psicologia da religião

A psicologia da religião estuda as leis e modos psíquicos especiais de manifestação da vivência religiosa, ou seja, do comportamento psíquicosubjetivo do homem com relação a Deus, e em geral, às doutrinas e exigências da vida religiosa que se apresentam objetivamente. Por seu objeto e maneira de propor a questão, distingue-se tanto da história e da filosofia da religião (filosofia da religião), quanto da doutrina filosófica acerca de Deus e da teologia dogmática. Não tem que pôr o problema do conteúdo objetivo de verdade das convicções religiosas, como nem o do caráter sobrenatural da ação divina da graça na alma; mas circunscreve-se ao aspecto psíquiconatural da experiência religiosa.

Por esta forma, ficam indicados, por um lado, os limites de suas possibilidades e da esfera que lhe compete, e, por outro lado, fica assente que a psicologia da religião não exclui o sobrenatural (que deve ser considerado do ponto de vista teológico) na vida psíquica religiosa (mística), dado que também a vivência religiosa sobrenatural apresenta, como atividade vital da alma, um aspecto psicologicamente apreensível.

A questão fundamental da psicologia da religião visa a estrutura psíquica da vivência religiosa: como se distingue esta de outras formas vivenciais?; a que camada do psíquico pertence principalmente: ao conhecer e ao querer espirituais, ao instintivo, ao emocional?; radica essencialmente em complexos recalcados, ou num “transbordamento” do inconsciente pessoal, nos arquétipos do inconsciente coletivo ou na parte espiritual do homem ? Entretecida no complexo da vida psíquica, propõe ulteriores problemas, como os referentes à tensão do individual e do social, do intelectivo-racional e do irracional, e os referentes à sua dependência relativamente ao tipo particular humano, às fases evolutivas do homem, à saúde e às anormalidades psíquicas.

A psicologia da religião não é, por forma alguma, disciplina especificamente moderna. Na copiosa literatura ascético-mlstica dos séculos transatos encontra-se uma mina de observação psicológico-religiosa, só parcamente explorada e ainda não devidamente sistematizada. Em fins do século XVIII, perante o influxo exercido pelo Iluminismo e pelo Criticismo, pensou se que os valores da vida religiosa só podiam salvar-se, alojando de fato a religião dentro da esfera do emocional e mais e mais se espalhou a concepção de que a vivência religiosa era essencialmente assunto do sentimento religioso e que os fatores intelectuais possuíam apenas importância secundária como tentativa para dotar de expressão simbólica a vivência sentimental (religião do sentimento, doutrina de Schleiermacher sobre o sentimento de coexistência com o Infinito; doutrina ulterior do mesmo acerca do sentimento de dependência). Assim se instalou com seus exclusivismos uma interpretação psicológica apriorístico-emocional da vivência religiosa, interpretação que, na segunda metade do século XIX continuou dominando, durante decênios, a psicologia da religião. Ao mesmo tempo, difundiu-se a concepção de que as verdadeiras fontes da vivência religiosa deviam ser buscadas só no inconsciente (Sabatier, W. James, Flournoy, Janet e outros). Leuba desenvolveu uma psicologia da religião de caráter materialista, enquanto Wundt considerava a religião essencialmente como fenômeno psicológicosocial. As análises fenomenológicas de R. Otto viam o âmago da vivência religiosa no sentimento do mysterium fascinorum et tremendum, como eco de uma categoria afetiva, emocional a priori. As investigações de Girgensohn e Gruehn operaram uma viragem, mostrando que na medula da vivência religiosa se encontra uma representação intelectual da ideia de Deus, fundida com o ato de tender para Ele.

Na atitude religiosa da alma podem repercutir efetivamente as mais diversas camadas psíquicas, quer reforçando a vivência, quer falseando-a (p. ex., no pseudomisticismo). Quando, porém, alguns investigadores, que se defrontaram com o religioso sem o compreenderem intimamente (Janet, Freud), acreditaram poder dar uma explicação de toda vivência religiosa, recorrendo ao patológico ou fazendo-a depender do sexual, mostraram com isso que desconheciam lamentavelmente a sadia experiência religiosa. Comparada com a psicanálise de Freud, a doutrina de C. G. Jung, que busca a fonte psicológica da vivência religiosa nos arquétipos religiosos do “inconsciente coletivo” (sempre sadio), significa uma atividade intelectual mais aberta aos valores psicológicos do religioso, mas desatende excessivamente as fontes primárias mais essenciais de

ordem espiritual que a vivência religiosa possui na zona espiritual-consciente. O mesmo arquétipo religioso poderia muitíssimo bem ser interpretado como a dinâmica essencial (appetitus naturalis) que impele o espírito criado para Deus, e que é anterior a toda vivência religiosa.

O ato religioso, em sua plena maturação, é um volver-se da alma espiritual com a totalidade de suas disposições para Deus como supremo Valor transcendente e operante na vida, ante o qual a alma se situa em atitudes, que mutuamente se exigem e completam, de distância, mantenedora de respeito, e de amor, que deseja a união. Respeito e amor que não devem considerar-se como atitudes meramente emocionais, mas como atitude da alma toda, em que o “sim” voluntário que se diz a Deus e que reconhece o Valor divino ocupa o centro da vivência. A vivência religiosa não é atuação de um sentido religioso especial, coexistente com as faculdades gerais do espírito, mas sim de uma disposição religiosa alojada no âmago da alma humana orientada para o Infinito. Esta disposição não se circunscreve a determinados tipos de homens, mas funda-se na humana natureza enquanto tal. Contudo, precisa de ser desenvolvida e cultivada por meio da educação, podendo atrofiar-se, se esta faltar. — Willwoll. [Brugger]