de axiomas escolhidos de início. Todas essas teses convergem para o ceticismo. [Lyotard]